Ainda tabu: 'Em 2016, fiquei sabendo que era paciente paliativa desde 2012'

Em 2012, Maria Laisa Sampaio (@vidaavivida), 58, recebeu o diagnóstico de câncer colorretal. A professora de educação física procurou atendimento médico por mais de 6 meses na cidade de Curitiba, onde mora, até descobrir a doença.

Neste momento difícil, ainda recebeu a notícia de que viveria cerca de 5 anos. Ela segue derrubando as estatísticas e, mais de 11 anos depois, vive agora como uma paciente paliativa. Atualmente, faz o tratamento convencional e conta com uma equipe multidisciplinar de cuidados paliativos.

Mesmo lidando com uma doença incurável, ela não perde o humor e o desejo de realizar seus sonhos. A seguir, ela conta sua história em detalhes e a importância dos cuidados paliativos para entender o processo de finitude:

"Quando descobri o câncer colorretal, tinha 46 anos. Não fazia parte do grupo de risco, praticava exercícios regularmente, tinha uma alimentação equilibrada, não bebia ou fumava e ninguém na família teve a doença. Na época, tive alguns sintomas gastrointestinais, mas nunca me pediram uma colonoscopia, alegando que não havia necessidade.

Um dia, tive uma emergência médica e corri para o pronto-socorro, onde realizaram exames que constataram o câncer. Receber este diagnóstico provoca sentimentos imensuráveis, perdi o chão e me perguntava incessantemente o porquê disso estar acontecendo.

Também senti vergonha, afinal, trabalhava com qualidade de vida e prevenção de doenças. Como encararia meus alunos? Tive pensamentos rasos e ingênuos e jurei que venceria este diagnóstico.

Evolução do quadro e o início dos cuidados paliativos

Em 2016, tive uma recidiva do câncer e descobri que estava com metástase.

Fiquei sabendo que era uma paciente paliativa desde 2012, ou seja, que minha doença não tinha cura e meu tratamento visava o controle com qualidade de vida. Descobri pela internet e fui questionar uma médica que confirmou. Ninguém falava sobre isso na época.

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Imagem: Arquivo pessoal
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Imagem: Arquivo pessoal

Foi nesse momento que eu e minha família nos aconchegamos e começamos a entender o significado de finitude.

Comecei a estudar o assunto, entrei para um grupo voltado a pacientes paliativos, fiz cursos e me tornei a protagonista do meu tratamento. A partir desse momento, sabia o que tinha, como seriam os tratamentos, o que esperar e o que precisava para viver melhor.

Este ano completo 11 anos de tratamento, mais de 120 quimioterapias e já fiz todos os protocolos disponíveis. Atualmente, voltei para o primeiro protocolo e tenho metástases no peritônio (parede abdominal), mediastino (cavidade torácica), ossos e pulmão.

Objetivo: viver plenamente e desmistificar a convivência com o câncer

Sempre acordo para viver, levantar e seguir em frente. Hoje tenho esperança, alegria e gratidão. Continuo viajando bastante e levo o tratamento com leveza.

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O câncer nunca me definiu e não me pertence.

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Imagem: Arquivo pessoal

Divido os meus conhecimentos em palestras para que as pessoas saibam mais sobre os cuidados paliativos e que ter câncer não significa receber uma sentença de morte. É fundamental que muita gente tenha este apoio tão necessário para ter mais qualidade de vida e plenitude.

Estou em paz, fiz um testamento vital e minha diretivas para o grande dia. Sim, acredito que a vida deve e pode ser celebrada com a minha família e as pessoas que amo até o momento de minha morte.

Tenho consciência do desapego que um dia precisarei ter em relação à vida. Um dia! Por enquanto, sigo feliz por respirar."

O que são os cuidados paliativos?

Boa parte da população ainda não sabe o que significa os cuidados paliativos.

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Por outro lado, há quem pense que a prática só é útil para quem está morrendo ou tem câncer.

De forma geral, a OMS definiu os cuidados paliativos como uma abordagem que visa trazer qualidade de vida para pacientes e seus familiares que estão em uma situação ameaçadora da continuidade da vida.

Diversos profissionais podem estar envolvidos para oferecer conforto, respeitar os desejos do indivíduo e aliviar o seu sofrimento.

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Imagem: Arquivo pessoal

No Brasil, estima-se que mais de 33 mil crianças e cerca de 590 mil adultos necessitam de cuidados paliativos por ano. Em relação à qualidade final de vida, o país encontra-se em antepenúltimo lugar no mundo.

Mas os avanços vêm ocorrendo e a cada dia aumentam os serviços de cuidados paliativos e especialistas na área que visam facilitar o processo de morte —tanto para o paciente quanto para a família.

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A seguir, Rodrigo Kappel Castilho, médico e presidente da ANCP (Academia Nacional de Cuidados Paliativos) responde e desmistifica as principais questões que ainda envolvem os cuidados paliativos.

Começar os cuidados paliativos significa desistir do tratamento?
De forma nenhuma. Diante de uma situação de risco de vida, os cuidados paliativos serão fundamentais para entender desejos e valores do paciente, conforme o prognóstico da doença que a pessoa está vivendo e o que faz sentido para ela ou não diante da evolução do quadro.

Vale lembrar que é executado por uma equipe multidisciplinar, que envolve médicos, enfermeiros, psicólogo, assistente social, terapeuta ocupacional, fisioterapeuta, fonoaudiólogo, assistente espiritual, entre outros.

Trata-se de um redirecionamento para os melhores interesses do paciente e, muitas vezes, aumentam os tratamentos na medida em que não só a doença é cuidada, mas o indivíduo por completo.

É apenas para pacientes com doenças em fase terminal?
Não. A recomendação é iniciar logo após o diagnóstico de uma doença ameaçadora à vida. Neste primeiro momento, um dos pilares é a comunicação, controle e prevenção dos sintomas. Se a doença é progressiva e irreversível, vai se dando qualidade de vida aos dias, meses e anos que se tem pela frente.

São indicados apenas para pacientes com câncer?
Não. O cuidado paliativo abrange diversas condições, principalmente doenças crônicas progressivas, problemas cardíacos, cânceres, doenças neurológicas, pacientes com sequelas de AVC, idosos frágeis, entre outras. Além disso, é indicado para crianças, jovens, adultos e idosos.

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Não levam em consideração a opinião do paciente?
Muito pelo contrário. O paciente precisa ser ouvido. É fundamental respeitar a dignidade da pessoa humana, de fazer ser respeitada a sua autonomia. Os cuidados paliativos estão diretamente em sintonia com os valores e desejos do paciente em situações ameaçadoras à vida.

O foco do cuidado é na pessoa e na sua família, e se respeita muito o quanto que o paciente quer saber o que está acontecendo e o quanto ele quer participar das tomadas de decisão.

É equivalente à eutanásia ou acelera a morte de alguma forma?
Não. A eutanásia não é permitida no Brasil. Um dos princípios dos cuidados paliativos é não acelerar a morte do paciente. No entanto, alivia o sofrimento, permite que a pessoa viva mais ativamente e por mais tempo, porém com qualidade e sem sofrimento.

Mas também não se deve postergar o processo de morrer diante de algo inevitável. Deve-se respeitar o direito de que o processo de fim de vida seja o mais natural, confortável e digno possível sem arrastar o processo de morrer.

É preciso ficar internado para receber os cuidados paliativos?
Não.
Deve ser oferecido de preferência no ambiente que o paciente prefira. Preferencialmente, para aqueles que não conseguem se deslocar, deveria ser domiciliar diante de situações mais avançadas de doenças.

No Brasil existem poucos, mas há os hospices, que em situações de final de vida de casos irreversíveis, o paciente está em um ambiente com medicações e profissionais que auxiliam para que a pessoa esteja o melhor possível.

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Incluem apoio emocional e espiritual?
Sem dúvida nenhuma.
Entre os princípios estão o respeito à cultura e a religião do indivíduo. É fundamental entendermos que o ser humano é composto dessa complexidade do físico, do emocional, do espiritual e do social. Por isso, os pacientes e seus familiares precisam ser cuidados em todas as esferas.

Cuidados paliativos ganha Política Nacional

Esta semana, o Brasil ganhou a Política Nacional para o setor de cuidados paliativos. O anuncio foi feito na quinta-feira (14) durante reunião presidida pela ministra da Saúde, Nisia Trindade Lima.

Isso significa que este serviço será estruturado e organizado na rede pública de saúde para todos os pacientes com doenças ameaçadoras da vida se tratarem, de forma a manter o alívio da dor e sofrimento e a qualidade de vida.

Atualmente, existe no Brasil iniciativas isoladas de cuidados paliativos, conforme demonstra o Atlas de Cuidados Paliativos, elaborado pela ANCP.

No atlas consta que o maior número de serviços em cuidados paliativos está concentrado no atendimento público pelo SUS, com 123 (52,5%) unidades, além de 36 (15,3%) serviços instalados em instituições de atendimento público e privado, e 75 (32%) serviços em hospitais privados.

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