Terremotos podem causar problemas de saúde em longo prazo a sobreviventes
Já faz quase três semanas que um terremoto de magnitude 6,8 atingiu o Marrocos, matando mais de 2.900 pessoas. Alguns escombros, entretanto, permanecem em Marrakech, cidade que está sediando a segunda edição da Conferência Africana sobre Redução de Riscos para a Saúde.
No painel que abriu o evento, nesta quarta-feira (27), o médico Delon Human lembrou que, além das perdas materiais, desastres naturais também afetam a saúde em longo prazo, com doenças que demoram meses ou anos para aparecer.
De acordo com ele, há dois tipos de doenças preocupantes nesses casos. O primeiro são as doenças comunicáveis, causadas por bactérias, vírus, parasitas ou outros patógenos que podem ser transmitidas direta ou indiretamente de pessoa para pessoa. Em desastres naturais, recursos como energia, água corrente e métodos de saneamento podem ficar indisponíveis por longos períodos de tempo, facilitando o aparecimento de doenças infecciosas. É o caso da influenza, tuberculose, diarreia e até febre amarela, malária e dengue.
O segundo tipo de doenças causadas por desastres naturais são as doenças não-comunicáveis, como hipertensão, diabetes, asma, doenças do coração. Pode parecer estranho associar um terremoto ou tsunami a essas doenças crônicas, mas o impacto desses eventos catastróficos à saúde pública (falta de medicamentos, das fontes habituais de cuidado, interrupção da infraestrutura de assistência médica) contribui com o aparecimento dessas condições.
Além da falta de acesso à saúde pública, Human também relacionou o aumento do tabagismo nesses períodos de crise às doenças não-comunicáveis em longo prazo.
No Marrocos, temos pouco mais de 37 milhões de pessoas, e 5 milhões delas são fumantes. Há uma associação entre o tabagismo e o estresse. É esperado, então, que após desastres naturais as pessoas fumem mais, aumentando o risco de doenças crônicas em longo prazo. Delon Human
O médico israelense Avraham Rivkind, que também participou do painel, citou o transtorno do estresse pós-traumático, ou TEPT, como um dos problemas a ser enfrentado por quem sobrevive a desastres.
O distúrbio é caracterizado por um aumento importante da ansiedade após a exposição a um evento traumático, como um terremoto ou uma enchente. A pessoa com o transtorno revive recorrentemente o acontecido, por meio de sonhos, pensamentos ou flashbacks —uma experiência lúcida, na qual ela sente como se o evento estivesse ocorrendo novamente.
Para reduzir o risco de doenças que podem aparecer meses ou anos após esses eventos, os médicos apontaram que cuidados com saneamento básico, água, diagnóstico precoce e até programas antitabagismo ajudam. Mas governos devem se preocupar com isso antes mesmo de acontecimentos do tipo.
"Desastres podem acontecer em qualquer lugar, sem avisos. É por isso que a preparação é importante", disse o médico sul-africano Katlego Mothudi. Segundo ele, essa prevenção vem por meio de construções adequadas, educação e informação eficientes (população precisa estar ciente sobre saneamento básico, higiene, importância das vacinas e da doação de sangue, por exemplo) e acesso à saúde, inclusive mental.
*A jornalista viajou a convite da organização da Conferência Africana sobre Redução de Riscos para a Saúde.