Jovem com 'a pior dor do mundo' é vigiado 24 horas por dia: 'Tortura'

O goiano Rafael Regis, 28, convive há oito anos com uma dor que o tornou dependente da família e é chamada por alguns médicos de "a pior dor do mundo", segundo parentes. Agora, ele aposta em uma cirurgia nos EUA para voltar a viver bem.

A origem do problema é quase invisível: tem relação com minúsculos nervos na cabeça.

Rafael tem dois tipos de neuralgia —uma dor "de tortura" causada por nervos danificados ou irritados— a do nervo intermédio (atrás do ouvido) e a do plexo timpânico (no ouvido).

A parentes, ele diz que sente pressão, queimação e choque —tudo ao mesmo tempo. "Ele fala que é como se levasse murros com ferro quente", diz a irmã, Bárbara Jasmin, de 28 anos. Por causa das dores, Rafael não conseguiu conceder entrevista.

"Você olha para a pessoa e parece que ela não tem nada, porque está tudo dentro da cabeça, mas é uma dor de tortura, que faz as pessoas tirarem a própria vida", diz Luana Diniz, de 28 anos, companheira de Rafael.

Ele é vigiado 24 horas por dia pelos amigos e familiares porque, ao contrário de outros pacientes com neuralgia que têm ataques esporádicos, Rafael sofre com os sintomas o tempo todo.

"Está vivo por um esforço sobre-humano dele e de uma família que está em cima o tempo todo."

Problemas de Rafael começaram com zumbido no ouvido
Problemas de Rafael começaram com zumbido no ouvido Imagem: Arquivo Pessoal

R$ 40 mil

O primeiro sintoma de Rafael foi um zumbido constante no ouvido. A família gastou R$ 40 mil em consultas, mas isso não foi suficiente para o diagnóstico.

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Ele, então, deixou Goiás atrás de respostas, que começaram a surgir em 2021, na Alemanha.

"Quase todos os médicos falavam que o Rafael era louco, então a gente teve de fazer a peregrinação por conta própria, acreditar nele", diz Luana.

Rafael e Luana com equipe que cuidou dele na Alemanha
Rafael e Luana com equipe que cuidou dele na Alemanha Imagem: Arquivo Pessoal

Na Europa, descobriram que Rafael tem a síndrome de Eagle, que afeta o osso na lateral do crânio e cortava o ar que passa pela garganta de Rafael. Uma intervenção na Alemanha salvou a vida dele.

Ele tinha desmaios e o pouco tempo que conseguia dormir, dormia sentado, quase morreu. Ele poderia ter morrido por falta de ar.
Luana Diniz

Mesmo após a cirurgia para desobstruir a garganta de Rafael, os zumbidos continuavam.

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Era preciso usar uma máquina de ressonância 7 Tesla, superdetalhada, para desvendar o caso. O problema? Um equipamento do tipo no Hospital das Clínicas, em São Paulo, até então era usado apenas em cadáveres, para pesquisas.

Rafael e Luana começaram a procurar médicos no início do casamento
Rafael e Luana começaram a procurar médicos no início do casamento Imagem: Arquivo Pessoal

"Acionamos parlamentares para ele ser aceito em uma pesquisa e usar a máquina. Foi com ela que conseguimos uma imagem do nervo afetado, que é finíssimo, com espessura de dois fios de cabelo."

As neuralgias de Rafael têm poucos casos confirmados no mundo. Médicos afirmaram à família que os problemas foram causados por uma mandíbula levemente retraída, que poderia ter sido consertada com um aparelho na infância.

"Essa retração causou problemas na face, fez o osso crescer mais que o normal, esmagar os nervos do ouvido e tudo", diz Luana. Segundo a família, médicos no Brasil indicaram que o caso só poderia ser solucionado por um profissional no exterior.

Cirurgia nos EUA

A história do goiano chegou, então, ao médico americano Daniel Roberts, que topou fazer uma cirurgia capaz de descomprimir os nervos afetados e aliviar as dores.

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Uma campanha foi criada para juntar R$ 3 milhões, valor para a cirurgia e o pós-operatório. Até agora, foram arrecadados R$ 421 mil, mas a primeira cirurgia já está marcada: deve ocorrer em 1º de dezembro.

A família foi à Justiça por auxílio público no tratamento, mas as tentativas acabaram frustradas. O argumento é de que há possibilidade de fazer a intervenção no Brasil.

Família de Rafael foi à ONU para encontro sobre doenças raras
Família de Rafael foi à ONU para encontro sobre doenças raras Imagem: Arquivo Pessoal

A VivaBem, a Secretaria de Saúde de Goiás afirmou que "não ficou claro que foram esgotadas as possibilidades em instituições brasileiras consideradas de referência." O Ministério da Saúde também afirmou que o SUS oferta tratamento para a doença.

Doenças raras

O caso de Rafael fez a família virar porta-voz no acesso a tratamentos para doenças raras e apoiar outras causas. Em agosto, Luana e Bárbara foram a Nova York a convite da Cúpula dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, para falar sobre o tema.

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"A luta é pelo coletivo, para que, daqui a 10 anos, isso não aconteça mais. Mas o Rafael precisa de ajuda agora", diz Luana.

Sonho de voar

Sonho de Rafael é ser piloto de avião
Sonho de Rafael é ser piloto de avião Imagem: Arquivo Pessoal

A esperança de se livrar das dores faz Rafael imaginar o futuro. A família torce para que ele realize o sonho de se tornar piloto de avião. Rafael já esteve em simuladores de voo e foi recebido por empresas aéreas.

"Por não ser algo genético, depois que fizer a cirurgia vai poder ter vida normal", diz Luana. "Ele já recebeu de doação um curso em um aeroclube e ganhou a gasolina de outra empresa. São gotinhas de esperança", afirma a irmã.

Entenda a neuralgia

São sinais dolorosos emitidos por uma lesão em um nervo —ou, como no caso de Rafael, mais de um.

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Os estímulos que causam sofrimento ao paciente podem ser múltiplos: até um carinho na região afetada pode desencadear sintomas, diz Álvaro Pentagna, neurologista do Hospital São Luiz Itaim.

Em alguns casos, a origem da neuralgia não pode ser explicada. Em outros, profissionais encontram a causa primária que levou ao problema —como foi com o goiano, diagnosticado com síndrome de Eagle.

Às vezes, o nervo é comprimido por um tumor ou osso alongado e isso causa a dor. Às vezes tem uma artéria que também pode ter relação com o nervo e causar dor. Um problema no dente, como um abscesso, também pode causar isso, inflamando ou infectando o nervo.
Álvaro Pentagna

Dores são comparadas a choque ou queimação. Num primeiro momento, os médicos priorizam a medicação para estabilizar sintomas e em último caso recorrem à cirurgia.

O tratamento farmacológico tenta estabilizar esse sinal elétrico anômalo, fazer o nervo parar de mandar o sinal errado ao cérebro. Para isso usamos remédios anticrise e antidepressivos.
Álvaro Pentagna

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