'É como se eu estivesse malhando 24 horas sem parar. Músculos não relaxam'
Samantha Cerquetani
Colaboração para VivaBem
22/10/2023 04h00
Em 2019, Cleydijane Lopes, 38, professora de ensino infantil, foi diagnosticada com a síndrome de Isaacs, considerada uma condição rara. Só que ela demorou para ter certeza do que acontecia com seu corpo.
Moradora de Santa Cruz do Capibaribe (PE), ela vive com dores constantes, cãibras e fadiga extrema, o que dificulta bastante o seu dia a dia. Além disso, percebe que a sua saúde está piorando, já que atualmente não recebe o tratamento adequado. A seguir, ela conta a sua história:
"Em 2018, comecei a sentir sintomas estranhos, mas pensei que fosse devido ao estresse emocional que vivia: perdi meu pai e, logo em seguida, sofri uma perda gestacional na 20ª semana. Sentia as panturrilhas muito inchadas e doloridas, sudorese, taquicardia e movimentos leves do corpo já causavam dor.
Eu tinha a síndrome do túnel do carpo, mas procurei um ortopedista em Caruaru, cidade próxima de onde moro, para avaliar meu estado de saúde. Fui encaminhada para um neurologista e recebi o diagnóstico de ELA (esclerose lateral amiotrófica).
Fiquei apavorada, me disseram que ficaria impossibilitada de trabalhar, que a condição não tinha cura e meus músculos iriam parar totalmente.
Busquei outros médicos na capital que discordaram do diagnóstico, pois os sintomas não estavam coincidindo com a ELA. Outro médico chegou a me diagnosticar com depressão e afirmou que os sintomas eram psicológicos.
Eu não tinha plano de saúde e nem condições de arcar com os custos dos exames. Por conta disso, fui encaminhada para o Hospital das Clínicas de Pernambuco. São três horas de viagem da minha casa até lá.
Decidiram me internar para realizar mais exames. Ao todo, foram 23 dias de internação e recebi o diagnóstico de síndrome de Isaacs, que é uma condição autoimune e neuromuscular, que atinge nervos e músculos.
Muitos médicos e residentes ficaram admirados com os sintomas. Fizeram vídeos e imagens para que fossem incluídos em estudos. Tenho até hoje o exame que foi encaminhado para um Centro de Pesquisas de Doenças Raras em Viena (Áustria), onde comprovaram que a minha doença é de origem autoimune e surgiu após o estresse que passei.
Músculos trabalhando o tempo todo sem parar
De forma resumida, sinto como se meu corpo estivesse malhando 24 horas sem parar. Os músculos não relaxam nem por um segundo. Continuam trabalhando quando estou dormindo, mesmo quando estou sedada. Também sinto cãibras constantes nas panturrilhas e pernas.
A medicação alivia um pouco, mas minhas mãos continuam atrofiadas, por exemplo. Não consigo mais fazer as atividades do dia a dia, principalmente as que necessitam dos movimentos das mãos, como pentear o cabelo ou lavar roupa.
Porém, deixar de trabalhar como professora foi o que mais me abalou. Estou afastada das minhas funções desde o ano passado. Não consigo falar por muito tempo, pois sinto dores intensas na mandíbula. Mastigar também é difícil.
A minha fala ficou bastante arrastada. Além disso, não consigo andar muito, fico extremamente cansada. Estou sempre exausta e com fadiga muscular.
Dormir também é difícil, não consigo relaxar. Quando fico sentada por muito tempo, já sinto dores nas costas. Infelizmente, hoje praticamente já não saio de casa.
Vivendo um dia após o outro
A minha doença vem avançando por falta de tratamento adequado. O ideal seria a infusão de imunoglobulina humana que deveria ser mensal, mas é um tratamento caríssimo e até o momento não recebi pelo SUS.
Por um tempo, fiz plasmaférese [tratamento que remove e substitui o plasma sanguíneo do paciente], mas foi eficaz apenas por algum tempo. Também realizei sessões de corticoterapia. Atualmente, tomo cinco medicações diárias via oral.
Desde o diagnóstico, tento viver um dia após o outro. Confesso que tem dias que são mais difíceis por conta das dores excessivas.
Acredito que a vida sempre surpreende a gente e nesse caos que vivia, fiquei grávida novamente. Tive um filho, que nasceu saudável, mesmo com a quantidade excessiva de medicamentos que tomava durante toda a gestação. Também tenho uma filha de 19 anos, que me ajuda bastante nas atividades que exigem esforços físicos.
Apesar de tudo não perco a minha fé e nem questiono a razão disso tudo acontecer comigo. Gostaria de conhecer mais pessoas com a síndrome de Isaacs, para trocar experiências, pois pouco se fala da doença."
O que é a síndrome de Isaacs
A síndrome de Isaacs foi descrita pela primeira vez em 1961, após Haim Isaacs avaliar casos de pessoas com atividade muscular contínua, fraqueza e rigidez muscular progressiva.
É um tipo de doença neuromuscular que se caracteriza pela presença de contrações musculares involuntárias, perda da velocidade de relaxamento muscular, além de tremores, espasmos e rigidez muscular progressiva.
Em alguns casos, afeta o sistema nervoso, provocando sudorese e taquicardia.
Geralmente, a causa é autoimune, ou seja, o sistema imunológico ataca células normais como se fossem organismos estranhos.
Nesse caso, há excesso de estimulação dos nervos periféricos, causando contração muscular involuntária e persistente com dificuldade de relaxamento muscular.
É considerada uma doença bastante rara: não há dados consistentes sobre a incidência no Brasil. Estima-se uma prevalência mundial menor que 1 para 1 milhão. Até hoje, foram descritos aproximadamente 150 casos no mundo todo.
O tratamento é feito com o uso de medicações, como anticonvulsivantes e imunossupressores, incluindo imunoglobulina humana endovenosa.
Pessoas com a síndrome têm um impacto significativo na qualidade de vida, pois sentem dificuldade de movimentação, rigidez progressiva, além de tremores e espasmos imprevisíveis.
Fonte: Edson Issamu, neurologista na Rede de Hospitais São Camilo de São Paulo.