Projeto doa almofadas para pacientes de câncer: 'Carinho na aflição'
Helena Carnieri
Colaboração para VivaBem
01/10/2023 04h04
A fonoaudióloga Cida Stier, hoje com 58 anos, foi diagnosticada com câncer de mama em 2017. Da notícia para a cirurgia foram poucos dias. Logo na saída do centro cirúrgico, ainda tonta da anestesia, ela conta que se surpreendeu ao ver a enfermeira entrando com um pacote com três almofadinhas lindas com formato de coração. Ela não sabia quem havia enviado.
Quando soube que aquele era um trabalho de voluntárias, e que as almofadas ajudam na drenagem e redução da dor, imediatamente coloquei debaixo do braço e fiquei por muito tempo com elas. Até hoje, já curada, ainda tenho elas comigo: fazem parte da decoração do meu quarto, como forma de gratidão. Cida Stier
Além de toda a carga emocional envolvida no processo do tratamento do câncer de mama, é muito comum que as pacientes fiquem com medo até de realizar pequenos movimentos, após a cirurgia de retirada de um tumor. Para ajudar, almofadas ou travesseiros podem ser colocados na região das axilas, pois causam um relaxamento e trazem maior segurança para as pacientes.
No caso do modelo recebido por Cida, o presente veio do grupo de mulheres do Projeto Almofadas do Coração (PAC), que se reúne toda terça-feira num espaço na igreja luterana Bom Pastor, em Curitiba.
A técnica utilizada foi aprendida por uma conhecida delas em viagem à Alemanha. Com muita dedicação, elas se organizaram numa linha de montagem artesanal, em que uma corta o pano, outra costura e outra coloca o recheio na medida certa.
Após 7 anos de projeto, já foram entregues mais de 10 mil unidades para hospitais de Curitiba, postos de saúde da região e pacientes de todo o Brasil, que fazem a encomenda pelas redes sociais e as recebem gratuitamente.
Mas não se trata de qualquer almofada —feitas em algodão 100% e fibras antialérgicas, cada uma pesa exatos 250 gramas, de forma que proporcione o máximo de conforto.
"A pessoa não precisa apertar a almofada para segurá-la, ela tem que se encaixar suavemente debaixo do braço", conta a enfermeira Ana Paula Pereira de Melo Alcântara, idealizadora do projeto.
O desafio foi cumprir com os protocolos para tornar-se fornecedor de hospitais especializados no tratamento do câncer. O sustento vem de cotas doadas regularmente por madrinhas, doações pontuais e da venda de artesanato num bazar destinado a esse fim.
Esse projeto é incrível porque, assim como numa doação de sangue, é algo pensado por alguém antes de você precisar. Foi uma surpresa muito positiva, como um carinho num momento de bastante aflição. Depois fui até o projeto conhecer o trabalho e vi formiguinhas que promovem o amor, a paz e a cura. Cida Stier
Voluntárias também colhem benefícios
Não pense você que apenas as pacientes contempladas é que recebem os benefícios do projeto, o Almofadas do Coração, além de levar um objeto útil e repleto de amor para as pacientes, muda a vida também das voluntárias.
Foi o caso de Suely Silva, 70, que participa há 6 anos do PAC: "Comecei a tomar remédios após perder meu marido, mas quando uma amiga me convidou para participar, abandonei os medicamentos e hoje sou outra pessoa. Nas terças-feiras, dispenso qualquer compromisso com filho ou neto, não troco por nada".
"Sempre imagino as mulheres que vão usar a almofada que estou fazendo. Sei que elas ficam fragilizadas, e a almofada ajuda a aliviar a dor. Elas sempre nos agradecem tanto. É bom fazer algo pelo próximo", celebra a voluntária Miriam Coutinho.
Também integrante do grupo, Jussara Tibiletti, 71, conheceu a almofada por meio de uma amiga e ficou impressionada a ponto de procurar o grupo responsável. "Na época, estava com muito tempo livre, precisava me ocupar com coisas boas. Então me ofereci como voluntária, e descobri um ambiente muito agradável, que faz bem para os outros e para nós. E ainda levo um pouco para costurar em casa, e enquanto trabalho sempre imagino a mulher que irá usar a almofada e oro para que vença a doença."
As etapas de uma cirurgia na mama
Durante a cirurgia, a prevenção da dor vem pela anestesia: cada paciente é medicada de maneira personalizada para impedir que as dores surjam.
São aplicados curativos específicos para proteger as cicatrizes, prevenir a dor e trazer mais segurança à paciente.
As pacientes costumam relatar uma leve queimação nas áreas das cicatrizes e, às vezes, alguma dor discreta nas axilas. É nesse momento que as almofadas entram em cena, ajudando a relaxar e drenar a região.
De acordo com médicos e psicólogos envolvidos com o tratamento do câncer de mama, as ações de solidariedade e amor ajudam na recuperação das pacientes, e isso não é apenas um pensamento otimista: existem comprovações científicas que embasam essa afirmação.
Além do impacto do diagnóstico da doença, que é físico, mental e emocional, as sequelas do tratamento deixam marcas no corpo e, não menos importante, na saúde mental. Isso afeta a autoestima, relacionamentos pessoais e, muitas vezes, a vida profissional. E a melhoria das condições emocionais é essencial para a evolução da recuperação e prognóstico da doença.
E ainda sobre diagnóstico, uma pesquisa* mostra que:
Uma em cada quatro mulheres (40%) acredita que, em qualquer idade, a mamografia é necessária apenas quando outros tipos de exames (como o ultrassom) indicam alterações na mama.
Quase metade (48%) tem a falsa percepção de que, caso nenhuma lesão seja identificada na mamografia, a mulher fica liberada, a partir daquele momento, para fazer apenas o autoexame em casa.
Erroneamente, 63% das mulheres ouvidas estão convictas de que o autoexame seria a principal medida para a detecção precoce do câncer de mama. Esse porcentual chega a 68% entre as entrevistadas mais velhas, com 60 anos ou mais, justamente a faixa etária sob maior risco para a doença.
Nesse caminho, acolher o paciente é extremamente importante para elevar as chances de recuperação: o amor muda a percepção do cérebro, e a manutenção de um estado químico e elétrico positivo pode melhorar a forma como o corpo percebe o órgão afetado, auxiliando o aparelho cardiovascular e imunológico na recuperação. Dessa forma, os profissionais percebem que estados de humor elevados cooperam na recuperação do paciente com câncer.
Por isso, a participação de parentes, amigos e voluntários nos serviços oncológicos proporciona uma trajetória mais positiva e produtiva ao longo do tratamento, independentemente do desfecho do quadro de saúde.
Conversar, ouvir ou simplesmente saber quando ficar em silêncio pode ajudar nesse processo. Empatia, amparo e solidariedade são chaves para qualquer pessoa se sentir melhor, seja qual for o quadro de saúde.
Além disso, diversos estudos mostram, com dados estatísticos, melhores taxas de recuperação, qualidade de vida e sobrevivência da doença entre pacientes que possuem mais hobbies, grupos de amigos, familiares, apoio e religiosos.
Mitos sobre câncer de mama ainda persistem
Dados da mesma pesquisa citada acima mostram que:
Cerca de um terço (32%) das respondentes entende que o câncer de mama está relacionado a fatores de risco modificáveis, que dependem do estilo de vida.
Porém, 7 a cada 10 participantes da pesquisa (71%) afirmam que a principal causa da doença seria a herança genética, ou seja, o diagnóstico de outros casos do tumor na família, embora a literatura médica aponte que apenas 5% a 10% do total de casos estão associados a esse fator.
Por outro lado, a maior parte das participantes ignora a relação entre o estilo de vida e a doença: 70% delas não identificam a associação com o consumo de bebidas alcoólicas.
O impacto do excesso de peso, sobretudo após a menopausa, é outro fator de risco desconhecido pela maioria das mulheres contempladas pelo levantamento (58%).
Mais de um terço das respondentes (37%) tem dúvidas sobre a relação entre o uso de sutiã com bojo (estruturado) e o risco de câncer de mama.
A associação do tumor a esses elementos subjetivos (o surgimento do tumor em decorrência de mágoa e falta de perdão, ou por estar nos planos de Deus) é mais pronunciada entre as entrevistadas de menor escolaridade (com ensino fundamental), nas quais esse dado chega a 15%.
*A pesquisa "Câncer de Mama no Brasil: Desafios e Direitos" foi realizada pelo Ipec (Inteligência em Pesquisa e
Consultoria) com 1.400 mulheres, a pedido da Pfizer. Foram entrevistadas, de forma online, mulheres de São Paulo (capital) e das regiões metropolitanas de Belém, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro (capital) e Distrito Federal, com 20 anos ou mais.
Fontes: Aline Ambrósio, ginecologista do Hospital Israelita Albert Einstein (SP) e psicoterapeuta; e Christiane Steponavicius Sobral Schmidt, cirurgiã plástica do Hospital Israelita Albert Einstein (SP).
Referências:
Importância da Atuação do Psicólogo no Tratamento de Mulheres com Câncer de Mama
https://rbc.inca.gov.br/index.php/revista/article/view/2059
Intervenções Grupais para Mulheres com Câncer de Mama: Desafios e Possibilidades
https://www.scielo.br/j/ptp/a/j8hnQ4ZkWMXGrnXsj7TLt8p/