O que são os compostos obesogênicos e como eles afetam sua saúde e seu peso
A batalha contra a obesidade é um desafio crescente que afeta milhões de pessoas em todo o mundo. No Brasil, 56% da população brasileira está com sobrepeso ou obesidade, segundo dados do Covitel 2023 (Inquérito Telefônico de Fatores de Risco para Doenças Crônicas Não Transmissíveis em Tempos de Pandemia).
Além do estilo de vida associado ao consumo de alimentos industrializados e ao sedentarismo, evidências recentes indicam que produtos químicos também desempenham um papel na pandemia global de obesidade. Conhecidas como obesogênicos, essas substâncias estão presentes no meio ambiente, na água, no ar e nos alimentos e podem afetar a regulação endócrina do metabolismo energético e a composição do tecido adiposo.
Os compostos são considerados desreguladores endócrinos por sua capacidade de interagir com receptores hormonais, imitando ou bloqueando sua ação, seu transporte ou seu tempo de ação ao interferir no metabolismo. Eveline Gadelha Pereira Fontenele, endocrinologista, coordenadora do ambulatório de endocrinologia do desenvolvimento do Complexo Hospitalar da UFC (Universidade Federal do Ceará)
Um dos obesogênicos mais conhecidos é o bisfenol A (BPA). Ele é bastante utilizado pela indústria por conferir durabilidade e resistência ao plástico, que está presente em potes, revestimentos de tubo de água em residências, brinquedos e até mesmo em armação de óculos.
Outra substância onipresente em nosso cotidiano são os ftalatos. Eles conferem flexibilidade, transparência e durabilidade a materiais diversos. São encontrados não só em embalagens de alimentos e bebidas, como também em medicamentos, produtos eletrônicos, solventes, perfumes, xampus e repelente de insetos.
Além do bisfenol A e dos ftalatos, mais de 50 produtos químicos foram categorizados como obesogênicos, dentre os quais: éteres difenílicos polibromados, substâncias perfluoroalquiladas e polifluoroalquiladas, parabenos, acrilamida, alquilfenóis, dibutilestanho, cádmio e arsênico.
Como os compostos obesogênicos agem?
A contaminação por compostos obesogênicos acontece através de inalação, consumo direto ou pela penetração na pele.
"A água em uma garrafa de plástico, por exemplo, gradualmente desgasta o material, fazendo com que o bisfenol-A se dissolva ali. Aumentar a temperatura do recipiente acelera ainda mais esse processo", conta Oliveira.
Ao entrarem no nosso organismo, os compostos obesogênicos se depositam nas células de gordura, em um processo contínuo de acúmulo. Isso leva a um aumento tanto na quantidade quanto no tamanho dessas células, resultando no ganho de peso. Além disso, essas substâncias desaceleram o metabolismo e exercem influência sobre a regulação do apetite e da saciedade.
É espiral viciosa, porque eles não apenas aumentam a células de gordura, como também predispõem a uma maior facilidade de retenção de outros produtos químicos. Vivian Ellinger, endocrinologista que faz parte da Comissão de Endocrinologia Ambiental da SBEM (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia)
A exposição a obesogênicos também pode modificar a composição da microbiota intestinal, levando ao crescimento excessivo de certas espécies bacterianas em detrimento de outras. Isso pode resultar em um desequilíbrio na microbiota, conhecido como disbiose, que afeta a absorção de nutrientes e o sistema imunológico.
De acordo com a bióloga Lilian Caroline Gonçalves de Oliveira, que é professora na Unifesp, a ciência também já conseguiu provar que o bisfenol-A desencadeia doenças cardíacas, disfunção sexual, diabetes e é potencialmente cancerígeno.
Exposição precoce e regulamentação
Bebês e crianças nos primeiros anos de vida são especialmente vulneráveis, pois nesse estágio, seus órgãos, sistemas metabólicos e hormonais estão ainda em desenvolvimento, tornando-os mais suscetíveis aos efeitos disruptivos dos compostos obesogênicos.
A interação com esses compostos ocorre não apenas por contato direto, mas também através da placenta durante o período gestacional e pelo leite materno. Além disso, a exposição a esses compostos nesse momento crítico da vida se prolonga através de gerações, em um mecanismo conhecido como epigenética.
Uma criança que, por herança genética, teria naturalmente um peso considerado saudável, pode vir a desenvolver uma propensão à obesidade, devido à exposição aos compostos obesogênicos durante a gestação, os quais podem ter promovido alterações em seu DNA. Vivian Ellinger, endocrinologista
De acordo com as pesquisadoras ouvidas pelo VivaBem, a regulamentação e a rotulagem de produtos que contêm compostos obesogênicos ainda são desafios significativos. A proibição do uso de bisfenol-A em mamadeiras, por exemplo, só ocorreu em 2012, através de uma resolução da Anvisa, embora ele ainda esteja presente em tantos outros itens que bebês e crianças têm acesso.
Oliveira, que coordena uma pesquisa na Unifesp sobre os efeitos desses compostos na saúde de crianças, indica a necessidade de mais estudos sobre os malefícios desses compostos para a saúde humana. "A gente está cercado desses produtos e isso é muito preocupante. Temos uma luta muito grande para regular esses compostos e formular estratégias de prevenção e prognóstico da obesidade e suas complicações", afirma.
A pesquisa da Unifesp envolve a participação de 500 voluntários com idade entre 9 e 10 anos, sendo que foram examinadas amostras de urina de aproximadamente 200 deles para avaliar a presença e concentração desses compostos. Adicionalmente, são coletadas informações sobre o estado de saúde tanto das mães quanto das crianças.
"Os dados ainda estão sendo analisados, mas nos preocupa, porque essas crianças estão sendo muito expostas aos compostos. Nossa intenção é contribuir para a manutenção da saúde das crianças, para que sejam adultos saudáveis no futuro", esclarece Oliveira.
Para Fontenele, a sociedade deve cobrar dos gestores públicos o manejo adequado dos resíduos sólidos e o fomento de práticas agrícolas livres de agrotóxicos.
Como se proteger:
Evite usar produtos dermatológicos que contenham ftalatos e parabenos.
Escolha embalagens de plástico BPA free, ou seja, livres de bisfenol-A.
Troque os vasilhames de plástico pelos de vidro.
Retire alimentos de embalagens antes de leva-los ao micro-ondas ou forno.
Opte, sempre que possível, por alimentos orgânicos, que são produzidos sem agrotóxicos.
Não fume.
Recicle e repense os hábitos de consumo.
Fontes: Eveline Gadelha Pereira Fontenele, endocrinologista, coordenadora do ambulatório de endocrinologia do desenvolvimento do Complexo Hospitalar da UFC (Universidade Federal do Ceará), pesquisadora do NPDM (Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento de Medicamentos) da UFC e membro do Departamento de Endocrinologia Pediátrica da SBEM (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia); Lilian Caroline Gonçalves De Oliveira, doutora em Biologia Molecular e professora e pesquisadora da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo); Vivian Ellinger, endocrinologista, mestre em endocrinologia pela PUC-RJ e membro da Comissão de Endocrinologia Ambiental da SBEM.
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