Alzheimer: diagnóstico precoce importa, mas é preciso saber como tratar
Em 2012, a mãe de Elaine Mateus foi diagnosticada com Alzheimer em um estágio de bastante comprometimento. Dois anos antes, ela tinha começado um tratamento para depressão. Hoje, olhando em retrospecto, Elaine acha que poderia ter sido diferente.
"Sabendo o que sei hoje, talvez o tratamento de depressão fosse equivocado. Uma investigação diferente poderia ter feito o diagnóstico de Alzheimer antes", comenta.
Jeny Fernandes Mateus tinha 72 anos e se tratou com medicamentos do SUS. Ela seguiu por bastante tempo com práticas das quais gostava, como ler, fazer tricô e crochê. Mas a insegurança a levou a parar de dirigir e de dançar. Foi se isolando.
O estágio de maior dependência veio após sete anos da doença, e ela morreu aos 82 anos pelo agravamento do quadro.
Elaine recorda o dia em que o Alzheimer entrou na vida da família. Estavam ela, a mãe, o pai e a irmã mais velha no consultório do médico. Dirigindo-se ao homem, o profissional anunciou: "É isso mesmo, ela tem Alzheimer. Está aqui o remédio e vocês voltam daqui três meses."
"Todo mundo fica num estado catatônico", ela diz. "Eu demorei uns dois, três meses para querer pensar sobre isso." Só então ela se deu conta de que precisava estudar o assunto para tornar a jornada da mãe menos sofrida.
Pela experiência, a professora universitária ajudou a fundar em Londrina (PR) o Instituto Não Me Esqueças, do qual é vice-presidente. A organização atua em prol dos direitos de pessoas com Alzheimer e outras demências.
"O que eu faço com isso?"
É comum ouvir relatos de famílias que, no momento do diagnóstico, ficam perdidas. Há um estigma de que pessoas com Alzheimer estão sentenciadas ao isolamento até que a morte venha. Mas não precisa ser assim. Ou, ao menos, não deveria.
"Dar o diagnóstico é uma tarefa médica, e o modo marca todo o tipo de impacto que tanto o paciente como a família vão ter dali por diante", comenta Jerson Laks, doutor em psiquiatria e saúde mental.
As dúvidas, os medos e as angústias das famílias podem, assim, ser minimizados pela forma como a notícia é dada. O diagnóstico precisa ser transparente.
Um modo acolhedor, mas verdadeiro, é mostrar tudo o que vem acontecendo com a pessoa, que isso tem um nome e serve para fazer estratégias de tratamento. Jerson Laks, doutor em psiquiatria e saúde mental
Dessa forma, em vez de ser destrutiva, a constatação do Alzheimer abre uma possibilidade de pensar no futuro. E quanto antes a condição for identificada, mais tempo de autonomia a pessoa terá para fazer valer suas vontades quanto a tudo que lhe cabe: tratamento, vivências e bens materiais, por exemplo.
Rodrigo Schultz, presidente da ABRAz (Associação Brasileira de Alzheimer), diz que o profissional da saúde deve orientar paciente, família e cuidadores. "Há necessidade de informação, ela precisa aprender sobre a doença, que é extremamente complexa e não se apresenta igual." Segundo ele, uns vivem por mais dois anos após o diagnóstico; outros, 20.
Outra mensagem é que, independentemente da gravidade da doença, é possível seguir vivendo, não apenas existindo —desde que haja informação e acesso aos tratamentos.
Com limitações, tem gente que continua dirigindo, cuidando da casa, viaja, sai com amigos. A vida não terminou, o diagnóstico não é o destino. Rodrigo Schultz, presidente da ABRAz
Precoce quanto?
Segundo o neurologista Louis Fernando, do Hospital São Domingos (MA), o Alzheimer começa cerca de dez anos antes dos sintomas aparecerem. E quem tem histórico familiar da doença tem um risco aumentado de desenvolver o quadro. Porém, risco não é garantia.
No ano passado, o ator Chris Hemsworth, 40, anunciou uma pausa na carreira após descobrir que tem duas cópias do gene ApoE4, que eleva o risco de desenvolver a demência.
O indício foi apontado por um teste genético, mas se não fosse a série documental que ele estava fazendo, que justificou o exame, ainda não haveria necessidade de averiguar a condição. Apesar dos genes, não é certeza de que a doença vai aparecer.
Além da avaliação genética, exames de sangue também foram lançados, inclusive no Brasil, para ajudar no diagnóstico. Contudo, especialistas afirmam que eles servem como uma ferramenta auxiliar para pessoas com suspeita que já estão investigando o quadro.
O principal ponto quando se fala de diagnóstico precoce é descobrir a doença nos estágios iniciais. "Isso ajuda a manter a pessoa independente por mais tempo. E quanto mais oportunidade de se exercitar, mais presente ela vai se manter", diz Elaine.
Identificar para tratar melhor
No Brasil, ao menos 1,76 milhão de pessoas com mais de 60 anos têm algum tipo de demência.
Destas, entre 50% e 60% têm Alzheimer (de 880 mil a 1 milhão).
Porém, a maioria dos brasileiros com demência —uma estimativa de 70%— não recebeu diagnóstico, o que barra o acesso a tratamentos adequados.
As demências podem ser causadas por AVC, hipotireoidismo, deficiência de vitamina B12, depressão, distúrbios do sono, tumor cerebral e infecções como sífilis.
Uma dificuldade é que os sintomas cognitivos são considerados normais do envelhecimento, mas não são. O principal ponto é quando suspeitar. Louis Fernando, neurologista
Ele explica que todos nós temos um cognitivo basal e um declínio funcional, mas que às vezes não atrapalha no dia a dia. Já o Alzheimer causa prejuízos pelo déficit cognitivo, de linguagem e musculoesquelético. Isso impacta a família, o trabalho e as dinâmicas sociais.
Por isso, identificar o tipo de demência importa, pois o que é indicado para Alzheimer é diferente do prescrito para outras causas.
Como diagnosticar Alzheimer
A neurologia é a especialidade médica mais indicada para começar a investigação da demência.
Uma longa conversa entre profissional e paciente busca identificar sinais, sintomas e comportamentos que indiquem demência. Pessoas próximas também podem ser ouvidas.
Testes objetivos são usados para avaliar cognição (memória, capacidade de planejamento e de resolver problemas).
Em paralelo, exames de imagem (ultrassom, ressonância magnética) e de sangue são feitos para investigar outras possíveis causas da perda cognitiva, como alterações de tireoide, glicemia, tumor cerebral, depressão e alteração de sono.
Após a exclusão de outras causas, um teste neuropsicológico consegue validar e entender o grau de comprometimento que a pessoa tem.
"No exame de imagem, às vezes o Alzheimer tem padrão específico de atrofia, com área da memória mais reduzida, mas isso por si não basta", alerta Louis Fernando. "O mais importante é ter sintomas e outros fatores corroborando."
Exames auxiliares
Se ainda restar dúvidas ou a pessoa quiser confirmar o diagnóstico por outros métodos, há exames específicos que buscam por biomarcadores da doença de Alzheimer, como as proteínas beta-amiloide e tau fosforilada.
Elas se acumulam no cérebro formando placas, mas se difundem pela corrente sanguínea e pelo líquor, líquido que envolve encéfalo e medula espinhal. Esse tipo de teste tem alta sensibilidade e se enquadra na medicina de precisão ou personalizada.
PET amiloide: é uma tomografia que visa identificar as placas beta-amiloide no cérebro e pode ajudar quando o comprometimento cognitivo tem causa inexplicada. "Ele pode fornecer informações úteis quando já existe uma suspeita clínica da doença de Alzheimer, mas há indícios de outras doenças. Além de ser indicado nas apresentações atípicas de declínio cognitivo rápido, em idade atípica, menor de 65 anos", explica Rafael Tavares, especialista em medicina nuclear na Clínica Villela Pedras (RJ).
Líquor: por meio de uma punção na região lombar da coluna vertebral, uma amostra do líquido é retirada para análise. É um exame invasivo e desconfortável que exige equipe treinada.
Exames de sangue: prático e pouco invasivo, se dá por uma coleta comum de sangue. A investigação das proteínas é feita por uma tecnologia chamada espectrometria de massas.
A Rede Dasa lançou um teste em maio do ano passado, que avalia o risco de Alzheimer em uma pessoa com demência ao identificar dois tipos da proteína beta-amiloide.
"É um exame de fácil coleta, que não depende de médico especializado como o que vai coletar o líquor, e mais acessível do que o PET amiloide, que não tem em qualquer lugar e é extremamente caro", aponta Lívia Avallone, gerente de novos produtos da Dasa.
O laboratório oferece o teste por R$ 1.500, enquanto o PET fica em torno de R$ 8.000. Nenhum é coberto por planos de saúde.
Mais recentemente, o Grupo Fleury lançou um exame de sangue que busca identificar a beta-amiloide e a tau fosforilada. Ele custa R$ 3.600 e está disponível em unidades de São Paulo e em Brasília. Em comparação, o exame de líquor é R$ 3.604 e o PET amiloide custa R$ 9.124.
Nenhum dos exames de sangue substitui os já existentes, mas complementam a investigação. O diagnóstico ainda é bastante baseado na avaliação clínica, que também pode ser suficiente.
Para Schultz, os exames de sangue ainda não têm o potencial de bater o martelo. Segundo ele, um beta-amiloide negativo não deveria descartar a inclinação positiva para Alzheimer após avaliação clínica, e vice-versa.
Testes genéticos: Louis Fernando explica que eles são usados no âmbito da pesquisa clínica para selecionar pessoas adequadas e no caso de dúvida diagnóstica. Também podem ser considerados para pessoas com sintomas que fogem da faixa etária padrão de 65 anos.
Tratamento além do remédio
O diagnóstico em tempo, preciso, informado e orientado é importante para prolongar a qualidade de vida da pessoa e amparar família e cuidadores.
"Quando tem diagnóstico de doença grave, precisa pensar em fazer o que quer, aproveitar os momentos, pensar em como quer deixar seus pertences e relações com filhos, pais, trabalho. E, muito importante, em como você quer ser cuidado", diz Schultz.
Para ele, essa atitude, junto com o tratamento não medicamentoso, é ainda mais eficaz do que os remédios. É que o tratamento inclui terapias cognitivas, acompanhamento nutricional, fonoaudiológico e prática de exercícios físicos.
"Todas essas medidas aumentam as conexões cerebrais, as sinapses, como se o cérebro fizesse exercícios e funcionasse de forma mais adequada", explica Aurélio Pimenta Dutra, neurologista do Fleury Medicina e Saúde.
Mas enquanto os medicamentos que retardam a velocidade de progressão dos sintomas estão disponíveis no SUS, as outras terapias são mais difíceis de acessar —ou porque são caras ou não são oferecidas amplamente no serviço público.
O ponto é que o diagnóstico precoce só faz sentido também se o acesso aos tratamentos existir. "Cerca de 50% dos municípios têm terapias integrativas, que não são específicas para pessoas com demência, então você tem um quadro enorme de pessoas que precisam do serviço. Então, é um pouco cruel", comenta Elaine.
Para contribuir com essa demanda, o Instituto Não Me Esqueças mobiliza políticas públicas em nível nacional e, localmente, em Londrina, oferece serviços a quem precisa. Há um espaço com oficinas e atividades cognitivas, grupos de apoio a pacientes e familiares, além de experiências que estimulam a participação social e o vínculo familiar.