O que acontece no seu corpo quando você chora
Pode parecer mentira, mas a cada ano os seus olhos são capazes de produzir de 57 a 113 litros de lágrimas. Essa alta produtividade visa proteger a saúde ocular, ajuda a comunicar emoções e se distingue como um fenômeno que diferencia humanos de outros mamíferos.
No passado, os cientistas acreditavam que as lágrimas não tinham função alguma. Hoje, eles ainda não desvendaram totalmente os mecanismos por trás daquele choro básico, mas seguem investigando o impacto dele na saúde física e mental.
Apesar de ser uma expressão universal das emoções, as mais recentes pesquisas sobre as lágrimas revelam que, ao contrário da crença popular, nem sempre elas trazem alívio. No entanto, no divã do analista, chorar é considerado parte importante do processo terapêutico.
Na idade adulta, mulheres choram de 2 a 5 vezes a cada mês. Homens, de 0 a 1 no mesmo período.
Cerca de 50% das pessoas se sentem melhor após um episódio —entre as mulheres, 30%; 10% se sentem pior.
O fenômeno se manifesta em 15% a 30% das sessões de terapia.
A maioria prefere chorar em casa, à noite —só ou acompanhado.
Cada lágrima com seu trabalho
As lágrimas são classificadas pelos cientistas conforme suas respectivas funções:
Basais - presentes no olho o tempo todo, funcionam como um escudo protetor da córnea. Ao garantirem hidratação contínua, previnem o ressecamento da superfície ocular, facilitam a remoção de partículas transportadas pelo ar, mãos ou que estiverem na pele que o circunda, e ainda auxiliam na visão e difusão de oxigênio e nutrientes para a região.
Reflexas - são uma resposta rápida às necessidades das células locais, a depender de condições ambientais (temperatura, umidade, etc.) ou patogênicas (recuperação de lesões, etc.). Podem conter mais anticorpos para ajudar a combater bactérias.
Emocionais - se manifestam em situações de alegria, tristeza, medo e outros estados emocionais. Decorrem da ativação do sistema límbico, associado às emoções, que se comunica com o sistema lacrimal. Até o momento, os cientistas ainda não esclareceram totalmente essas alterações fisiológicas e neurais.
O volume de lágrimas reflexas e emocionais é maior do que o das basais. Esta é a razão pela qual o sistema de drenagem lacrimal fica sobrecarregado, extrapola a região dos olhos, fazendo que as lágrimas escorram pela face, aumentando o escoamento pelo nariz.
E como o organismo sente?
Os efeitos de proteção das lágrimas basais e reflexas já são bem estabelecidos na literatura médica, mas estudos sobre o impacto das lágrimas emocionais na saúde física e mental seguem em andamento e ainda necessitam de confirmação.
O que sabemos, até o momento, é que chorar é mais que um mero sintoma de um estado negativo (ou positivo) de humor. Trata-se de um comportamento complexo que é influenciado por fatores evolutivos, de desenvolvimento neurobiológico, e é dependente da exposição a situações emocionais e processos de socialização.
Veja os resultados que os estudos mais recentes têm encontrado sobre quando você chora:
- Equilíbrio emocional
- Melhora dos vínculos
- Doenças neurológicas
Você pode se sentir mais leve
Pesquisas preliminares têm mostrado que as lágrimas emocionais contêm substâncias diferentes daquelas contidas nas basais e reflexas. Alguns cientistas afirmam que elas contêm altos níveis de prolactina, ocitocina, hormônio adenocorticotrófico, Leu-encefalina, potássio e manganês.
A hipótese dos cientistas é que a secreção desses hormônios seria capaz de regular o organismo, reduzindo os efeitos do estresse.
O detalhe é que esse resultado positivo é mais evidente somente entre pessoas que acreditam que o choro pode contribuir para o alívio de tensões.
Para 10% das pessoas observadas em diferentes contextos, o efeito é negativo, ou seja, elas se sentem pior após um episódio de choro; outras ficam indiferentes.
Esses achados conflitantes revelam a necessidade de mais estudos para entender melhor as respostas de diferentes grupos de indivíduos.
Você se sente menos isolado
Chorar tem função comunicativa. Isso significa que quando se dá vazão às lágrimas diante de um observador, este geralmente responde com a percepção da necessidade de ajuda e suporte.
Para os pesquisadores, tal quadro é consistente com a ideia de que as lágrimas representam uma adaptação evolutiva que promove comportamento de apoio por meio da indução de sentimentos de empatia e conexão social, o que gera bem-estar.
No ambiente profissional, porém, chorar pode levar a resultados diferentes: a sensação de bem-estar pode ser prejudicada, a depender do gatilho —perdas significativas são vistas positivamente. Já a autopiedade, a incompetência ou o fracasso, têm efeito contrário.
Em uma sessão de terapia, sentir-se seguro para dar vazão às emoções é esperado e o choro pode ser um sinal de que o paciente avança no seu processo terapêutico, o que, a longo prazo, também promove o bem-estar.
Pessoas que choram também passam a ser vistas como mais empáticas, sinceras, menos agressivas e menos emocionalmente estáveis quando comparadas a quem não está chorando no momento.
Você percebe que já não controla o choro
Mudanças na frequência das lágrimas podem ser um sinal de alerta para doenças neurológicas. Os médicos se referem a essa condição como choro patológico ou afeto pseudobulbar, que se manifesta mais frequentemente pelo choro involuntário.
As possíveis causas relacionadas são:
- AVC (acidente vascular cerebral)
- ELA (esclerose lateral amiotrófica)
- Esclerose múltipla
- Alzheimer
- Parkinson
Esse quadro revela que se alguém observa em si um choro desproporcional diante dos desafios emocionais, vale a pena submeter-se a uma avaliação médica para o esclarecimento da necessidade de uma avaliação neurológica.
Onde tudo começa
No canto superior externo de cada olho estão situadas as glândulas lacrimais principais. São elas que, junto com as glândulas lacrimais acessórias, produzem o componente aquoso da lágrima.
A mucina produzida por outras glândulas, encontradas na mucosa conjuntival (membrana que recobre a parte branca do olho), se mistura ao componente aquoso, formando a camada mucoaquosa, mais interna, do filme lacrimal. A camada externa do filme lacrimal é composta por lipídios e evita a evaporação da lágrima.
O conteúdo da lágrima é comporto por água (98%) , lipídios, mucina, proteínas e eletrólitos.
Lágrimas percorrem pequenos canais nas pálpebras, descem por um duto e deságuam no nariz. Lá, elas evaporam ou são reabsorvidas.
O controle da secreção lacrimal é neural, envolvendo os sistemas nervoso autônomo, simpático (é o principal) e parassimpático.
Por que chorei?
Uma recente revisão de estudos divulgada pela Associação Americana de Psicologia concluiu que os gatilhos do choro emocional se relacionam a fatores socioemocionais, morais ou de desenvolvimento. Confira o que faz as pessoas chorarem mais:
- Perdas ou separações (durante toda a vida)
- Sensação de impotência diante de alguma situação (durante toda a vida)
- Dor física ou desconforto sentimental (em todas as idades)
- Empatia, compaixão (aumenta com a idade)
- Situações positivas (aumenta com a idade)
Chorar mais x deprê
Uma pessoa chora demais porque está deprimida ou está deprimida e, por isso, chora mais?
A resposta dos especialistas para esta pergunta é que lágrimas, sozinhas, não são consideradas sintomas de depressão. Mas a enfermidade pode colaborar para mudanças nesse comportamento.
Mesmo assim, cada pessoa enfrentará essas alterações a seu modo, a depender de seu próprio perfil sociocultural.
Os cientistas têm observado que em quadros de depressão leve a frequência do choro pode ser maior.
Pessoas com depressão mais grave, sob tratamento com antidepressivos, podem ter redução das lágrimas, efeito do medicamento que promove um estado de menor suscetibilidade às emoções.
Homem que é homem não chora...
Entre eles e mesmo entre as mulheres, a falta de choro tem mais a ver com o perfil de personalidade, como ser extrovertido, escolha pessoal, além de fatores sociais e culturais —e menos a ver com problemas de saúde mental.
Os homens são os que menos choram (70%). Além da questão sociocultural, cogita-se que a testosterona teria efeito inibitório.
Só 2,9% procuraram ajuda relatando desconforto pela falta de lágrimas. Entre estes, a maioria era mulher.
Em geral, a última vez que choraram foi há mais de 15 anos.
O período de "seca" começou após um evento específico.
46% relatam que não aprenderam a chorar (a maioria, homens), e associam a falta de choro à força.
Fontes: Mariluze Sardinha, oftalmologista e chefe do Setor de Pálpebras, Vias Lacrimais e Órbita da Residência em Oftalmologia do Hospital Universitário Professor Edgard Santos da UFBA (Universidade Federal da Bahia), que integra a rede Ebserh (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares), é doutora em ciências médicas pela USP; Samarah Perszel de Freitas, psicóloga, especialista em neuropsicologia, doutora em educação e professora do curso de psicologia da PUC-PR; Vivian Tiemi Sugano, bióloga e mestranda do Laboratório Interdisciplinar de Neurociência do Desenvolvimento Afetivo e Social do programa de pós-graduação de neurociência e cognição da UFABC (Universidade Federal do ABC). Revisões médica e técnica: Mariluze Sardinha e Samarah Perszel de Freitas.
Referências:
- AAO (Academia Americana de Oftalmologia)
- Bylsma LM, Gra?anin A, Vingerhoets AJJM. A clinical practice review of crying research. Psychotherapy (Chic). 2021 Mar;58(1):133-149. doi: 10.1037/pst0000342. Epub 2020 Sep 7. PMID: 32897092. Acesso em 29 nov 2023. Disponível em https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/32897092/
- Vingerhoets, A. J. J. M., & Bijlsma, J. W. J. (2007). Crying as a multifaceted health psychology conceptualisation: Crying as coping, risk factor, and symptom. The European Health Psychologist, 9(dec), 68-74. Acesso em 29 nov 2023. Disponível em https://www.ehps.net/ehp/index.php/contents/article/view/ehp.v9.i4.p68/929.
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