Ela fazia triatlo e um dia acordou sem enxergar: era doença rara
Samantha Cerquetani
Colaboração para VivaBem
19/11/2023 04h04
Até 2022, Evelyn Figueiredo, 29, levava uma vida bastante ativa e era atleta amadora de triatlo. Um dia acordou sem enxergar. Pouco tempo depois, o quadro evoluiu para uma visão dupla e surgiram dores de cabeça persistentes, perda de movimentos e equilíbrio.
Ao procurar ajuda médica em hospitais de Brasília, onde mora, a neuropsicopedagoga recebeu o diagnóstico de síndrome de Arnold-Chiari, uma condição rara que ocorre devido a uma malformação que atinge o sistema nervoso central. A seguir, ela detalha sua história:
"Sempre fui ativa e ia para o trabalho de bicicleta. No final do Carnaval de 2022, acordei e não conseguia enxergar. Cocei os olhos e a visão foi ficando turva e dupla.
Achei que a cegueira seria temporária e provocada por uma enxaqueca com aura. Procurei alguns hospitais, mas fui dispensada logo após o relato dos sintomas.
Em um deles, a médica pediu uma tomografia, mas para a minha surpresa não tinha neurologista para avaliar o meu caso. Fui para a casa e na outra semana passei por um especialista. Neste momento, já recebi o diagnóstico da síndrome de Arnold-Chiari.
Não entendi nada do que estava acontecendo, só sabia que a situação era grave.
Fiquei com receio de desmaiar na rua ou dirigindo. Meus sintomas pioraram. Comecei a ter muita dor de cabeça, com sensação de pressão craniana, tontura e vômitos. Procurei o Hospital de Base do Distrito Federal e me disseram que a condição não tinha cura, apenas tratamento para os sintomas.
A cirurgia não era uma opção por ser muito arriscada. Para se ter uma ideia, seria necessário retirar uma parte do meu cérebro. Ela só ocorreria se houvesse o risco de morrer.
Crises e sintomas persistentes
Comecei a perder o equilíbrio e usei muletas por mais de seis meses. Não tinha forças nas pernas, não conseguia andar e enxergava tudo embaçado. Perdi a noção de espaço.
Hoje sinto muita dor de cabeça, não consigo mais correr. A pressão na cabeça é constante e preciso tomar cuidado com os movimentos que realizo. Também tenho dificuldade para engolir.
Quando estava internada, perguntava aos médicos se a minha visão, movimentos e equilíbrio voltariam, e eles me diziam que a doença só pioraria. Sempre tentei levar com bom humor e perseverança para não desanimar.
Após dois meses, comecei a fazer exercícios em casa, adaptei minha bicicleta e aos poucos meus movimentos foram voltando. Minha visão se normalizou.
Ainda não tenho o equilíbrio completo, sinto muita pressão na cabeça, tonturas terríveis, minha capacidade de dirigir foi afetada, tenho formigamento nas mãos e pernas. Por conta da síndrome, tive que abandonar o triatlo e nas crises não consigo sair da cama.
Mudanças na rotina e tratamento contínuo
Tive que mudar minha rotina, já que não ando mais sozinha e tenho medo de dirigir. Atrapalhou muito o meu trabalho, pois perco muito a concentração.
Os sintomas aparecem do nada, e em segundos há uma piora repentina. Já aconteceu de estar com os amigos em um churrasco e depois ir para casa me sentindo muito mal ou correr para o pronto-socorro.
Por não 'parecer doente', acredito que as pessoas não entendem muito bem o que está acontecendo comigo. E, muitas vezes, me sinto julgada por amigos, familiares e conhecidos.
Atualmente, meu tratamento visa controlar os sintomas. Tomo medicamentos para diminuir a pressão do crânio, por exemplo, e os efeitos colaterais são bem fortes. Não sei se farei a cirurgia ou como ficará meu estado de saúde no futuro.
Penso que é importante lembrar que o diagnóstico não é o destino, mas o ponto de partida para ter um tratamento adequado.
É comum que até mesmo os médicos desconheçam as doenças raras. É fundamental buscar apoio em pessoas que passam pela mesma situação. É uma dor que só quem tem sabe.
O meu objetivo é ficar bem hoje. Busco sempre fazer atividade física, sigo o tratamento paliativo e não deixo a saúde mental de lado para não me abater pela tristeza e pelo desânimo."
Entenda a síndrome Arnold-Chiari
Trata-se de uma condição rara que ocorre após uma malformação da junção do crânio com a coluna vertebral, afetando a parte posterior da cabeça.
Nessa região estão localizados o cerebelo (porção do cérebro que controla o equilíbrio) e o tronco cerebral, que são comprimidos e pressionados para baixo.
Portanto, é comum que o indivíduo com a síndrome Arnold-Chiari apresente dificuldade de equilíbrio, perda de coordenação, problemas visuais e dores de cabeça intensas.
No entanto, a gravidade dos sintomas varia de acordo com o grau da condição:
- Pessoas com os tipos 3 ou 4 apresentam sinais mais graves e podem não desenvolver o cerebelo, tornando-se uma situação incompatível com a vida.
"É difícil avaliar a prevalência porque muitos casos são assintomáticos, principalmente o tipo 1, que é o mais comum. Muitas vezes, são descobertos em exames de ressonância em pacientes que estão em investigação para outras doenças, como enxaqueca", destaca Christiane Cobas, neurologista infantil do Hospital Sírio-Libanês (SP).
Os principais sintomas são:
- Visão turva ou dupla, além de sensibilidade à luz;
- Dificuldade de coordenação motora;
- Vertigens;
- Dores de cabeça e no pescoço;
- Dificuldade na deglutição acompanhada de náuseas;
- Fraqueza muscular
"A partir do tipo 2, geralmente, esses pacientes têm dificuldade motora nos membros inferiores (paralisia, incontinência urinária e fecal). A maioria necessita de cadeira de rodas. Também podem ter hidrocefalia associada. Nos tipos 3 e 4, o quadro é bem mais grave com comprometimento motor e deficiência intelectual", complementa a especialista.
O tratamento varia de acordo com a gravidade da síndrome e os sintomas associados. Geralmente, a pessoa recebe acompanhamento regular e usa medicamentos para controlar desconfortos.
Recomenda-se evitar esportes de contato, pelo risco de piorar a pressão craniana e a compressão do tronco cerebral.
Nos tipos 2 a 4, o tratamento é cirúrgico. Nesses casos, o objetivo é reduzir a pressão intracraniana e pode ser preciso remover uma parte do crânio. Portanto, é indicada apenas em situações mais graves, que colocam a vida da pessoa em risco.