'Busquei não sofrer durante espera': como lidar com ansiedade da adoção
Existem, no Brasil, 4.492 crianças e adolescentes disponíveis para serem adotados e 35.861 pretendentes, entre casais e pessoas interessadas no processo monoparental, de acordo com dados do SNA (Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento), coordenado pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça).
Com base nesses números, não é difícil imaginar o período de espera para muitos. Malu Abib, empresária, 50, e Joachim Kern, 48, paisagista, são pais de três meninas: Gabriela, 13, Rafaela, 11 e Emily, 9, e aguardaram a chegada delas por cinco anos. Já Danilo Costa, 44, jornalista, ficou na chamada fila da adoção por três anos e meio até ter a guarda provisória de duas meninas de 7 e 9 anos, que ainda não podem ter os nomes e rostos divulgados, devido ao andamento do processo.
Segundo a Angaad (Associação Nacional de Grupos de Apoio à Adoção), o tempo na fila varia bastante, mas, em geral, os perfis de 0 a 4 anos são os que mais demoram, havendo relatos de espera de cinco a oito anos. Quem procura e está apto a adotar crianças mais velhas ou adolescentes aguarda menos, assim como ocorre com grupos de irmãos ou com deficiência. No entanto, recomendam os especialistas da Angaad, a pressa pela chegada do filho não deve ser o fator de motivação para ampliação de perfil, pois os limites e desejos internos merecem ser respeitados.
Muitos se questionam sobre como lidar com as expectativas e se preparar para a adaptação das crianças e dos novos pais à rotina familiar. O VivaBem conversou com especialistas e famílias que comentam os principais aspectos a serem observados e trabalhados para ajudar também na ruptura de crenças e tabus ainda presentes em nossa sociedade.
Prepare-se: estude e pesquise
Danilo sempre teve o desejo de ser pai, que foi amadurecido com a passagem dos anos e dos relacionamentos. Nos dois casamentos anteriores, o companheiro não manifestava a mesma vontade. Ao completar 40 anos e novamente solteiro, tomou a decisão de ser pai solo —processo chamado monoparental—, pois, em suas palavras, já tinha estabilidade financeira e emocional.
A candidatura à adoção exige documentação e curso em locais cadastrados pela Vara da Infância da região da residência. O jornalista conta que ainda fez —e faz— terapia com profissional especializada no tema, leu muito, participou de cursos e, quando teve que renovar o processo, após três anos, aumentou a idade de interesse para até 10 anos.
Segundo ele, o mais importante foi encarar o momento com naturalidade. "Eu busquei não sofrer durante a espera, para que não fosse um problema na minha vida. Dei entrada nos papeis e não ficava consultando o site com frequência, para saber a posição na fila, para não estimular a ansiedade."
As meninas vivem com ele desde o final de agosto de 2023 e já estão adaptadas à escola, com novos amigos até no prédio.
Da primeira ligação da Vara da Infância e do Adolescente até o dia em que me tornei guardião e pai delas foram exatos 94 dias. No decorrer desse tempo, vivemos o emocionante primeiro encontro, fiz as visitas ao acolhimento, tivemos as saídas aos fins de semana e, por fim, aconteceu a liberação final da juíza. Tudo muito bem construído e informado. Danilo Costa
"Não idealizei o primeiro encontro. O abrigo foi muito cuidadoso quando fui conhecê-las, pois não sabiam quem eu era, apenas alguém que estaria visitando o local com regularidade até saberem que seria o pai delas. Elas foram muito receptivas e a história de aproximação foi construída de uma maneira leve", conta o jornalista.
Danilo destaca que é muito importante se informar para refletir sobre o assunto e sempre contar com ajuda especializada. "Somos a exceção da exceção, as meninas são pretas e sou gay e, a princípio, solteiro; meu casamento será no próximo ano. Tenho que prepará-las para lidar com todas as situações, afinal a sociedade é ainda preconceituosa e elas precisam ser fortes."
Faça por você
Malu Abib aconselha a, se for adotar, fazer por vontade própria, sem ter a expectativa de apoio de família, amigos, vizinhos, escola e dos seus próprios (futuros) filhos. "Muitas pessoas não lidam muito bem com a adoção. Afinal, o tema é comum em novelas, nos dramas, no jornalismo, e todo mundo quer encontrar a família biológica de alguém ou tem uma história trágica. Então, seja firme e faça realmente por você mesmo."
Quando perguntam a ela se as meninas são muito gratas a eles, Malu diz apenas responder: "Você é muito grato a sua mãe? Minhas filhas não são diferentes".
A gente aprende a ser mãe. Nossa família é muito feliz e não me vejo sem elas. Crescemos juntos. Somos seres humanos melhores. Filhos são espelhos e aceleram nossa evolução pessoal, nosso aprendizado sobre nós mesmos. Foi a decisão mais acertada de nossas vidas. Malu Abib
Busque ajuda
"Por se tratar de uma construção que atravessa diversas fases, desde a decisão pela adoção até a concretização, os grupos de apoio desempenham um papel essencial no fortalecimento de conexões afetivas", conta Jussara Marra, presidente da Angaad.
Os grupos de apoio, que são mais de 200 em todo o Brasil, atuam nessa construção afetiva. O foco é encontrar famílias para as crianças e os adolescentes acolhidos e aptos à adoção, mas também preparar os que pretendem se tornar pais e mães.
Para minimizar a ansiedade comum aos pretendentes, os grupos favorecem trocas de experiências e levam orientações, palestras e capacitações. Antes do primeiro passo formal, é importante amadurecer a decisão.
A espera
"Desde a decisão até a finalização do processo, os pais vão enfrentar momentos críticos. Para muitos, a adoção acabou sendo um recurso acionado pelo insucesso de uma gestação tradicional e estes pais terão de desconstruir a idealização da maternidade e partir para um ponto impensado até então", contextualiza a psicóloga com formação em neuropsicologia, Elisangela Niná.
Foi o que aconteceu com Malu e Joachim. Ela conta que sempre teve e vontade de ser mãe e, quando se casaram, formar uma família era mais um desejo dela. "Eu precisava formar a minha família para existir neste mundo. Essa era a minha necessidade e meu marido acompanhou. Como filha única, nunca pensei em ter mais de um filho. Um único estaria ótimo para nossa família."
Ao não conseguirem engravidar, ela recorda que eles fizeram duas coisas ao mesmo: procuraram ajuda médica e o fórum para adoção.
Como meu marido é adotivo, para ele, a adoção parecia natural. De todo modo, vieram as tentativas de fertilização in vitro —três ao total. O curioso é que durante o processo de fertilização, a questão do número de filhos já passa por uma revisão, afinal a chance de gravidez de gêmeos e até trigêmeos é alta. Então, você já se desconstrói neste ponto. Pelo menos conosco foi assim. Aos poucos, ampliamos nossa mente e coração para acolher mais de uma criança em nossa família. Malu Abib
A psicóloga explica que pais que buscam a adoção têm que desconstruir a idealização da maternidade, afinal a nova construção não se dará nos corredores de uma maternidade, mas no fórum. "Os pretendentes vão passar por muitas etapas até conseguirem adotar uma criança."
Enquanto as tentativas por meios biológicos ocorriam, Malu e seu marido participavam de toda dinâmica da fila. Um belo dia, ela recorda, já cansados de todos os processos —tanto os médicos quanto os burocráticos—, o telefone tocou e, do outro lado, era a assistente social que havia lembrado do casal, após alguns inúmeros percalços, que são muitos e necessários para proteger as crianças.
Como lidar com as possíveis negativas e outras situações
Do ponto de vista psicológico, a negativa gera uma frustração tremenda, cuja sensação pode ser descrita como um aborto. "No entanto, mesmo depois de aprovados, os futuros pais têm níveis de ansiedade grandes, pois terão profissionais (psicólogos, assistentes sociais) o tempo todo os questionando e testando, para a aprovação ou não do sonho", diz.
O enfrentamento fica mais leve com grupo de apoio, ajuda terapêutica e convivência com pais que já passaram por isso. O objetivo é se familiarizar com o repertório e que não se fique tão alarmado com a ansiedade, que vai bater, reduzindo-a no menor grau possível.
As etapas da adoção incluem análise de perfil, na qual serão avaliados aspectos como estabilidade emocional, capacidade de educar e cuidar de um bebê, criança ou adolescente e será investigado o histórico de relacionamento. "O protocolo visa a proteção à criança e aos adolescentes e o profissional que está ali vai tentar investigar quais são as motivações e se o ambiente é seguro e acolhedor."
A filiação é construída no dia a dia e com intimidade, com o sim e com o não, com limites, hierarquia e firmeza. A presidente da Angaad explica que é importante ter atenção aos limites emocionais e afetivos. "É essa consciência que gera a saúde emocional, psicológica e física."
A adaptação e novas rotinas
O maior desafio, de acordo com Malu, é a falta de informação. "Não sabíamos, por exemplo, da regressão no desenvolvimento pela qual as crianças passam, como voltar a usar fralda ou passar a balbuciar."
Com a logística de ter três crianças, que já é desafiadora em qualquer circunstância, a empresária conta que a casa nunca mais fica silenciosa e, quando chegaram, as meninas eram agitadas, não paravam um minuto e os desafiavam o tempo todo. "Elas tinham 3, 4 e 6 anos. No entanto, hoje, entendo que era muito para elas com cidade, vida, escola e até pais novos. Agora, enxergo isso", afirma.
Malu explica que as assistentes sociais e psicólogas da cidade de origem das filhas deram muito apoio. Além disso, tiveram ajuda de amigos e os pais dela foram maravilhosos. "Aprendi que irmãos são uma bela invenção e criar as crianças juntas, apesar de muito desafiador, é mais fácil. Eles se apoiam."
A mãe comenta que fazem muitas atividades juntas, sempre planejadas, como um filme que vai engrandecer ou a leitura de livro, entretanto as atividades artísticas —as quatro tocam piano— e esportivas, como natação, são as favoritas. "O nosso elo fica forte. Uma coisa pessoal é que acredito e gosto de impor disciplina: dormem cedo, acordam cedo, comem frutas e ajudam nas tarefas."
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