De insônia a estresse pós-traumático: como a guerra afeta a saúde mental

A guerra entre Israel e o grupo extremista Hamas entrou no quarto dia nesta terça-feira (10), com mais de 1.400 mortos, segundo autoridades. No início da manhã de sábado (7), o Hamas lançou uma ofensiva contra Israel, que aprofundou o cerco a Gaza.

Médicos e organizações de saúde no território alertam para uma catástrofe humanitária sem precedentes e para os ataques contra escolas e hospitais.

Os desdobramentos intensificam o conflito no território que dura há décadas e afeta a rotina e a saúde mental de milhares de pessoas. Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), um quinto das pessoas que vivem em zonas de conflito armado vivem com algum tipo de distúrbio de saúde mental —como depressão, ansiedade, transtorno de estresse pós-traumático ou esquizofrenia. A proporção é três vezes maior que a da população geral.

A psicóloga Ionara Rabelo, do Médicos Sem Fronteiras e professora da Universidade Federal de Goiás, diz que a variação de impacto da guerra depende de vivências anteriores.

Rabelo, que já atuou na Cisjordânia e em outros territórios em conflito armado, como na Síria e no Equador, lembra que pessoas em local de zonas de guerra acumulam vivências do conflito —desde perda de amigos e familiares a lesões, como amputações ou queimaduras causadas por desabamentos ou mísseis. Novos acontecimentos podem trazer à tona sintomas desses traumas.

Um novo ataque a faz reviver tudo aquilo que ela passou em outros momentos, que pode ser potencialmente traumático. Da mesma forma que o rosto guarda cicatrizes, o sofrimento psíquico também tem cicatrizes que podem estar semiabertas. Qualquer novo estímulo, no sentido de desencadeador de sofrimento, elas se abrem. Ionara Rabelo, psicóloga

Os sintomas podem ser insônia, dores de cabeça e pelo corpo. "Há pessoas que paralisam, não conseguem mais cuidar dos filhos ou trabalhar. E existem pessoas que podem ficar em estado ainda mais grave e começar com sintomas psicóticos."

Identificação do sofrimento psíquico

Em territórios onde a guerra é constante, como entre Israel e Palestina, os promotores de saúde auxiliam pacientes a identificarem questões de saúde mental, já que, segundo Rabelo, muitas pessoas não vinculam seus sintomas ao sofrimento psíquico. "Eles podem pensar que é uma doença apenas química, podem pensar que é fraqueza. E, às vezes, podem ter até vergonha, principalmente homens", diz a psicóloga.

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Em estado de conflitos permanentes, observa Rabelo, pessoas tendem a ficar caladas, introspectivas e isoladas. Por isso, a estratégia de trabalho de organizações como Médico Sem Fronteiras é baseada no community approach, ou seja, uma abordagem baseada na comunidade.

"São feitas várias intervenções de apoio social para a gente encontrar quais são os fatores de proteção daquela comunidade. Podem ser grupos de apoio, conversa com mulheres, atividades com crianças. O primeiro nível de cuidado é muito conectado com o fortalecimento daquilo que o território já tem. Buscamos pelo tecido social daquela comunidade", explica a psicóloga do MSF.

A psicóloga explica que, em períodos de intensificação do conflito, os agentes de saúde trabalham com a estratégia da pirâmide de apoio social e saúde mental.

"A base dessa pirâmide é a segurança, tudo que a gente puder fazer para atender rapidamente os pacientes, para dar o máximo de informação para famílias em angústia por um familiar desaparecido ou ferido. O acesso aos serviços de saúde, a informações fidedignas, à água, alimentação e um abrigamento seria a base para o atendimento durante uma emergência como essa."

Falta de financiamento a programas de saúde mental

O Comitê Internacional da Cruz Vermelha, ou CICV, alerta que nos países de renda média e baixa onde ocorre a maioria das crises humanitárias, os serviços de saúde mental e apoio psicossocial não recebem prioridade nem financiamento suficiente, com uma média de dois trabalhadores de saúde mental para 100 mil pessoas. Como resultado, dois terços das pessoas com doenças mentais graves nesses países não recebem nenhum tratamento.

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O CICV elaborou um programa de saúde mental e apoio psicossocial desde 2019, em que reiteram que ambos não devem ser separados. Robert Mardini, diretor-geral da instituição, disse em entrevista ao Infobae que pessoas em zona de guerra sofrem com "feridas invisíveis".

"Quando civis ou soldados são feridos em campos de batalha, nos concentramos no apoio cirúrgico, mas já sabemos que a saúde mental é absolutamente crítica e deve ser abordada em paralelo."

Impacto também afeta quem está longe

O impacto da guerra também é extraterritorial e afeta refugiados e familiares por todo o mundo.

Ionara Rabelo aconselha familiares a procurarem, neste momento, fontes seguras e oficiais de informação.

"Imagens vão se repetindo, e ficar em busca de mais imagens vai causar mais sofrimento. Orientamos a busca de uma única fonte de informação fidedigna, porque rumores e imagens de coisas tão difíceis piora o sofrimento."

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