Ele bateu o rosto, ficou com a bochecha dormente e descobriu câncer raro
Flavio Ventura, de 50 anos, descobriu um câncer no início deste ano e vem, desde então, enfrentando uma saga para se tratar.
Tudo começou quando o agente de viagens bateu o rosto na porta do carro, em janeiro, e passou um mês com a região dolorida. Ele atribuiu a situação à pancada —mas, então, surgiu uma dormência persistente na bochecha.
"Ele pensou que era um AVC e decidi levá-lo ao pronto-socorro. Fez uma tomografia e o médico contou que tinha um caroço", lembra Ana, mulher de Flavio. Uma biópsia indicou que era benigno, mas a médica desconfiou disso pelo ritmo do crescimento do tumor.
Outras três biópsias foram feitas —e, em todas, o resultado foi inconclusivo, diz a esposa.
"Descobriram que, na verdade, era maligno, mas não que tipo de tumor era", afirma Ana. O caso de Flavio foi encaminhado para a avaliação de especialistas da USP, que ajudaram no diagnóstico dois meses depois: a conclusão é de que ele tem um sarcoma alveolar, raro e agressivo, que domina parte do seu rosto.
'O tumor cresceu mais e ficou inoperável'
Uma cirurgia de retirada do tumor foi marcada para o fim de maio, mas, antes da operação, Flavio teve hemorragias e chegou a ir para a UTI algumas vezes.
"Dias antes, uma oncologista falou que essa cirurgia era muito agressiva e ia trazer muito efeito colateral para ele, porque a região que ia mexer era muito grande, já que cresceu absurdamente ao longo do tempo", explica Ana.
A oncologista explicou que teria de retirar pele do peito de Flavio para fazer um enxerto no rosto, mas que o tamanho da região afetada aumentava a chance de rejeição, segundo a esposa.
Foi então que o casal resolveu cancelar a cirurgia e tentar a chamada "terapia-alvo". No novo tratamento, a ideia era diminuir o tumor de Flavio antes de operá-lo, "sem tanta agressividade".
Começou aí mais uma batalha: conseguir o remédio indicado.
"O convênio não autorizou a compra e eu precisava de duas caixas. Cada uma custa R$ 7 mil e pouco. Comprei por conta própria e ele começou a tomar. Só que não teve redução, o tumor cresceu mais e ficou inoperável."
A família, então, buscou o IBCC (Instituto Brasileiro de Controle do Câncer), referência em São Paulo. Flavio começou a fazer radioterapia, mas parou de comer no meio do tratamento e perdeu muito peso —momento em que um dos médicos decidiu interná-lo, para acompanhar o caso de perto.
"Mas o plano não autorizou, falou que nossa cobertura não incluía internação de emergência no IBCC."
'Meu marido passou 50 dias sem levantar da cama'
De volta ao hospital Salvalus, onde havia iniciado o tratamento, Flavio enfrentou nova internação na UTI. Segundo Ana, que conseguiu uma liberação para acompanhar o marido durante as hospitalizações, o cuidado não era adequado. A empresa responsável nega problemas.
Cheguei a encontrá-lo com o curativo sujo, morrendo de dor. Tanto na UTI, como no quarto.
O último tratamento feito por Flávio foi a imunoterapia, mas o protocolo teve de ser interrompido. Agora, ele aguarda internado em outro hospital, para tentar novo tratamento contra o câncer agressivo.
'Depende muito de mim'
A família narra a angústia com a situação. "Ele nunca teve nenhum tipo de problema de saúde. Era muito ativo. Hoje ele depende muito de mim. No hospital, meu marido passou 50 dias sem levantar da cama, tomava bolsa de sangue quase toda semana."
Além disso, o casal teve gastos inesperados. Ela e o marido, que são donos de uma agência de viagens, fecharam a sala comercial em que trabalhavam e seguem com o negócio —em que também trabalham as duas filhas e quatro funcionários— apenas em casa.
Procurada, a NotreDame Intermédica —que é responsável pelo hospital Salvalus— informou que o paciente "recebeu todos os cuidados necessários para o seu quadro de saúde e contou com o atendimento de uma equipe multidisciplinar".
Disse, ainda, que uma auditoria interna não apontou irregularidades nos procedimentos de cuidados e que "toda a assistência necessária ao paciente tem sido disponibilizada pela empresa, bem como a liberação da medicação e rede própria para seu atendimento". (Leia nota na íntegra abaixo).
Tumor é raro e de difícil diagnóstico
O sarcoma alveolar é um sarcoma raro e mais frequente nas extremidades do corpo, segundo a médica Veridiana Pires de Camargo, do Comitê de Sarcomas da SBOC (Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica).
Os nódulos causados pela doença são indolores, o que prejudica o diagnóstico precoce do problema, que atinge principalmente jovens.
É necessário um patologista experiente. Os pacientes costumam ter uma alteração cromossômica específica, então muitas vezes a gente precisa de bastante material e um patologista experiente para justamente fazer o diagnóstico dessa alteração, que é feita por um teste difícil.
Veridiana Pires de Camargo
Risco de metástase é alto. "É um tumor que com muita frequência dá metástase para outros órgãos, até porque ele avança lentamente", explica.
A região da cabeça e do pescoço é raramente atingida pelo sarcoma, o que torna o caso de Flavio ainda mais atípico.
O tratamento mais comum para o câncer é o cirúrgico, mas se o tumor tiver mais de 5 cm a radioterapia também pode ser utilizada.
Quando o tumor evolui para metástase, a terapia é para administrar os sintomas. São usados medicamentos para inibir o crescimento do câncer —e imunoterapia, uma alternativa mais recente.
Um paciente com doença avançada pode viver mais 5, 10 anos, porque é um tumor que costuma evoluir lentamente e os tratamentos atuais são eficazes contra esse grupo específico de sarcoma de partes moles.
Veridiana Pires de Camargo
O que diz a NotreDame
"O compromisso da companhia é sempre prestar a melhor assistência aos seus clientes. Durante toda a sua estadia na unidade, o paciente recebeu todos os cuidados necessários para o seu quadro de saúde e contou com o atendimento de uma equipe multidisciplinar. A empresa ressalta que foi feita uma auditoria interna para apurar o caso e a mesma não apontou irregularidades nos procedimentos de cuidado. Quanto ao prontuário médico, foi feito contato com o paciente para explicar todo o processo de retirada do documento, que se encontra disponível para ele e seus familiares. Toda a assistência necessária ao paciente tem sido disponibilizada pela empresa, bem como a liberação da medicação e rede própria para seu atendimento. Desta forma, a companhia segue à disposição do paciente e da família para quaisquer dúvidas."
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