O que é esporotricose, doença transmitida por gatos que está descontrolada?

A esporotricose, micose que provoca lesões na pele e é causada pelo fungo Sporothrix brasiliensis, está avançando em alguns estados do Brasil, além de ter casos registrados na Argentina, no Paraguai, no Uruguai e no Chile.

Classificada como zoonose, a doença segue descontrolada, alertou o infectologista Flávio Telles, coordenador do Comitê de Cicotologia da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia) e professor da UFPR (Universidade Federal do Paraná), que falou sobre o assuno no 23º Congresso Brasileiro de Infectologia, sediado em Salvador.

Além do fungo Sporothrix brasiliensis, outro causador da doença é o Sporothrix schenckii, encontrado em plantas, palhas, fragmentos de vegetais e fibras, vitimando agricultores e demais trabalhadores rurais. "Atualmente, no Brasil, 90% [dos casos] é pelo brasiliensis, a transmissão felina. Cachorros e humanos não transmitem, só gatos", reforçou Telles, em entrevista à Folha de S.Paulo.

A doença já vinha chamando a atenção da comunidade científica devido à alta nos casos registrados pelo Brasil. Em 10 anos, houve aumento de 162% na taxa de contaminação no estado do Rio de Janeiro: 579 (2013) para 1.518 (2022), segundo o Sinan (Sistema de Informação de Agravos de Notificação).

Os casos em menores de 15 anos aumentaram de 26 (2013) para 196 (2022), uma alta de 653%. Mas os números já estavam crescendo em outros estados no final de maio, como São Paulo e Minas Gerais.

Entretanto, não é possível saber com exatidão esses números, já que, em nível nacional, a esporotricose não é uma doença de notificação compulsória — ou seja, quando confirmada, o profissional que diagnosticou precisa avisar a Secretaria de Saúde do município, que envia os dados ao Ministério da Saúde —, apenas em alguns municípios e estados que adotaram a obrigatoriedade da notificação, como é o caso do Mato Grosso do Sul.

O que é esporotricose?

A esporotricose é uma doença causada por fungos da família Sporothrix, que são encontrados na natureza, em materiais orgânicos (espinhos, farpas, gravetos, plantas, terra, palha e madeira). Para que haja contaminação, é preciso ter contato com esses materiais e se lesionar, causando a perfuração da pele.

Cães e gatos também podem desenvolver a enfermidade. Só os felinos podem infectar humanos, por meio de arranhões, mordidas ou gotículas de espirro — por isso é considerada uma zoonose. Uma pessoa não transmite para outra.

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Os sintomas podem ser uma ferida que não cicatriza e aumenta de tamanho. Ou uma bolinha vermelha, que na sequência apresenta um pontinho de pus, tipo espinha, e a partir daí se forma uma úlcera que pode alargar de tamanho. Ou gânglios periféricos que seguem o caminho linfático.

Os sinais surgem na área do corpo que teve contato com o material contaminado, por isso é mais comum nas mãos, pés, abdome e rosto.

Pessoas com o sistema imunológico comprometido por doenças autoimunes podem desenvolver formas mais severas — quando a esporotricose alcança partes do corpo como pulmões e ossos.

Atenção com as crianças

Os especialistas alertam que é preciso uma atenção especial ao aumento dos casos em crianças porque elas ficam muito próximas dos gatos, abraçam, dão beijos.

Por isso é muito mais comum terem esporotricose no rosto, olho e nariz. A cicatriz no rosto que a doença pode acarretar tem potencial de atrapalhar a vida social das crianças e trazer grandes impactos na autoestima.

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O aumento dos casos em crianças mostra o descontrole do espalhamento da doença. O tratamento da esporotricose em crianças também é mais delicado, pois as doses das medicações variam com o peso e existem poucas opções no mercado para os pequenos.

Uma das causas, segundo especialistas, do grande número de casos de esporotricose no Rio é a falta de controle adequado dessa zoonose nos felinos.

Como é o tratamento

Não é incomum que o primeiro diagnóstico seja de infecção bacteriana. A confirmação é feita apenas por exame micológico.

O tratamento consiste em medicação antifúngica via oral por no mínimo 3 meses, mas o uso pode se estender por mais de um ano —para obter sucesso, ele não pode ser abandonado.

Embora a esporotricose não seja considerada grave, não cuidar pode comprometer ainda mais o organismo, levando a óbito.

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A melhor maneira de evitar a contaminação em meio à natureza é não ter contato direto com materiais orgânicos onde o fungo pode estar. Ou seja, se vai mexer com gravetos, palhas ou com terra, use luvas, roupas compridas e calçados, por exemplo.

Os gatos não são responsáveis

Gato com esporotricose na orelha
Gato com esporotricose na orelha Imagem: iStock

Embora cães também possam apresentar a doença, ela está mais associada a gatos - e é dos felinos que os humanos podem pegar. Nos felinos, os sintomas mais comuns são feridas profundas na pele, geralmente com pus, que não cicatrizam e espirros frequentes.

Médicos veterinários dizem que esta é uma doença preocupante, principalmente por causa de gatos de rua, ou não, que acabam tendo o fungo. Às vezes, o tutor acha que é só uma ferida de briga quando o gato é semi-domiciliado ou tem acesso livre a rua, e pode passar a mão, mas o alerta é válido porque a esporotricose é uma doença profunda que causa muita dor.

Ainda que sejam transmissores da esporotricose para humanos, os bichos são tão vítimas quanto nós. Para que eles também não sejam contaminados, o melhor é cuidar para que não saiam de casa.

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Uma das principais orientações de veterinários — que podem ser tachados de chatos —, é não beijar gatos de rua, para a segurança da própria pessoa.

Atenção: em hipótese alguma o seu animal de estimação deve ser abandonado ou sacrificado. Assim como em seres humanos, também há cura para eles.

Orientações para os tutores

Todo animal doente com suspeita de esporotricose precisa ser isolado das pessoas e de outros animais. As manifestações clínicas mais observadas no gato são feridas localizadas na face, especialmente no focinho, orelhas e patas, embora possam estar localizadas em qualquer parte do corpo do animal.

Também pode haver áreas de alopecia (sem pelo). O uso de luvas é recomendado no manuseio do animal. Ele deverá ser levado ao veterinário para a confirmação do diagnóstico e tratamento.

Uma vez confirmada a doença, o animal deverá ser separado do convívio das pessoas da residência, principalmente de crianças, e recolhido em um local seguro.

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Seus utensílios, brinquedos e outros objetos precisam ser lavados com água e sabão e desinfetados diariamente. Em caso de morte do animal, ele não deverá ser enterrado ou jogado no lixo, e sim encaminhado ao veterinário para cremação o mais rápido possível.

Os locais onde o animal habitava precisam ser descontaminados, preferencialmente com hipoclorito de sódio.

Fontes: Regina Schechtman, dermatologista e vice-presidente da SBD-RJ (Sociedade Brasileira de Dermatologia - regional Rio de Janeiro); Eduardo Falcão, dermatologista e coordenador do Departamento de Micologia da SBD-RJ; e Ministério da Saúde.

*Com informações de matéria de VivaBem publicada em 26/05/2023

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