Bariátrica reduz riscos relacionados à obesidade em futura gestação
Ingrid Vieira, 27, e o marido Wesley Beserra, 27, tentaram engravidar por um ano sem sucesso, o que por definição já seria considerado um caso de infertilidade. Um dos motivos mais relevantes indicados pelo médico para a dificuldade era o peso dela: 115 kg na época.
"O médico falou uma vez que eu não iria conseguir engravidar nunca", conta. Com o sonho da maternidade, ela perdeu seis quilos, e uma nova tentativa vingou, mas a gestação foi "péssima".
Ingrid sentia falta de ar, a pressão arterial ficava sempre alta e ela desmaiava com frequência. E tudo era atribuído ao peso ainda em excesso.
De fato, sobrepeso e obesidade estão relacionados ao aumento de alguns riscos para gestante e bebê, como:
- Pré-eclâmpsia (aumento da pressão arterial);
- Diabetes gestacional;
- Complicações no parto;
- Parto prematuro;
- Malformação congênita;
- Bebês grandes para a idade gestacional;
- Perda fetal.
Em 2016, Ingrid deu à luz Ana Clara em parto cesárea. Mas a gravidez a fez engordar novamente, e a saúde ficou comprometida.
"Eu estava pré-diabética, com pressão alta e gordura no fígado", conta. Foi então que ela chegou à decisão de fazer uma cirurgia bariátrica em 2018.
Ingrid conta que havia engordado muito e, com o procedimento, perdeu 60 kg. Hoje, já com o corpo equilibrado, pesa 70 kg. Ao recuperar a saúde, o casal decidiu aumentar a família e, desta vez, foi rápido.
"Na época, eu usava DIU, tirei para engravidar e foi em 15 dias", ela recorda. No ano passado, nasceu João Miguel. "Sempre quis ter dois filhos e sempre achei que seria impossível."
A segunda gestação de Ingrid também foi conturbada, com enjoos frequentes e internações. Parte do problema foi atribuída à abdominoplastia realizada dois anos antes de engravidar. O parto normal foi considerado, mas com 7 cm de dilatação, o menino entrou em sofrimento fetal, o que levou à cesárea.
Depois da primeira gravidez, ela se formou para ser doula e ajudar gestantes nesse processo. "Com relação ao peso, eu acho que vale a pena emagrecer para ter uma gravidez mais tranquila", diz. "Ter saúde, hábitos alimentares melhores, é melhor para você e para o bebê."
Bariátrica e gestação
Filhos de pessoas com obesidade têm maior propensão a desenvolver doenças metabólicas, como a própria obesidade e diabetes. Isso ocorre mesmo na adolescência e na vida adulta. Assim, a perda de peso implica numa melhora metabólica geral e redução de riscos para os descendentes.
No caso da cirurgia bariátrica, um estudo comparou a prevalência de obesidade em crianças que nasceram antes e depois do procedimento.
A prevalência de crianças com peso considerado normal saiu de 36% para 57% após a intervenção.
Enquanto isso, sobrepeso e obesidade diminuíram de 60% para 35%, atingindo a prevalência da população em geral.
Depois da cirurgia, a prevalência de obesidade reduziu 52% e a de obesidade severa, 45%.
Ao comparar 34 primogênitos nascidos antes da cirurgia com 79 primogênitos nascidos depois, a prevalência de obesidade caiu de 41% para 18%.
Os benefícios também se estendem aos jovens de 11 a 18 anos analisados: 56% dos nascidos antes da cirurgia tinham sobrepeso e obesidade comparados a 42% dos que nasceram depois.
Outro estudo que comparou irmãos nascidos antes e depois da bariátrica, como no caso de Ingrid, apontou que a perda de peso estava associada a alterações que melhoraram problemas com insulina, diabetes tipo 2 e sinalização de leptina, hormônio que sinaliza saciedade.
Nathan Rostey, cirurgião bariátrico do Centro de Diabetes e Obesidade do Hospital e Maternidade Santa Joana, explica que os hormônios sexuais femininos progesterona e estrogênio dependem do tecido gorduroso. Mas, em excesso, a gordura prejudica a formação deles.
"A perda de peso que vem com a cirurgia provoca regulação nesse metabolismo e facilita para o corpo feminino a organização dessa liberação hormonal, aumentando a fertilidade e melhorando o trabalho desses hormônios no corpo da mulher", afirma.
Quando engravidar após a bariátrica
"Para ter o melhor dos cenários, precisa fazer a cirurgia bem preparada e não engravidar, pelo menos, no primeiro ano. O ideal são dois anos, porque aí já tem o equilíbrio metabólico restaurado", indica Cristina Façanha, coordenadora do Ambulatório de Diabetes e Gravidez no Centro Integrado de Diabetes e Hipertensão, em Fortaleza (CE).
Rostey acrescenta que os cuidados após a operação são especialmente relacionados ao controle de vitaminas e dieta. "Não é gestação de alto risco, mas a paciente tem de ter atenção maior e talvez frequentar mais vezes o ginecologista, quem a operou e a equipe multidisciplinar", diz.
Obesidade de geração em geração
Em artigo publicado na Nature Reviews Endocrinology, o fisiologista José Donato Junior, do ICB-USP (Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo), compilou informações sobre as consequências de problemas metabólicos da mãe nos descendentes.
Sobre o volume de gordura corporal, as implicações negativas podem ocorrer tanto no excesso quanto na falta —como no caso de mulheres com déficit nutricional. E as consequências podem surgir já na vida intrauterina ou após o nascimento.
Ele explica que isso ocorre pela ação de alguns hormônios produzidos pelo tecido adiposo (de gordura): a leptina e a adipocina, que são importantes para a regulação do metabolismo. Quanto mais gordura no corpo, mais desses hormônios haverá.
Em gestantes, o excesso de leptina faz o feto querer se defender dele, criando resistência à sua ação e o bloqueando.
"Mas esse hormônio é importante para o desenvolvimento de alguns órgãos metabolicamente relevantes, como áreas do cérebro que controlam a fome e outras que gastam a energia", diz Donato Junior.
São alterações sutis que, na adolescência ou na fase adulta, vão aumentar o risco de doenças metabólicas, como obesidade e diabetes.
E aqui entra o conceito de programação metabólica, em que o ambiente ao qual o bebê é exposto durante ou após a gestação influencia o desenvolvimento de doenças. O fenômeno ajuda a entender o ciclo vicioso da obesidade, aponta o pesquisador.
No oposto disso, a redução saudável de peso resulta em melhores condições metabólicas e menor risco de doenças. "Isso corrobora a ideia de que o principal fator é a obesidade e o diabetes da mãe, não o fato de ter feito cirurgia bariátrica", diz Donato Junior.
Peso do homem também influencia
É mais fácil entender que a saúde da pessoa gestante interfere na saúde do feto, afinal há o ambiente gestacional. Mas quem contribui com o espermatozoide tem seu papel, para o bem ou para o mal.
Nesse caso, entram em cena as mudanças epigenéticas. Não se trata de alterar o DNA, mas de mudar como os genes são lidos pelo organismo. Essas alterações ocorrem por diversos fatores e podem ser transmitidas para os descendentes pelos gametas.
"No homem, a obesidade diminui o ciclo hormonal, a pulsatilidade da testosterona e tem diminuição da produção de espermatozoides", diz Façanha.