'Fiz ultrassom, mas não achavam meus órgãos e descobri condição rara'

De que lado fica o coração? Esquerdo, é claro. A resposta vale para a maioria das pessoas, mas não para o ator Alessandro Guerra, de 24 anos. O jovem nasceu com situs inversus, uma variação na disposição dos órgãos. O coração e o baço dele ficam do lado direito; já o fígado, no esquerdo. A descoberta ocorreu de um jeito inesperado. A VivaBem, ele conta sobre o seu diagnóstico.

'Tomei um susto'

"Passei três anos sentindo muita dor de estômago sem saber o motivo. Em fevereiro de 2022, fui a uma especialista e a médica me pediu uma ultrassonografia do abdome superior e mais alguns exames para investigar as dores.

Na clínica, quando passaram o gel e colocaram a maquininha do ultrassom, não estavam achando alguns órgãos onde eles deveriam estar. A médica ficou um pouco assustada, e eu brinquei: 'Ah, vai ver eu não tenho mesmo'.

Ela aumentou a potência da maquininha, e nada. Trocou de aparelho, e nada. Quando ela viu onde o coração estava, me disse que ele não estava no lugar certo, do lado esquerdo. E aí eu tomei um susto.

Fiquei assustado, mas ela me tranquilizou dizendo que aquilo —nascer com órgãos importantes invertidos— poderia acontecer, apesar de ser uma condição rara no mundo.

'Médicos falam que é normal'

No exame, ela conseguiu ver que meu baço, meu fígado e meu coração são invertidos. Ela não olhou outros órgãos, mas me orientou a procurar especialistas e fazer mais exames.

Não cheguei a fazer isso porque é muito caro, tenho interesse de ir atrás, mas no momento não tenho condições. A única coisa que fiz depois foi um raio-X da coluna, porque tinha dores, e descobri que tenho uma vértebra torta.

Até pensei que seria um osso invertido, mas a vértebra só está torta mesmo. Fiquei com medo de fazer mais exames e descobrir mais. Quem procura acha.

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Não preciso fazer nenhum acompanhamento por causa da situs inversus, mas o que me recomendaram é que, caso eu sinta alguma dor futuramente, avise aos médicos sobre meus órgãos invertidos, porque, se eu precisar de alguma cirurgia, por exemplo, eles podem cortar no lugar errado.

Então, para todo médico que eu vejo, eu falo. Alguns arregalaram os olhos porque é uma surpresa até para eles, por mais que saibam que é algo que pode acontecer.

'Sou especial'

Quando falo sobre minha condição para outras pessoas, elas me fazem um monte de perguntas —coisas que nem eu mesmo sei responder: o que eu sinto, como é ser uma pessoa com os órgãos invertidos, como é saber que tenho uma condição rara.

Nunca tinha percebido meu coração batendo do lado direito. Sentia uma aceleração do lado direito, mas achava que era por causa do cansaço do dia a dia.

As pessoas fazem sempre as mesmas piadas. Meus amigos, quando vão me apresentar, falam que sou 'o rapaz do coração especial'. As pessoas ficam muito curiosas para saber como eu vivo com isso... mas eu só convivo, não sinto nenhuma dor por causa da situs inversus.

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As dores que tive, no estômago e na coluna, eram gastrite e ciático. Faço as minhas coisas do dia a dia de forma normal.

É como falam: sou um garoto especial."

O que é situs inversus?

A situs inversus não é uma doença, mas uma condição de posição dos órgãos. Ela pode acometer os órgãos intratorácicos, intra-abdominais ou das duas cavidades.

"É um defeito de posição, na embriologia. Quando o menino está se formando no útero, os movimentos rotacionais e de formação dos órgãos tomam um sentido ao contrário", explica Fábio Gaiotto, cirurgião cardiovascular do InCor.

Uma pessoa nasce com os órgãos invertidos a cada 10 mil. A condição tem origem genética, não há diferença de incidência entre os gêneros e não há influência de fatores externos.

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Na maioria das vezes, a pessoa vive assim para sempre. Não desenvolve doença por causa disso e tem uma vida normal.

O diagnóstico pode acontecer ainda na infância, em uma consulta de rotina ao pediatra, mas não é incomum que passe batido.

"A pessoa chega lá nos seus 35, 40 anos, vai fazer um exame, um check-up, uma medicina preventiva e descobre que tem os órgãos invertidos. Na maioria das vezes é dessa forma [que se descobre a condição]", diz o médico.

Gaiotto, inclusive, já fez uma transplante cardíaco em um paciente com órgãos invertidos. A posição, no caso, trouxe um desafio adicional: o médico teve de pegar o coração do doador na posição normal (situs solitus) e colocar dentro do tórax com situs inversus.

"Me senti como se estivesse operando uma imagem em espelho. E, para encaixar, eu rodei o coração. O que era esquerdo ficou direito, o que era na frente ficou atrás e o que era atrás ficou na frente."

A situs inversus não implica em nenhum cuidado além dos recomendados para quem não tem a variação.

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