'Ao ter trombose, me isolei e não queria que me olhassem com cara de dó'
Bárbara Therrie
Colaboração para VivaBem
12/11/2023 04h03
Thalita Mara tinha apenas 23 anos e estava no último período da faculdade de psicologia quando teve uma trombose na perna esquerda. Durante seis meses, ela negou a doença e tinha dificuldade de usar as meias compressivas como parte do tratamento.
Ficava irritada, sentia desconforto e calor. Minha autoestima foi abalada, não queria que me olhassem com dó e pensava se algum homem se interessaria por uma jovem com meias de 'vovozinha'.
A empresária, hoje com 35 anos, entendeu a gravidade da trombose, ressignificou sua história, passou a ajudar outras pessoas na mesma condição e lançou uma marca de meias compressivas coloridas e estampadas. A seguir, leia o depoimento dela:
"Duas semanas antes da trombose tinha sentido falta de ar e algumas dores torácicas, mas nada que indicasse algo grave. Um dia acordei com a perna esquerda quente, roxa e muito inchada. Fiquei desnorteada e pedi ajuda de um vizinho para me levar ao PS. Chegando lá, fui diagnosticada com trombose na femoral [região da coxa].
No início não entendi a gravidade da doença, perguntei aos médicos quando eles iam me dar alta porque tinha uma festa para tirar a foto da formatura. Eles me explicaram que meu caso era grave e havia o risco de eu ter uma embolia pulmonar.
Depois de uma semana internada, fui para casa com a recomendação diária de tomar anticoagulante e usar meias compressivas que chegavam até a cintura para evitar um novo episódio de trombose. Tomava o remédio, mas só usava as meias esporadicamente, quando sabia que ia passar muito tempo em pé, por exemplo.
Não gostava de colocar as meias, como são de alta compressão, elas me apertavam e eram desconfortáveis. Sentia calor, ficava irritada, triste, chorava, era um transtorno ficar descendo e subindo toda vez que usava o banheiro. Tinha vergonha, parei de usar shorts, saia, vestido e biquíni.
Existe um estigma de que trombose e meias compressivas são coisa de gente velha. As pessoas perguntavam: 'Você é tão nova, por que está usando essas meias?'. Esses comentários me perturbavam e nem sempre eu estava com disposição para explicar. Me isolei e não queria que me olhassem com cara de dó e preconceito.
Também tive dificuldades para me relacionar, pensava se algum homem se interessaria por uma jovem com meias de 'vovozinha'. Usar a meia me trazia a lembrança de que eu estava doente, não aceitava e me questionava por que isso estava acontecendo comigo.
Desenvolvi um quadro depressivo, tinha pensamentos intrusivos e tive TEPT (transtorno de estresse pós-traumático). Se por algum motivo eu ficasse com falta de ar já imaginava que poderia ser uma embolia pulmonar.
À noite, acordava ansiosa apalpando meu corpo para ver se tinha tido uma nova trombose. Busquei o apoio da família, psicológico e psiquiátrico para lidar com a situação.
Passei a aceitar melhor a condição ao pesquisar sobre trombose e ver como ela pode ser perigosa. Já sabia que o uso do anticoncepcional tinha sido um gatilho para eu desenvolver a doença, mas ao fazer alguns exames específicos, descobri que tenho algumas alterações genéticas, como trombofilia e síndrome de Cockett, que são fatores de risco para trombose.
Criei marca com meias compressivas coloridas e estampadas
Aderi ao tratamento por completo quando descobri que poderia usar as meias compressivas ¾ (que ficam abaixo do joelho), mas o fato de a maioria dos modelos ser branca, preta e bege me incomodava, achava feio. Procurei algumas opções diferentes na internet, mas não achei nada pronto que atendesse ao meu gosto e às minhas necessidades.
Entrei em contato com várias fabricantes de meias compressivas até achar um fornecedor. A meu pedido, ele confeccionou meias coloridas e estampadas. Inicialmente, comprei para uso pessoal, mas depois de um tempo comecei a divulgar no meu Instagram.
As pessoas se interessaram, resolvi empreender e criei a marca e loja online Meias Mara Oficial (@meiasmaraoficial), que comercializa meias compressivas, esportivas e com uma tecnologia que absorve o calor do corpo e promove benefícios como a melhora da microcirculação sanguínea. Todas as meias têm preço único de R$ 154.
Uso a meia em todas as situações, para ficar em casa, trabalhar, ir à academia, até para a balada e pagode já fui de meia compressiva. As pessoas me acham estilosa, nem imaginam que já tive a doença. Me sinto bem e não tenho mais vergonha.
Faz 12 anos que tive a trombose e faço a minha parte para evitar um novo episódio, uso as meias, o anticoagulante, pratico atividade física regularmente, sigo uma alimentação regrada e já coloquei três stents [pequeno tubo expansível colocado dentro de uma artéria].
Ressignifiquei a minha história e hoje ajudo outras pessoas oferecendo informação, apoio e acolhimento nas redes sociais. Falar e conscientizar sobre a doença virou o meu propósito de vida."
Saiba mais sobre a trombose
O que é. A TVP (trombose venosa profunda) ocorre quando há a formação de coágulos de sangue nas paredes internas das veias, trombos que impedem o fluxo sanguíneo natural do sistema cardiovascular.
Qualquer veia do corpo pode ser afetada, mas as mais acometidas são as veias dos membros inferiores, a femoral nas pernas e veia ilíaca na pelve e abdome.
Fatores de risco. Pessoas com histórico familiar da doença, com sobrepeso ou obesidade, fumantes, profissionais que passam períodos prolongados sentados ou em pé, pacientes oncológicos, mulheres, principalmente as que fazem uso de anticoncepcional oral por longo período ou gestantes.
Sintomas. Alguns sinais podem indicar o risco de desenvolver trombose. Na fase inicial pode ocorrer dor, vermelhidão e inchaço nas pernas. O sintoma é unilateral, mais frequentemente na perna esquerda. Pode haver dificuldade de caminhar. Na fase mais tardia, pode provocar dor crônica, desconforto, inchaços e nos casos mais graves úlcera varicosa.
No entanto, a trombose também pode ser assintomática ou oligossintomática (sintomas leves), condição frequente entre 40% e 50% dos casos.
Diagnóstico. Depende da história do indivíduo no qual seus fatores de risco são evidenciados e dos resultados de exames. Primeiramente, é realizada uma análise clínica.
O exame mais usado é a ultrassonografia com doppler vascular, que avalia o estado das veias dos membros inferiores, podendo identificar eventuais coágulos.
Outro exame utilizado é a dosagem sanguínea do dímero D, um teste de triagem que, se negativo, praticamente exclui a hipótese de tromboembolismo, mas, se positivo, sugere a presença de um trombo ou embolia no organismo, sendo necessária confirmação por outros exames radiológicos.
Tratamentos. Um deles consiste no uso de meias compressivas e de anticoagulantes que evitam a solidificação do sangue e de trombolíticos que auxiliam na dissolução dos trombos.
Em casos graves em que o paciente possui trombos mais extensos e volumosos e não responde ao tratamento medicamentoso, a implantação de stents, que é feita sem cortes e por meio de cateteres, pode ser indicada.
Atualmente, existem os stents venosos, que diferentemente dos stents de uso arterial, possuem maior diâmetro, considerando o calibre das veias, são mais longos para serem implantados nas veias de membros inferiores, mais precisos e apresentam maior força radial.
Perigo. A trombose pode ser perigosa e gerar úlceras nas pernas de difícil cicatrização e problemas de mobilidade, interferindo diretamente na qualidade de vida e bem-estar do paciente. Se não tratada e acompanhada por um médico regularmente, pode matar.
Isso acontece quando o coágulo se desprende e se movimenta na corrente sanguínea, em um processo chamado de embolia, que pode levar a lesões graves na região, e provocar sobrecarga do coração e arritmias, é o caso da embolia pulmonar.
Fonte: Fabio Rossi, presidente da SBACV-SP (Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular de São Paulo), coordenador de cirurgia vascular e endovascular no Instituto Dante Pazzanese e presidente do Instituto de Excelência em Doenças Venosas, ambos em São Paulo.