Com câncer no fígado, ele recebeu doação de órgão do filho para seguir vivo
Há dois anos, o empresário recifense Fabiano José de Oliveira Rufino, de 49 anos, sentiu-se mal em casa e desmaiou. "Como estava normal no dia seguinte, achei que não era nada", relembra. Dois meses depois, notou que o volume de fezes estava anormal, foi ao médico e descobriu um câncer avançado no intestino, com metástase no fígado. "Os médicos me deram de dois a seis meses de sobrevida", diz. Durante a quimioterapia, o organismo de Fabiano reagiu de forma inesperada —e sua recuperação permitiu que ele passasse por um transplante de fígado para seguir vivo. A seguir, o empresário conta sua história e como lida com o tratamento, que deve ser para a vida toda:
"Em maio de 2021, em plena pandemia do novo coronavírus, eu recebi o diagnóstico de que estava com um adenocarcinoma de estágio 4 no intestino. Dois meses antes, havia experimentado um mal súbito, com muita sudorese, náuseas e um desmaio. Mas achei que não era nada, só um problema de indigestão.
Com o passar do tempo, notei que volume de fezes estava anormal e busquei um médico. Foi então que descobri a doença. Embora o câncer tenha começado no intestino, foi o fígado que mais sofreu o baque, pois a doença chegou até ele e produziu nada menos que 33 lesões. Na época, me foi dado o prognóstico de dois a seis meses de vida.
Nesse caso, a quimioterapia seria apenas para me dar qualidade de vida. Passei por uma cirurgia para remover o tumor e retirei 22 centímetros do intestino. Não havia o que fazer no fígado. Foi um momento muito difícil para mim e minha família [se emociona]. Porém, eu sempre acreditei que tudo tinha um propósito e não sentia que minha hora havia chegado. Sou evangélico e passei dias orando com minha família.
Na época, vivi um momento marcante com meu filho mais novo, Pedro, que estava com 13 anos. Foi muito difícil para ele me ver doente, é algo impactante para uma criança na idade dele. Um dia, ele 'surtou' e disse que ia perder o pai. Eu o levei para o quarto e nós conversamos muito, choramos abraçados e prometi que eu não iria morrer dessa doença. Depois disso, ele se sentiu mais seguro.
Tenho certeza que foi Deus quem me ajudou pois, logo que iniciei a quimioterapia, os médicos disseram que as lesões no fígado começaram a necrosar. Isso não era esperado e nem era o objetivo da quimio, mas aconteceu: após o quinto ciclo, os marcadores tumorais do meu organismo estavam extremamente baixos, foi uma queda vertiginosa. Os médicos ficaram surpresos [se emociona].
Esse resultado foi o que me deu a chance de entrar em um novo protocolo de tratamento que está sendo realizado no Rio de Janeiro. Lá, alguns pacientes com câncer no fígado poderiam receber um transplante intervivos, ou seja, de algum doador vivo, como parte do tratamento para a doença.
Nos exames, meu filho mais velho, então com 22 anos, apareceu como compatível. De início, eu disse a ele que não queria e desisti. Como eu, um pai, ia submeter meu filho saudável a um procedimento tão invasivo? Mas ele insistiu muito e disse: 'De jeito nenhum, pai, eu irei, sim'. Aquilo para mim foi muito difícil. [se emociona] Por fim, aceitei e seguimos para o Rio de Janeiro.
O transplante
Antes de acontecer o transplante, passamos por outro momento difícil, já que, por ser uma técnica ainda em estudo, o transplante para o meu caso não está no rol de procedimentos da ANS [Agência Nacional de Saúde Suplementar]. Como eu não tinha o dinheiro necessário para fazer a cirurgia de forma particular, cheguei a conversar com minha esposa e dizer que não daria certo. Pensei em desistir, de verdade. Mas ela foi uma fortaleza e não me deixou esmorecer. Nos emocionamos muito nesse dia.
Por fim, o plano autorizou o transplante e passei pela cirurgia em junho de 2022. Como meu fígado estava muito comprometido, era necessário substituir todo o órgão. Recebi 65% do fígado do meu filho e, pelo que sei, foi uma cirurgia delicada, já que as anatomias do meu órgão e do dele eram um pouco diferentes, mas tudo correu bem.
Em 10 dias, meu filho já havia saído do hospital e seu fígado se regenerou completamente nas semanas seguintes, sem problemas. Eu tive uma complicação alguns dias depois da cirurgia e precisei passar por uma nova intervenção para corrigir uma fístula, e correu tudo bem novamente. Ao todo, fiquei 32 dias no hospital durante essa internação.
Mudança de hábitos
Hoje, levamos uma vida normal. No entanto, precisei fazer algumas alterações na minha rotina. Eu, que sempre consumi muito fast food, bebia muito refrigerante e era boêmio, decidi melhorar a alimentação para reduzir o risco de novos tumores no intestino. Também passei a praticar atividade física e a dormir melhor, ou seja, passei a cuidar melhor do meu corpo.
Recentemente, durante um exame de rotina, descobri uma recidiva da doença em um linfonodo no meu corpo. O volume de células tumorais é muito pequeno e foi difícil até para fazer a biópsia, por isso, me sinto tranquilo. A proposta agora é realizar um novo ciclo de quimioterapia, mas é preciso avaliar as sessões, pois sou imunossuprimido por causa do transplante.
Mesmo com todas as adversidades, eu sou muito grato pelos médicos que Deus colocou no meu caminho e por todas as oportunidades que recebi. As pessoas não entendem essa naturalidade com que eu encaro a doença, mas eu tenho fé de que vou conseguir vencer mais uma vez. Não pergunto o porquê disso estar acontecendo comigo pois sei que, no fim, existe um propósito muito maior da espiritualidade por trás de tudo isso."
O que dizem os médicos?
O câncer do intestino ou câncer colorretal é o tumor maligno que se inicia no intestino grosso. Este é formado pelo cólon e reto (porção final do intestino que liga o cólon ao ânus).
Ele é considerado o terceiro tipo de câncer mais comum no Brasil, perdendo em números apenas para os de mama e próstata (sem contar o câncer de pele do tipo não melanoma), de acordo com dados recentes do INCA (Instituto Nacional de Câncer). Quando entra na fase da metástase, ou seja, quando se espalha para outras áreas do corpo, costuma atingir principalmente o fígado, os pulmões e o peritônio (membrana que envolve os órgãos do abdômen).
No caso do fígado, como ocorreria com qualquer tipo de tumor, o órgão pode ter um comprometimento parcial ou total de suas funções. É nesse momento que o transplante passa a ser considerado. "Essa abordagem não só remove o câncer como também trata a doença hepática subjacente, oferecendo uma chance de cura e melhora na qualidade de vida", afirma Roberto Pestana, oncologista clínico do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo.
Responsável pelo transplante em Fabiano, o médico Eduardo Fernandes, cirurgião hepatobiliar do Hospital São Lucas Copacabana, no Rio de Janeiro, recentemente trouxe para o Brasil a modalidade de transplante de fígado para tratar pacientes com alguns tipos de câncer.
"É um tipo de cirurgia ainda 'jovem' na América Latina e indicado apenas para um grupo específico de pacientes", explica. "Mas, sem dúvida, é uma ferramenta a mais para tratar a doença e oferecer mais anos de vida aos indivíduos", acredita. Recentemente, o centro médico, que realiza esse tipo de procedimento há seis anos, atingiu a marca de 200 transplantes de fígado realizados na unidade.
Para passar pelo transplante, o tumor precisa estar localizado e em nenhuma outra parte do corpo. No caso de Fabiano, a cirurgia e a quimioterapia foram suficientes para controlar a doença no intestino —que não voltou até agora— e mantê-la apenas no fígado. É necessário também passar por quimioterapia para reduzir as lesões ao máximo, o que Fabiano já havia feito anteriormente. "Foi uma janela de oportunidade perfeita para conseguir fazer a cirurgia", afirma Fernandes.
Mesmo com a recente notícia de recidiva, o especialista enxerga o prognóstico como positivo. "A doença de Fabiano é crônica, ele vai precisar de uma vigilância severa nos próximos anos, mas com total chance de controle", diz.
O médico espera que, no futuro, transplantes como o de Fabiano possam acontecer com mais frequência no Brasil e trabalha junto ao Ministério da Saúde para especificar isso na lei brasileira. Atualmente, essa modalidade só é permitida em transplantes intervivos, ou seja, com doador vivo —isso é possível pois o fígado é um órgão que se regenera. "Isso certamente dará esperança a muitos pacientes", acredita.
Deixe seu comentário
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.