Joelho no milho, palmatória: 10 castigos do passado e seus danos à saúde
Marcelo Testoni
Colaboração para VivaBem
07/12/2023 04h05
No passado, ser criança não era nada fácil. Elas podiam ir para a cadeia, trabalhar em fábricas e apanhar dos professores. No Brasil, o uso do castigo físico só foi abolido definitivamente do meio escolar com a implantação do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), em 1990, que reconheceu os direitos fundamentais e proibiu toda e qualquer forma de constrangimento.
Levar palmatória, cintada, ajoelhar-se no milho, usar chapéu de burro em público, todos esses abusos não só repercutem em danos psicológicos e físicos imediatos, como sequelas que podem se estender para a vida toda.
A seguir, veja uma lista de castigos e suas consequências, que de disciplinares não têm nada, só são lembrados como extremos e violentas torturas.
1. Ajoelhar-se no milho
Aplicada por pais e professores, essa punição baseava-se em ordenar que a criança a ser castigada se ajoelhasse sobre grãos de milho cru. Além da dor muito intensa, perfurante e localizada, na pele dos joelhos, quanto mais prolongado o castigo, maiores os riscos de se ter hematomas, feridas e lesões, como de menisco, nervos, veias, músculos e articulações.
2. Palmatória
O castigo leva o nome de um instrumento, geralmente feito de madeira e usado para golpear as palmas das mãos, em especial de alunos desobedientes ou que não iam bem nos estudos. A depender da intensidade e frequência da batida, a criança podia ficar com as mãos dormentes e até fraturadas, predispondo deformidades, comprometimento motor e desgastes precoces.
3. Cintada
Na pele, as consequências desse castigo são marcas avermelhadas, quentes e dolorosas, mas o uso de cintos para bater também pode ferir com gravidade. Se a fivela do acessório acertar um olho, por exemplo, a criança pode perder a visão. Fora que a violência repercute em traumas, agressividade, perda da confiança nos pais e comportamentos problemáticos ao longo da vida.
4. Vara de marmelo
Esse instrumento, parte flexível e resistente do galho da árvore marmeleiro, entrava em cena quando a palmatória ou o cinto não surtiam o "resultado" esperado. Considerada pesada, a punição então era aplicada com as nádegas descobertas, sobre as quais eram desferidos os golpes, dolorosos e penetrantes, a ponto de uma surra com a vara causar cicatrizes profundas.
5. Comer contra vontade
Se a criança recusasse o almoço ou o jantar, pais e cuidadores obrigavam-na a comer à força. Mas era muito pior se ela pedisse algo e depois só beliscasse ou perdesse a vontade. O castigo pela "desfeita" e tempo perdido no preparo do prato era fazê-la engolir até a última migalha, do que poderia ser um frango, bolo, para que sofresse má digestão, refluxo, vômitos e diarreia.
6. Chapéu de burro
O acessório, cônico ou circular, com duas orelhas de burro atadas, era confeccionado e usado pela própria criança, a mando do professor, para mostrar aos seus colegas de classe o que acontecia com quem não estudasse. O objetivo era fazer o estudante "tomar jeito" pela ridicularização diante dos outros, que reforçavam a baixa autoestima praticando bullying.
7. Homem do saco
Ansiedade, estresse, pânico, insônia, pesadelos, esses eram os ganhos de se empregar a figura do homem do saco, semelhante ao bicho-papão, para ameaçar crianças. Geralmente as mais novinhas acreditavam que ao se comportarem mal, os adultos poderiam entregá-las para um sujeito maltrapilho com um saco nas costas que as levaria embora para praticar atos nefastos.
8. Quarto escuro
Na infância, entre 3 e 4 anos, com a imaginação aflorada e a falta de distinção da realidade para a fantasia, o medo do escuro passa a ser comum e tende a desaparecer somente, em geral, a partir dos 7 anos. Portanto, prender uma criança de castigo num local escuro e mais, pequeno e abafado, é fazer sua insegurança se intensificar e demandar psicoterapia no futuro.
9. Puxão de orelha
Por mais que pareça inofensivo, um puxão, assim como uma torção, pode traumatizar a orelha externa da criança, que é mais sensível do que a de um adulto, e resultar em hematomas, lacerações, deformidades e fraturas, podendo demandar uso de antibióticos, drenagem e cirurgia reparadora. No longo prazo, reduz até o QI (quociente intelectual), apontam estudos.
10. Pimenta na boca
Castigar crianças que mentem ou falam palavrões com a introdução de pimenta é uma tática ineficaz. Se elas agem dessa forma, é porque têm aprendido com alguém, sendo necessária uma investigação e revisão de hábitos em casa. Do contrário, além de indisciplinadas, podem ter problemas gástricos, lesões e inflamações orais e passar a rejeitar determinados sabores.
Fontes: Nelson Douglas Ejzenbaum, pediatra membro da AAP (Academia Americana de Pediatria); Rita de Cássia Souza, psicóloga pós-graduada pela UFBA (Universidade Federal da Bahia); e Wimer Bottura, especialista em psiquiatria infantil pelo IPq-FMUSP (Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo).