'Minha filha nasceu com 470 gramas e só a peguei no colo aos três meses'
Aos 40 anos, Alinne Priscila Mello Marin Nicola e seu marido planejavam ser pais há algum tempo. Por conta da trombofilia, a concepção não foi tão fácil, mas em maio de 2022 o positivo finalmente veio. A gestação estava correndo tranquilamente até que, com 21 semanas, Alinne passou a ter um quadro de pré-eclâmpsia e a bebê Anna Luisa entrou em sofrimento fetal.
No Brasil, cerca de 12% dos partos são prematuros, segundo dados do Ministério da Saúde. Após 40 dias de internação, Anna Luisa chegou ao mundo pesando 470 gramas. Sua alta veio após 9 meses, diversas pioras e uma parada cardíaca. Atualmente, ela evolui, pouco a pouco, com cuidados hospitalares domésticos.
"Meu marido e eu estávamos tentando engravidar há algum tempo, mas tinham alguns fatores que estavam impedindo a nossa concepção. O positivo veio em maio de 2022. A previsão era que Anna Luisa nascesse em janeiro, o mês do meu aniversário. Mas não foi bem assim.
Eu tenho trombofilia, pressão alta e estava acompanhando. Não esperava que fosse passar por esses problemas de saúde. Meus exames estavam sempre normais, mas minha filha começou a não crescer tanto.
Quando chegamos às 21 semanas, meu médico indicou que eu procurasse uma consulta com uma profissional do Hospital Santa Joana, em São Paulo, para entendermos melhor o que estava acontecendo.
A procurei e fizemos um ultrassom. Ela percebeu que a Anna Luisa estava em sofrimento fetal. Foi um susto. Imediatamente a médica pediu minha internação. Fui para o hospital com a roupa do corpo, mas achei que não ficaria tanto tempo. Minha ficha começou a cair só quando eu realmente me internei.
Refizemos os exames e descobrimos que estava com pré-eclâmpsia, evoluindo para a síndrome de Hellp, que é uma complicação grave que aumenta o risco de mortalidade tanto para a mãe quanto para o bebê. Podia tentar manter a gestação, correndo o risco de convulsionar e ter outras complicações de um parto às pressas, ou fazer o parto prematuro. Com 21 semanas, minha filha não sobreviveria. Escolhi esperar.
Rotina no hospital
Internada, fazia exame de sangue um dia sim, e outro não, minha pressão era analisada a cada três horas e ultrassom todos os dias. O hospital também me disponibilizou uma psicóloga para me ajudar a digerir o que estava passando. Ela me explicava tudo.
Fiquei 40 dias internada sem previsão de alta. Sabia que precisava ficar no hospital até o nascimento da Anna Luisa. Não existia um prognóstico de melhora. Pode parecer angustiante, mas o hospital me ajudou nesse período e não foi tão difícil.
Quando cheguei a 27 semanas de gestação, Anna Luisa não estava bem. Estava em sofrimento fetal há um mês. A essa altura, as chances de sobrevivência dela aumentaram. Eu precisava fazer o parto. Ela nasceu com 470 gramas. Não era nem possível medir o seu tamanho, porque não podíamos manuseá-la. Só com 15 dias pudemos medi-la: ela estava com 27 centímetros.
Como estava entubada, nós não podíamos pegá-la no colo. Eu queria muito que ela sobrevivesse, mas vou ser sincera: não tinha tantas esperanças no começo. Minha filha era muito pequena, já tinha passado um mês em sofrimento fetal. Quando a vi, frágil daquele jeito, foi um baque muito grande. Acho que meu esposo tinha mais fé do que eu.
Não podíamos mexer nela. Depois de algumas semanas de internação, as enfermeiras abriram a incubadora e tivemos autorização para encostar na sua mão. Ela estava entubada, então colo estava fora de cogitação, pois movimentá-la causava o risco que ela fosse desentubada.
Tive alta em cerca de quatro dias, mas continuei indo todos os dias ao hospital para ficar com a Anna Luisa. A liberação era 24 horas, podia ficar com ela o tempo que quisesse. Lá também comecei a estimulação no banco de leite para que ela pudesse ser alimentada.
Após três meses entubada, os médicos nos chamaram e disseram que ela estava correndo risco de ter as cordas vocais afetadas. Mas como ainda não respirava sozinha, precisaria passar por um procedimento de traqueostomia.
Sem o tubo, pude pegá-la no colo pela primeira vez quando Anna Luisa completou três meses. Foi uma emoção muito grande, pois estava esperando esse momento há anos.
Evolução até em casa
A Anna não teve uma recuperação linear. Ela nos deu um susto por mês. Dava sinais de melhora, aí piorava novamente. Com isso, nossa internação foi se estendendo. Ela era um bebê complicado, chegou até a ter uma parada cardíaca enquanto estava na UTI.
Não foi fácil. Tinham dias que eu chorava muito, mas queria me manter forte, porque minha bebê já estava muito fragilizada. Quando estava bem mal, ia chorar no banheiro da UTI. Quando você tem um bebê, quer levá-lo para casa. E eu não pude.
Quando a médica falou que ela poderia ter alta, saímos da UTI neonatal e passamos a fazer parte de um grupo de recém-nascidos prematuros do hospital em uma outra área, que era um treinamento para que as mães se preparem para receber esse bebê que precisa de mais cuidados em casa.
Ficamos mais um mês nesse processo, enquanto entrávamos com o pedido de atendimento à domicílio, porque Anna Luisa precisaria de cuidados hospitalares também em casa, já que ela ainda não respirava sozinha.
No dia da alta, senti medo. Não sabia se conseguiria ou não dar conta. Estava acostumada com o dia a dia do hospital. Estava feliz, claro, mas também insegura.
Seguimos com o cuidado médico em casa até hoje. Anna Luisa tem um ano, nós temos enfermagem 24 horas e nossa casa se transformou em um hospital. Quando precisamos, por exemplo, levá-la para uma consulta, o transporte é feito de ambulância. Anna Luisa ainda não respira sozinha.
Como mãe, vivo uma mistura de sentimentos. Tem o cansaço, mas tem também o agradecimento sobre o que conquistamos depois de tudo o que aconteceu e ainda acontece."
Prematuridade
O que aconteceu com Alinne não é raro. De acordo com dados divulgados pela Aliança Nacional para o Parto Seguro e Respeitoso, que conta com 40 entidades focadas em assistência materna neonatal, só em 2019 o Brasil registrou 300 mil partos prematuros.
Dados do Ministério da Saúde dizem que o nascimento de bebês antes da hora corresponde a 12,4% dos nascidos vivos no país.
Filomena Bernardes de Mello, chefe da UTI Neonatal do Hospital e Maternidade Santa Joana, diz que 70% dos nascimentos prematuros não têm explicação. Nos outros 30% restantes, o problema ocorre por alguma condição de saúde da mãe, como hipertensão, por exemplo.
Ela ainda diz que quando o bebê entra em sofrimento fetal é necessário um monitoramento muito rigoroso da gestação para que se saiba o momento certo de fazer esse parto.
"Enquanto isso, você prepara o bebê para que ele tenha mais chances no nascimento, com o uso de corticoides e magnésio, que podem ajudar a diminuir a gravidade dos riscos da prematuridade", explica Mello.
Esse sofrimento fetal vai muito além de problemas de oxigenação, porque isso está sendo fornecido pela mãe. Mas os nutrientes, por exemplo, passam pela placenta, por isso pode acontecer uma distribuição precária deles, que impacta o desenvolvimento do feto.
"São várias medidas que o médico especialista nessa área precisa ficar atento durante o monitoramento. Quando ele vê que o equilíbrio do que precisa acontecer está em risco é a hora de se preparar para o nascimento precoce", explica a médica. Foi isso que aconteceu no caso da Alinne, que ficou 40 dias no hospital.
E apesar de Anna Luisa ainda depender do oxigênio, a médica garante: há chances, sim, de ela se tornar uma criança sem nenhuma sequela.
"O pulmão de uma criança prematura se desenvolve até os oito anos, e de forma acelerada até os dois anos. Então a tendência é que ela diminua a dependência do oxigênio e da ventilação e passe a respirar sozinha, mesmo que seja lá pra frente", diz Mello. Para ela, o importante é a família e os médicos terem paciência.
"Cada um tem sua história. Por isso, sempre converso com as famílias dos prematuros para que não parem com os estímulos e a reabilitação. Cada passo nesse sentido ajuda a criança a driblar as sequelas", conclui a especialista.
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