Ele teve Guillain-Barré após diarreia: 'Caí e não conseguia levantar'
Em um dia, Danilo Quinta, 43, estava trabalhando normalmente. No outro, ele já não conseguia mais se mover.
O que ele descobriu depois de alguns exames é que tinha desenvolvido a síndrome de Guillain-Barré, uma doença autoimune que tem como característica uma piora aguda e progressiva e, depois, uma melhora do quadro.
O caso de Danilo aconteceu em janeiro de 2017, quando ele tinha 36 anos. Primeiro, o analista tributário perdeu a força nas mãos -nem sequer conseguia apertar o frasco de desodorante. Achou estranho e resolveu procurar ajuda no hospital, acompanhado da esposa Patrícia, que é enfermeira.
"O médico disse que era um estresse muscular e deu uma medicação, mas avisou que poderia ser forte, causando sonolência. Saí de lá e fui trabalhar normalmente", lembra. No dia seguinte, a situação piorou.
Danilo, que vive em Sorocaba (SP), acordou se sentindo "estranho", mas achou que a culpa era do tal "remédio forte" que o médico passou para ele.
Fui tomar banho e, quando estava voltando para o quarto, firmei o pé no degrau e caí. Não conseguia levantar. Fui me arrastando até a escada, sentado, até consegui pedir ajuda dos vizinhos.
Danilo explica que ele conseguia andar, mas só com ajuda de alguém. Não tinha forças para ficar sozinho em pé. De volta ao hospital, o médico insistiu que aquilo poderia ser resultado de um momento de estresse. Mas Patrícia, mais uma vez, disse que não era nada normal e que ele deveria ser internado —uma vez que não conseguiria ajudá-lo a se locomover em casa.
Ele foi internado no dia 17 de janeiro de 2017, uma sexta-feira. O quadro foi piorando até chegar num ponto em que Danilo não conseguia mais se sentar sozinho na cama do hospital. No domingo, ele tinha dificuldades até para comer.
Só na segunda-feira que um neurologista resolveu pedir todos os exames para descobrir o que era —descartando tumor cerebral ou um problema na coluna. Fez ressonância, ultrassom e exames de sangue. Por fim, o médico também pediu a punção na lombar para análise do líquor (líquido cefalorraquidiano), o que detectou a doença.
O médico chegou dizendo: 'Matamos a charada. É a síndrome de Guillain-Barré'. Eu nem sabia o que era, mas minha esposa conhecia. Ela passou mal e desmaiou.
O que acontece no seu corpo quando você tem Guillain-Barré
A síndrome é considerada uma doença autoimune, ou seja, o sistema imunológico começa a atacar uma parte do corpo.
O processo ocorre assim: ao produzir anticorpos para lutar contra algum invasor (seja uma bactéria ou vírus), o corpo tem uma resposta exagerada e, neste caso, acaba atacando também células dos nervos periféricos, responsáveis pelo movimento e sensibilidade dos músculos.
No caso da síndrome, o ataque pode ser na bainha de mielina ("capa de gordura" do neurônio) ou no axônio (parte do neurônio que envia mensagens ao corpo —caso de Danilo, mais grave).
Esse "ataque" do sistema imunológico deixa lesões na região que podem ser transitórias ou não (veja sintomas abaixo).
A recuperação depende de cada paciente. Dados mostram que aproximadamente 50% se recuperam totalmente até seis meses depois de a síndrome se manifestar.
Fatores como infecções respiratórias e gastrointestinais podem desencadear a síndrome, além do zika vírus, dengue, sarampo, citomegalovírus, medicações e vacinas.
Alguns pacientes podem ter problemas nos rins (como ocorreu com Danilo) por causa das alterações hemodinâmicas que podem acontecer, como arritmias e pressão baixa, segundo o neurologista e professor de medicina da Faculdade Pitágoras de Eunápolis (BA). A intubação também pode ser necessária e precoce.
A presença de disfagia, que é a dificuldade de engolir, denota risco de broncoaspiração e se correlaciona com evolução para insuficiência respiratória. Frederico Lacerda, neurologista
"Não conseguia engolir nada. Engasgava até com a saliva"
Danilo foi encaminhado para a UTI, principalmente pela medicação que só pode ser aplicada no local e que faz parte do tratamento da doença —a imunoglobulina, que reduz sequelas e aumenta a velocidade de recuperação.
Ali, começaram todas as mudanças: ele passou a usar uma sonda nasal para ajudar na alimentação e já iniciou a medicação intravenosa. De um dia para o outro, Danilo começou a engasgar com frequência com a saliva. "Meu amigo que estava no quarto comigo chamou a médica e resolveram me intubar", conta.
Não estava aguentando mais. Foram 4 dias em coma e depois fiquei sabendo que a coisa ficou mais grave: entrei no protocolo de septicemia [infecção generalizada aguda] porque meu rim parou de funcionar, mas não precisei de diálise. A única coisa que não parou foi meu coração e meu pulmão.
Aos poucos, Danilo foi sendo acordado para sair da intubação. No total, ele passou 71 dias internado, sendo a maioria dentro da UTI. Precisou de mais um ciclo da medicação, pois a primeira, segundo ele, não surtiu efeito.
Neste período, também teve pneumonia duas vezes, mas as coisas foram melhorando, o rim dele, por exemplo, voltou a funcionar. Só uma coisa ainda não tinha voltado: os movimentos.
A única coisa que mexia era meu dedão da mão. Em alguns momentos, eu dormia de olho aberto e alguém fechada para mim.
A única coisa que o médico de Danilo conseguiu encontrar de causa para o desenvolvimento da Guillain-Barré foi um quadro de diarreia —algo que pode realmente acontecer.
"Alguns dias antes, comi algo que causou uma infecção intestinal, uma diarreia. O médico falou que provavelmente foi isso", explica.
Qual relação com a diarreia?
Infecções, como as respiratórias ou gastrointestinais, podem ser gatilhos para o desenvolvimento da síndrome de Guillain-Barré. Um dos agentes mais comuns, segundo os especialistas, é a bactéria Campylobacter, causadora da diarreia.
Quando a condição é causada após um quadro de diarreia, por exemplo, ela costuma ser mais grave, além de uma resposta mais baixa em relação ao tratamento —exatamente o que aconteceu com Danilo.
Mas isso quer dizer que qualquer pessoa com diarreia vai desenvolver a síndrome? Não, a condição é considerada rara. De acordo com o Ministério da Saúde, a incidência anual da síndrome é de 1 a 4 casos por 100 mil habitantes, com pico entre 20 e 40 anos.
Nada disso seria possível sem a força e a coragem da minha esposa. Ela cuidava de mim no hospital, trabalhava e no dia seguinte cuidava da criançada. Pensei em desistir diversas vezes, mas lembrava que não poderia decepcionar meus filhos e minha esposa, que foi a maior guerreira nesta história toda. Perdi muitas coisas, desde pessoas até meu emprego, menos minha família que sempre esteve comigo.
Aos poucos, Danilo foi reaprendendo a andar
A fisioterapia foi essencial no tratamento de Danilo. Como ele perdeu a memória dos movimentos do corpo, precisou reaprender tudo de novo.
É aquela coisa de 'um dia de cada vez'. Tinha hora que eu perdia a paciência. Saí da internação de cadeira de rodas. Para sair da cama, alguém precisava me tirar. Para subir na cadeira de rodas, para beber água, para tomar banho, alguém precisava me ajudar. Não fazia mais nada sozinho.
Depois que foi para a casa, os movimentos começaram a voltar aos poucos. Entre 3 e 4 meses, a parte de tronco, como braços, foi a primeira a voltar. O retorno das pernas foi mais lento: só quase 2 anos depois, ele conseguiu voltar a andar. Atualmente, Danilo ainda usa muletas para ajudá-lo, mas é totalmente independente.
Ando com dificuldade, não é tão natural quanto antes, mas também não é algo que me deixa debilitado. Se tem uma escada, por exemplo, preciso de um corrimão para ajudar.
Danilo lembra que, no começo, ninguém sabia se ele voltaria a andar novamente. "Coleciono alguns troféus desta luta. Para muitos, nem se parecem como troféu, mas para mim são provas do que venci: tenho meu troféu em forma de cadeira de rodas, outro de um andador e, hoje, tenho minha muleta", fala.
Principais sintomas da síndrome
Fraqueza progressiva que pode ocorrer da seguinte maneira: membros inferiores, braços, tronco, cabeça e pescoço;
Fraqueza muscular ou paralisia total dos quatro membros;
Sensação de dormência e queimação nos pés e pernas que, depois, pode ir subindo até braços e mãos;
Alguns pacientes podem sentir dores no corpo (pernas, lombar).
Outros sinais que podem aparecer são: sonolência, confusão mental, visão dupla, tremores, entre outros.
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