'Meu corpo morre um pouco a cada dia, mas a consciência vai ficar intacta'
Victoria Borges
Colaboração para VivaBem, em São Paulo
22/11/2023 04h00Atualizada em 22/11/2023 16h21
Tatiane Costa, 25, percebeu que suas mãos estavam cada vez mais fracas e decidiu procurar um neurologista. Aos 22 anos, foi diagnosticada com esclerose lateral amiotrófica (ELA), doença neurodegenerativa sem cura que causa perda de força, dos movimentos e da capacidade de comer e falar.
Hoje, a jovem de Planaltina (GO) usa as redes sociais para compartilhar detalhes da sua rotina e ajudar outros pacientes. "Sei que meu corpo morre um pouquinho a cada dia, mas minha consciência vai ficar intacta." A VivaBem, ela conta sua história:
'Primeiro sintoma aos 18'
"Tinha dois empregos e estava prestes a entrar na faculdade de biomedicina quando descobri que tinha ELA, em 2020, uma semana antes de tudo fechar por causa da covid-19. Perdi meu emprego, a faculdade fechou e me vi desnorteada.
Meu primeiro sintoma foi aos 18 anos. Um dia, me arrumando para uma festa, fui passar desodorante aerossol e não consegui porque não tinha força no dedo indicador para apertar a válvula, mas achei que não era nada e continuei a vida.
Tempos depois, viajei a um lugar com muitas trilhas. Já havia ido lá antes e sempre consegui fazer as trilhas normalmente, mas dessa vez não conseguia andar direito: me sentia muito cansada, caí o percurso inteiro e me perguntava o tempo todo o que estava acontecendo comigo, foi horrível.
Outro dia, um amigo comentou que minha mão estava feia. Ela estava muito magra e meus dedos, principalmente o indicador, atrofiados, mas no dia a dia eu nem reparava.
Então, minha mãe marcou um clínico, que me diagnosticou com depressão e ansiedade, mas eu sentia dentro de mim que não era isso e marquei um neurologista.
Na consulta, a primeira coisa que ele perguntou foi se eu tinha ELA. Não conhecia a doença, mas pesquisei em casa e cheguei à palavra "esclerose" pela primeira vez.
Os resultados dos exame chegaram, 11 meses depois, e o neurologista confirmou. Como já tinha estudado tudo, estava preparada para o pior e nem chorei. Nesse dia, começou minha nova vida.
Caso extremamente raro
Meu caso foi considerado extremamente raro por causa da minha idade: a ELA costuma aparecer após os 50 anos.
No início, queria esconder a doença, mas o remédio que precisava tomar custava R$ 2 mil, então tive de fazer uma vaquinha no Instagram. A cidade passou a me conhecer e meu caso saiu até na TV local. Ganhei vários remédios na época, mas decidi parar de tomá-los porque, para mim, os benefícios não compensavam os efeitos colaterais.
Hoje, tomo apenas uma medicação para dor muscular e optei por seguir com tratamentos paliativos —fisioterapia, fonoaudiologia, terapia ocupacional, psicólogo e nutricionista. Minha família não apoia, mas minha neurologista disse para fazer o que achar melhor. E é isso o que quero: um tratamento funcional.
Hoje sou social media e faço divulgações nas redes sociais. Apesar de não ser acamada, passo mais tempo em casa. Ainda tenho todas as funções motoras, só sinto fraqueza e minha mão é atrofiada.
Sei o que pode acontecer com meu corpo, mas trabalho para ter um futuro melhor, já pensando nisso. Como eu sei que um dia posso perder todos os meus movimentos, faço cursos para continuar a trabalhar e ganhar meu dinheiro quando isso acontecer.
Sei que meu corpo morre um pouquinho a cada dia, mas minha consciência vai ficar intacta, então vou trabalhar para gastar tempo fazendo algo útil.
Ajudar e ser ajudada
Passei a usar o Instagram para falar sobre a ELA quando outros pacientes me procuraram. Sentia que poderia ajudá-los ao mesmo tempo em que era ajudada.
Aparecer falando foi difícil e até pensei em parar, mas tinha tanta gente me procurando que não poderia deixá-las sem resposta. Hoje, quero que conversem comigo para saber minha visão, meus sentimentos. Todas as pessoas que conheci desde que fui diagnosticada já se foram.
Tento dar atenção a todo mundo que me manda mensagem e busco viver minha vida normalmente.
Sei dos meus limites, mas quero fazer o que sei que dou conta, o que gosto e o que me sinto bem. Amo fazer o cabelo, unha, cílios e me arrumar. Se estou feliz e arrumada, o resto é resto.
Uma coisa que achava muito clichê, mas hoje sei que não é: a vida é agora. Vivo o hoje e não faço planos a longo prazo.
Ainda sou muito nova, mas sinto que sou outra pessoa, mais madura, pé no chão e responsável. Tenho outros princípios, outra forma de ver o mundo: penso muito mais com o coração."
Entenda a doença
A ELA é uma doença rara, principalmente em pessoas tão jovens. Afeta, em média, de 2 a 5 pessoas a cada 100 mil habitantes, dependendo do país, e acomete, principalmente, pessoas acima de 45 a 50 anos. É mais comum em homens.
Há poucas certezas sobre a causa da doença, mas há um fator genético (o que não significa que seja hereditária): ocorre por um mecanismo específico do DNA que gera a tendência a desenvolver a ELA.
Na prática, ocorre o desgaste e morte de neurônios acometidos, que deixam de mandar mensagens aos músculos. É uma doença de evolução rápida.
Sintomas incluem fraqueza muscular que piora dia após dia. Pode começar em uma perna e braço e depois avança para outros membros. Pode chegar ao rosto (o paciente não consegue mexer boca, pálpebra e testa). A ELA costuma poupar o movimento dos olhos.
A doença, em geral, não acomete a parte cognitiva, ou seja, raciocínio lógico, capacidade de resolução de problemas e orientação podem ficar preservados mesmo com o avanço da doença. Estudos recentes, no entanto, apontam ligação entre ELA e demência frontotemporal.
Ainda não há cura. O paciente deve passar por fisioterapia e fonoaudiologia, para manter preservado o máximo possível de força muscular e de força da garganta. Também é importante auxílio psicológico.
Não há como prevenir a ELA. O diagnóstico rápido é a melhor forma de evitar a progressão acelerada.
Fonte: Thiago Taya, neurologista e neuroimunologista do Hospital Brasília (Rede Dasa), professor de neurologia da Universidade Católica de Brasília.