Hospital que faz o maior nº de transplantes renais no mundo fica em SP
Foi em um exame de rotina com o médico do trabalho que o administrador José de Paula Barbosa, hoje com 75 anos, soube que os rins não iam bem. O sangue na urina foi o sinal de alerta.
Ele recebeu acompanhamento médico por mais de quatro anos, mas chegou uma hora que não teve jeito. Era necessário um transplante. "Um rim chegou a 9% e o outro a 11% de funcionamento", conta. Foram dois anos, oito meses e 17 dias de hemodiálise e espera por uma doação de órgão.
No dia 10 de março de 2005, José tinha acabado de escovar os dentes depois do almoço quando recebeu a ligação avisando que o rim estava disponível. É o tipo de momento que não se esquece dos detalhes.
Como estava no trabalho, avisou à secretária dele —que vibrou com a notícia— e pediu a um colega para levá-lo ao Hospital do Rim (HRim), na zona sul de São Paulo, onde já estava sob os cuidados do nefrologista José Osmar Medina.
O transplante ocorreu na mesma noite. O pós-cirúrgico é de muito cuidado. No começo, José ia todos os dias ao centro médico fazer exames, depois a cada 15 dias, a cada mês, a cada três meses. O acompanhamento médico segue até hoje.
Referência em transplante renal
O Hospital do Rim, mantido pela Fundação Oswaldo Ramos, tem pelo menos um paciente em cada estado do Brasil e é o centro que realiza o maior número de transplantes renais no mundo.
São mais de 900 transplantes de rim por ano e mais de 19 mil cirurgias do tipo realizadas em 25 anos de história.
Nesta segunda (4), em um evento para celebrar os 25 anos do HRim, o médico e super superintendente do hospital José Osmar Medina explicou como é o modelo de atuação e de atendimento para obter resultados tão expressivos. "Nós aplicamos conceitos da produção industrial na assistência médica", explica.
Como o transplante é um procedimento complexo, a execução é dividida em estações de trabalho: captação do órgão, admissão do paciente, cirurgia, enfermaria, ambulatório.
Você tem mais gente trabalhando especificamente numa determinada área e, com o tempo, a qualidade vai melhorando porque cada um repete sistematicamente o mesmo processo. José Osmar Medina, superintendente do Hospital do Rim
Mesmo na pandemia, os transplantes continuaram ocorrendo, porque enquanto os hospitais de alta complexidade estavam voltados ao atendimento de pessoas com covid, o Hospital do Rim virou base de atendimento para todos os brasileiros que precisavam de transplante.
No começo da história do hospital, 70% dos rins doados eram de pessoas vivas. Agora, são 70% de doadores falecidos. Parte dessa mudança vem das informações que as pessoas passaram a ter sobre a importância do transplante, ainda mais num local que faz muitos.
"Você vê um número grande de transplantes. Quando morre alguém que pode ser doador, a pessoa conhece alguém que se beneficiou do transplante e vai ter mais chance de ser doadora", comenta.
Relatório da ABTO (Associação Brasileira de Transplante de Órgãos), com dados até 2022, mostrou que a recusa familiar para doação de órgãos aumentou 18% nos últimos três anos, chegando a 47% no país. Para Medina, a recusa é mais pela falta de verbalizar a vontade.
"Se o indivíduo nunca falou em vida que queria ser doador, a família fica em dúvida se doa ou não. Se ele falou, mesmo em conversa informal, que quer ser doador, a família sempre autoriza a doação", diz.
A recomendação mais importante é: se você quer ser doador de órgãos após a morte, avise sua família. Ela vai entender isso como seu último desejo e uma forma de você continuar contribuindo com a sociedade. José Osmar Medina
Mais valor a cada passinho dado
No hospital, a artesã Marli Correia de Souza, 50, recebeu um novo rim há pouco mais de um mês. Ela já tinha perdido os dois órgãos, esperou quase três anos pelo transplante e fez hemodiálise por sete anos.
O tempo de espera foi angustiante: já quase não havia acessos nas veias para fazer hemodiálise. "Dá nervoso porque a gente vê a vida por um fio. E saber que tem sua família, os netos para ver crescer, é desesperador", afirma.
De Presidente Prudente, no interior de SP, ela foi diagnosticada com cálculos renais aos 37 anos, que eram insistentes. Quatro cirurgias foram necessárias para retirá-los, mas eles sempre voltavam.
Com o tempo, os órgãos foram se deteriorando. Ela começou a fazer o tratamento na cidade natal e chegou a ficar quatro meses internada para tratar da infecção, até que precisou de hemodiálise. "Ia e voltava do hospital, dia e noite, ia e voltava de UTI. Foi uma batalha nas diálises", lembra.
Depois passou a se tratar em Ribeirão Preto, onde uma médica sugeriu uma consulta particular com Medina. "Fiz rifa, pedi ajuda para os vizinhos, amigos e parentes para me consultar com ele. No dia da consulta, quando eu entrei em São Paulo, me ligaram pra vir pra cá fazer o transplante porque tinha aparecido um rim", conta, sorrindo e emocionada, no quarto do Hospital do Rim.
Na tarde seguinte, em 1º de novembro, uma cirurgia de quatro horas deu um novo rim à artesã. "Agora você dá valor a cada momento, a cada passinho que der. Você procura viver o máximo possível", comenta. "Agora só estou ansiosa para ir embora."
Medina destaca os avanços alcançados ao longo dos 25 anos de história do hospital. "Nos primeiros transplantes, a chance do transplante estar funcionando depois de um ano era de 77%, com doador falecido. Agora, a chance é de 93%", destacou durante entrevista à imprensa nesta segunda-feira (4), na unidade de saúde.
Além de transplante, o HRim faz procedimentos cardíacos, como a colocação de stent em José, há cerca de quatro anos. Para o administrador, a atenção da equipe médica faz a diferença.
"Dos conselhos que o Medina me deu eu nunca esqueci na vida e procuro manter. Ele falava: 'toma o remédio na hora certa'. Então eu sempre procuro tomar meus remédios nas horas certas", relata. São 19 comprimidos por dia, todos os dias.
Parcerias
O rim é o órgão mais transplantado no país e executar esse trabalho dentro do sistema público de saúde, como faz o HRim por 25 anos é um marco que foi celebrado nesta semana.
No evento, o secretário municipal da saúde de São Paulo, Luiz Carlos Zamarco, destacou a parceria entre o centro médico e a prefeitura, desde 2003, para atender milhares de pacientes.
"Fizemos um mutirão no ano passado para pacientes com cálculo renal. Conseguimos tirar 4.500 pacientes da fila. Desses, 1.700 foram indicados para cirurgia", disse. "A gente prioriza o hospital para um transplante." Segundo ele, o município "praticamente não tem fila para atendimento de pacientes com patologias urológicas".
Eleuses Paiva, secretário de estado da saúde, destacou o trabalho de formação de profissionais feito pelo HRim. "Medina teve essa capacidade de formar uma equipe com extrema eficiência e competência, motivo para todos nós que militamos na saúde pública", afirmou.
"Tão importante quanto o número (de transplantes) é a capacidade resolutiva, a qualidade da assistência", completou.
O prefeito de São Paulo Ricardo Nunes, também presente, reforçou a importância da performance, qualidade e capacidade do hospital. "Se a gente não tiver essas parceiras, a gente não conseguiria avançar tanto na saúde."
Já Felicio Ramuth, vice-governador de São Paulo, falou do problema do financiamento da saúde para a construção de políticas públicas e citou a proposta do SUS Paulista como forma de aumentar os atendimentos e repassar um orçamento justo aos hospitais.
Ele também reforçou a importância das alianças para fazer políticas públicas e atender a população. "Vamos continuar investindo em bons parceiros sérios, como o Hospital do Rim, que hoje prestam um serviço para a sociedade do estado de São Paulo", disse.
Pesquisa clínica é outro ponto forte da instituição, que dissemina as boas práticas e resultados alcançados no hospital. Agora, a visão é aplicar os conceitos de produção industrial para outras áreas da saúde, como a ortopedia.