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Atletas trans e cis são tão diferentes assim? Pesquisa brasileira investiga

Imagem: iStock

Samantha Cerquetani

Colaboração para VivaBem

08/12/2023 04h05Atualizada em 11/12/2023 17h11

Frequentemente, atletas trans (que se identificam com o gênero oposto ao atribuído ao nascer) enfrentam transfobia quando se destacam em algum esporte. No entanto, ainda há poucos estudos que mostrem o desempenho físico desses atletas em relação a competidores cis (que se identificam com o gênero atribuído ao nascerem).

Geralmente, logo se conclui que as mulheres trans têm mais vantagens e já sairiam na frente, ganhando nas competições. Mas não é bem assim. Há diversas variáveis que devem ser avaliadas individualmente.

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Recentemente, uma pesquisa feita por Leonardo Alvares e equipe, que é professor da Faculdade de Medicina do Centro Universitário São Camilo (SP), destacou algumas diferenças entre mulheres trans atletas amadoras de vôlei em comparação com atletas cis. Em breve, o estudo, que já foi finalizado e apresentado em congressos, será publicado em um periódico científico.

O estudo avalia se mulheres trans apresentam alguma vantagem esportiva quando comparadas com as mulheres cisgênero.

Vale destacar que esse é o primeiro estudo no mundo que analisa de forma específica mulheres trans atletas jogadoras de vôlei em relação a vários aspectos de performance física.

"Foram avaliadas a capacidade de salto e cardiopulmonar, além da força. Também nos atentamos para a questão nutricional e psicológica. E avaliamos os dados sobre o funcionamento celular, que pode ser alterado pelo uso dos hormônios", explica Alvares.

O que diz a pesquisa e como foi realizada

Foram analisados 19 mulheres transgênero, 27 mulheres cisgênero e 23 homens cisgênero. Todos jogadores de vôlei.

As mulheres trans avaliadas já estavam em hormonioterapia, em média, há 14 anos.

Foram comparadas mulheres transgênero bem treinadas a mulheres e homens cisgênero da mesma faixa etária. Todos tinham o mesmo índice de massa corporal e nível de atividade física.

Mulheres trans e mulheres cis da mesma altura apresentaram índices semelhantes de massa muscular, sendo ambos os grupos menores que os homens cis.

A capacidade aeróbica foi discretamente maior em mulheres trans quando comparada às mulheres cis.

Durante o estudo, foram avaliados a composição corporal, o gasto energético de repouso, os aspectos nutricionais, a densidade óssea, a capacidade cardíaca, o estado hematológico (hormonal) e os aspectos psicológicos, como cognição, humor e a qualidade do sono.

O estudo também apontou que o músculo cardíaco de mulheres transgênero possui a mesma espessura que a parede cardíaca do grupo de mulheres cis.

Em relação à questão psicológica, as atletas trans destacaram que se sentem frequentemente excluídas e vivenciaram o preconceito no esporte, com medo de serem agredidas.

Em resumo, a pesquisa mostra que, durante a atividade física, não houve diferença na força e nem no consumo de oxigênio das mulheres trans em relação às mulheres cis —mas o desempenho foi pior que dos homens cis.

Relevância do estudo

O pesquisador destaca que o estudo trouxe à tona algumas informações relevantes sobre o desempenho de atletas trans. Porém, ainda existem poucas pesquisas sobre o tema.

"A participação de mulheres transgêneros em esportes ainda é um assunto controverso. Ainda são necessários mais estudos específicos em atletas trans: é preciso ocorrer uma segmentação de análise por modalidade de esporte e ser avaliada a idade de início da terapia hormonal, até mesmo para a combater a transfobia nas diversas modalidades esportivas", afirma Alvares.

Já para Pablius Staduto Braga, médico especialista em medicina do esporte do Hospital Nove de Julho (SP), o estudo é importante por avaliar o comportamento fisiológico de mulheres trans que já estão em tratamento hormonal por um tempo significativo.

"Em relação aos atletas trans, ainda não temos argumentos determinantes aos esportes de competição. Mas, sem dúvida, este estudo é um marco neste tipo de análise e contribuirá bastante no futuro, à medida que mais dados sejam coletados na linha do tempo", diz.

Afinal, as atletas trans têm vantagens esportivas sobre atletas cis?

A resposta é complexa, uma vez que ainda há poucos estudos sobre o assunto. De acordo com os especialistas consultados por VivaBem, depende do esporte e quando foi iniciada a transição de gênero.

De forma geral, a vantagem esportiva ocorre apenas se a transição hormonal foi realizada após a puberdade e há pouco tempo de hormonização cruzada (ou seja, reposição hormonal com características feminilizantes).

"As mulheres trans, no geral, são mais altas e podem ter pés e mãos maiores, se passarem pela puberdade do seu sexo biológico. Mas não existem atletas trans suficientes para termos competições entre elas, que devem ser incluídas nas atividades esportivas. Colocá-las com homens cis é desrespeitar a sua identidade feminina. Com certeza, isso traria agravos para a saúde mental", opina Luciana Oliveira, endocrinologista e coordenadora do Ambulatório Transexualizador do Hospital Universitário Professor Edgard Santos, da UFBA (Universidade Federal da Bahia) ligado à rede Ebserh (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares).

Para ela, não há qualquer motivo para que as mulheres trans (que tenham feito a transição antes da puberdade) não compitam com as mulheres cis.

"Acredito que quando essas pessoas passam pela transição de gênero na fase adulta também não devem ser impedidas de competir. Mas os critérios das divisões de categorias devem ser outros. Nas lutas marciais, por exemplo, a divisão é por peso. No futuro, espero que algumas modalidades esportivas criem subdivisões para contemplar a diversidade de mulheres que existem (trans e cis)", complementa a especialista.

Para Braga, quanto à participação de mulheres trans em esportes, é importante salientar que é preciso ter um olhar absoluto sobre a compatibilidade fisiológica da competição.

"Se ficar comprovada a semelhança em aspectos de força, agilidade, velocidade, resistência e demais igualdades, não haverá problema. Porém, a inclusão também pressupõe responsabilidade em equiparar competidoras. Isso é fundamental para que o esporte não perca o que tem de mais belo: a competitividade", finaliza.

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