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'Não ter um útero me libertou': ela removeu o órgão aos 36 anos

A jornalista Bruna Tenório Imagem: Arquivo pessoal

De VivaBem, em São Paulo

28/09/2023 04h00

A jornalista Bruna Tenório, 36, foi diagnosticada com câncer de colo de útero em novembro de 2022. Ela tinha acabado de assinar uma união estável com seu companheiro. "As expectativas da família em me ver mãe estavam lá em cima", conta.

Durante o tratamento, Bruna relata que teve que enfrentar a decisão de se queria ou não gestar. E decidiu realizar a retirada total do útero sem qualquer procedimento prévio alternativo que tentasse manter a fertilidade.

"O médico perguntou sobre o meu desejo de gestar ao me dar o diagnóstico e chorei muito. Dias depois entendi que foi um choro pelo rompimento de não ter mais essa opção. Ser mãe não era o maior desejo da minha vida e isso eu só descobri depois dos 30." A seguir, ela compartilha sua história:

"Descobri tudo muito rápido. Em outubro de 2022, confirmei o HPV. A princípio, foi feita conização do colo do útero [é uma pequena, simples e rápida cirurgia para a retirada de lesões em forma de cone], um procedimento inicial que pensamos que seria suficiente se os exames indicassem lesão em estágio inicial. Mas encontramos um tumor cancerígeno acima de quatro centímetros em novembro.

Havia duas opções: fazer outra conização ou retirar por completo o colo do útero com o objetivo de manter a fertilidade, se eu tivesse o sonho de ser mãe; ou realizar a histerectomia completa [remoção total do órgão].

No meu caso, em que a biópsia indicava um tumor de até quatro centímetros, poderia apenas retirar o colo. Mas, nesta opção, se não houvesse margens livres, o segundo passo seria tirar o útero inteiro. E eu ficaria mais tempo com a doença no meu corpo. Decidir ir direto para retirada total do útero.

Há 8 anos, perdi minha mãe, ela faleceu de câncer de intestino. Então, esse diagnóstico mexeu muito comigo, me fez ter uma urgência em resolver tudo o mais rápido possível.

Até então, tinha o pensamento de que seguiria o 'caminho natural': encontrar marido, casar e ter filhos. Não havia muitos questionamentos sobre isso. Como estava em uma união estável, também era a expectativa da minha família, que se via confortável e no direito de me questionar sobre filhos.

Eu tinha me dado até os 38 anos para decidir se queria mesmo ter um filho. Meu companheiro tinha claro para ele que não queria naquele momento. Para ele, não faria diferença, mas mulheres têm idade fértil. Minha sensação era de uma bomba-relógio prestes a desarmar, e a pressão social é sufocadora.

Não queria agora, mas será que dá daqui a um tempo eu vou querer? Será que vou me arrepender desta escolha? Meu companheiro sempre falava que, se a gente decidir ter filho, existe a adoção e sempre fui muito aberta em relação a isso. Mas estava empurrando essa decisão para a Bruna do futuro até o diagnóstico do câncer.

Escolhi por mim, pela minha saúde. Entendi que se minha vontade fosse maternar e ter uma pessoa para criar, ela permanece sendo possível.

Fiz a histerectomia em janeiro. Lembro de uma tia me perguntar após a cirurgia: 'Você não sente um vazio?'. Eu ri. Não sentia meu útero antes, por que me sentiria menos mulher ou um vazio depois da cirurgia?

Bruna Tenório mostra cicatrizes de histerectomia que realizou para tratar câncer Imagem: Acervo pessoal

Continuo sendo a mesma pessoa. Nada mudou na mulher, filha, amiga, companheira ou profissional que sou.

Depois da cirurgia, os médicos me indicaram para quimioterapia e radioterapia para evitar recidiva, porque eu tinha uma combinação rara de três tipos de câncer. Fiz minha última quimioterapia no final de maio. Hoje estou quase praticamente sem sequelas do tratamento, trabalhando e vivendo a minha vida normalmente.

Em todo esse processo, só conseguia pensar em tudo o que ainda desejava viver. Liberdade sempre foi um ponto muito importante para mim. Somos ensinadas o tempo inteiro que a mulher está aqui para servir. Mas os meus desejos eram —e são— muitos além da maternidade.

Conseguir ter uma vida financeiramente confortável com meu companheiro, poder viajar, sair do país (que nunca saímos), conhecer restaurantes que a gente quiser, acordar depois das 11h aos sábados e poder simplesmente passar um dia inteiro deitada vendo série. Vontades que parecem simples, mas que a gente sabia que seriam deixadas de lado caso a gente decidisse ter um filho agora.

Hoje consigo enxergar que essa liberdade só chegou agora, ao poder responder sem nenhuma dúvida ou filtrando os pensamentos, que as minhas vontades são outras nesse momento.

Pode ser que daqui uns meses ou anos a maternidade seja um desejo. Mas eu não preciso de um útero para realizá-la. Não ter um útero me libertou."

Saiba mais sobre histerectomia

O que é? A histerectomia é o procedimento cirúrgico para a remoção do útero.

Quando é feito? A cirurgia pode ser indicada para tratar doenças benignas, como pacientes com miomas volumosos e que já não têm indicação de fazer somente a retirada do mioma ou casos de urgências ginecológicas; e também para o tratamento de tumores malignos. A indicação de tratamento cirúrgico geralmente é feita para tumores até 4 cm e que estejam restritos ao colo do útero.

E se a mulher tem desejo de engravidar? Se paciente tiver lesões cancerígenas iniciais ou um tumor de até 4 cm, a equipe médica responsável pelo tratamento vai propor possibilidades terapêuticas para preservar a fertilidade.

Em casos de lesões precursoras do câncer de colo uterino (NIC), são realizados procedimentos menos invasivos e mais conservadores, independentemente da vontade da mulher em manter a fertilidade.

Quais são os tipos de histerectomia? A histerectomia radical envolve a retirada do útero e das estruturas ligamentares, chama de paramétrio. Também há a histerectomia total: que é a retirada do útero e do colo do útero.

Existe ainda a histerectomia subtotal, que envolve a retirada do corpo do útero, preservando-se o colo uterino. No entanto, esta técnica não está indicada para tratamento de câncer.

Quais os principais efeitos colaterais da cirurgia? A maior parte das pacientes têm qualidade de vida sem restrições.

Quem passou por uma histerectomia radical pode ter complicações crônicas como problemas de retenção urinária, para manter relação sexual ou diminuição da lubrificação vaginal.

Outros tratamentos contra o câncer são necessários após a histerectomia? Em casos de risco maior da doença voltar, pode ser indicado a radioterapia depois da cirurgia.

Fonte: Rafael Nunes, cirurgião oncológico, membro da SBCO (Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica) e do Grupo Brasileiro de Tumores Ginecológicos.

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