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O que acontece no seu corpo quando você janta muito tarde

Imagem: Arte UOL

Cristina Almeida

Colaboração para VivaBem

19/12/2023 04h05Atualizada em 19/12/2023 18h08

Comer como um rei pela manhã, como um príncipe no almoço e como um camponês no jantar é uma receita de alimentação milenar que, nos últimos anos, tem sido objeto de interesse dos cientistas por meio de um novo campo de ciência, a crononutrição.

A ideia por trás dela é que, para além do quanto se come e da atividade física, é preciso ficar de olho no tempo da ingestão dos alimentos. Como cada período do dia pode influenciar processos fisiológicos, como o ciclo de sono e vigília, ele também afetaria a forma como o organismo processa os itens que ingerimos.

Os estudos relacionados a esse campo ainda estão em seu início, mas os pesquisadores têm observado que, para garantir a boa saúde e prevenir doenças, a hora exata das refeições deve respeitar os ritmos do corpo.

De acordo com dados de estudos europeus, a maior concentração do consumo de calorias se dá no período da tarde e da noite

40% das calorias do dia se concentram no jantar e 18% no café da manhã

Entenda os ritmos do seu organismo

Para se adaptar ao ciclo de escuro ambiental, que possui a duração de cerca de 24 horas, os humanos desenvolveram "ritmos" fisiológicos, conhecidos como ritmos circadianos (circa = em volta, dies = um dia).

A função deles é regular processos bioquímicos e comportamentais para manter o equilíbrio orgânico. Eles são regulados por relógios biológicos:

Central - situado no núcleo supraquiasmático (hipotálamo), ele é responsável por receber e decodificar a informação do ambiente (dia ou noite) e sincronizar os demais relógios orgânicos.

Periférico - em geral é sincronizado pelo relógio central. A comunicação entre eles se dá por meio de sistemas neuroendócrinos, ou seja, hormônios produzidos pelo nosso SNC (sistema nervoso central) que, dentre outros efeitos biológicos, controlam nosso metabolismo, por exemplo.

O que você ganha com isso?

Os cientistas têm observado as alterações no organismo causadas pelo estilo de vida moderno, a exposição à luz artificial, alterações de turno no trabalho e, claro, o maior acesso a alimentos calóricos.

Os resultados das pesquisas até hoje disponíveis sobre refeições realizadas tarde da noite ainda precisam ser confirmados. No entanto, eles têm mostrado que os principais efeitos na saúde são os seguintes:

  • Obesidade e hipertensão
  • Diabetes
  • Mudanças no padrão do sono
  • Problemas gastrointestinais

Você vê peso e pressão subirem

Como os padrões alimentares têm se modificado nos últimos anos, as pessoas saltam refeições, acabam comendo qualquer coisa e até os cientistas têm tido dificuldade de identificar nesse tipo de dieta o que é café da manhã, almoço, jantar e lanche.

Mas uma coisa é certa: esse estilo alimentar leva a alterações no que os médicos chamam de marcadores cardiometabólicos, que sinalizam a obesidade, o aumento das taxas de gordura no sangue e da pressão arterial (hipertensão), entre outros.

Os resultados das pesquisas ainda são conflitantes e, portanto, precisam de maior aprofundamento, mas elas revelam que jantar tarde pode levar à obesidade.

A explicação para isso: como os humanos foram projetados para uma maior atividade durante o dia, à noite o metabolismo e o gasto calóricos são reduzidos. Isso colabora para o acúmulo de gordura.

Comer tarde ainda provoca a liberação de hormônios do estresse (adrenalina) que elevam a pressão arterial e não respeitar o espaço de 2 horas entre a refeição noturna e o sono é considerado fator de risco para doenças cardiovasculares, como o infarto e o AVC.

Embora todas essas conclusões ainda requeiram maiores esclarecimentos, padrões alimentares irregulares são considerados menos favoráveis para a saúde cardiológica e metabólica.

Dar maior atenção ao tempo e à frequência das refeições colabora para um estilo de vida mais saudável e ainda ajuda a prevenir problemas cardiometabólicas. A recomendação é da Associação Americana do Coração.

Você deixa espaço para o diabetes se instalar

Pesquisas que observam perfis de comportamento e crononutrição têm concluído que comer com intervalos menores, não pular o café da manhã, aumentar períodos de latência noturna (o maior intervalo entre o jantar e o café da manhã), jantar cedo e caprichar no café da manhã têm efeitos positivos na saúde metabólica.

Um recente estudo publicado pela revista médica European Medical Journal mostrou que pessoas que jantam cedo apresentam níveis de açúcar no sangue (glicemia) mais baixos quando comparadas a indivíduos que jantam tarde. E esse resultado não é influenciado pelo índice glicêmico dos itens da refeição.

Como, em geral, quem janta tarde exagera nos itens calóricos, entende-se que a prática pode influenciar negativamente o ritmo circadiano, alterando o seu padrão biológico.

A hipótese dos cientistas é que adaptar as refeições ao ritmo circadiano poderia ser uma alternativa não farmacológica para prevenir o diabetes e suas complicações.

Outro estudo concluiu que jantar menos de 2 horas antes de dormir aumenta o risco de vir a ter diabetes, o que estaria relacionado com a função que a melatonina tem no organismo:

Produzida à noite quando se aproxima a hora de dormir, a melatonina é responsável por adaptações fisiológicas do organismo, entre elas, os ajustes no metabolismo da glicose. Um exemplo disso é a menor sensibilidade insulínica durante o período noturno.

Assim, comer tarde pode acarretar alterações críticas ao nosso organismo, tal como o aumento da taxa de açúcar no sangue, o que facilita o aparecimento do diabetes.

Você vê seu sono indo de mal a pior

Exagerar no jantar, especialmente ingerindo alimentos ricos em calorias e gorduras pode atrapalhar a qualidade do sono. A razão para isso é a maior lentidão do processo digestivo, que naturalmente acontece por volta das 22h.

O resultado pode ser a sensação de desconforto que se relaciona ao atraso da redução da atividade elétrica do cérebro, conhecida como período de latência do sono.

Mesmo quando o sono chega, a distensão gástrica pode aparecer, levando ao refluxo do conteúdo estomacal. A consequência é o possível despertar no meio da noite.

Dormir mal também se relaciona à obesidade e a problemas cardiovasculares.

As evidências hoje disponíveis precisam ser confirmadas, mas os especialistas sugerem que, para ter uma boa noite de sono, além de jantar em horário favorável à digestão, é preciso dar preferência a alimentos ricos em triptofano —aminoácido precursor da melatonina e serotonina— que funcionaria como um sonífero natural. Um exemplo desses itens é a clássica xícara de leite.

Você anda de mãos dadas com o mal-estar

Embora o tempo de digestão (esvaziamento gástrico) possa variar de pessoa a pessoa, em geral esse processo requer 2 horas. Ao jantar tarde da noite, porém, esse tempo se alarga.

Uma das possíveis consequências é a indigestão: a pessoa acorda com a sensação de estômago cheio e podem estar presentes sintomas como náusea, vômito, dores abdominais.

Gases e estufamento do abdome também são comuns.

Quanto mais tempo o estômago fica cheio, maior é a chance de o conteúdo gástrico voltar pelo esôfago —tubo encarregado de levar o alimento da boca até o estômago— provocando uma condição conhecida como refluxo gastroesofágico, que causa queimação e amargor na boca.

Tem horário ideal para jantar?

Imagem: iStock

Como cada um tem seu próprio ritmo biológico, não existe uma hora ideal. O importante é que se dê um intervalo de 1h30 a 2h entre a última refeição e o momento de ir para a cama —sempre considerando que o processo digestivo é mais lento à noite.

Alguns estudos sugerem que o melhor horário para dormir é antes das 23h. Colocando em prática essa regra, o jantar deveria acontecer por volta das 21h.

Pessoas com diabetes e refluxo devem estar mais atentas ainda a esses limites de tempo.

Alimentos leves

Pode até ser que tenha gente que pode fazer uma refeição farta antes de dormir sem sentir incômodo algum. A maioria, porém, deve seguir a sugestão dos especialistas, que é dar preferência para carboidratos complexos, proteínas de boa qualidade, fibras e itens com baixo teor de gorduras.

Opte por saladas, frutas, legumes, torradas e pães integrais, peito de frango grelhado, mas sem exageros. Organize-se para incluir no cardápio noturno itens que garantem a sensação de saciedade e ainda fornecem energia ao longo da noite, tais como:

  • Leite
  • Iogurte
  • Queijos magros (minas, cottage)
  • Nozes
  • Sementes
  • Ovos
  • Peixes (sardinha, por exemplo)
  • Cereais integrais (arroz integral)
  • Pão integral
  • Frutas de médio e baixo índice glicêmico (maçã, pera, uva, ameixa, etc.)

Fique longe de alimentos ricos em cafeína e alimentos picantes. Estes facilitam a indigestão e trazem desconforto.

Fontes: Alan Luiz Eckeli, professor de neurologia e medicina do sono na FMRP-USP (Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo); Clóvis Massato Kuwahara, médico gastroenterologista, mestre em medicina e ciências da saúde, professor e preceptor do curso de medicina da PUC-PR, campus Londrina; Juliano Jefferson, profissional de educação física, nutricionista, especialista em fisiologia e performance do corpo humano, mestre e doutorando em fisiologia humana no Instituto de Ciências Biomédicas da USP; e Viviane Molinos, endocrinologista da SBEM-SP (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia - Regional São Paulo). Revisão técnica: Juliano Jefferson.

Referências:

Association of UK Dietitians

Asher G, Sassone-Corsi P. Time for food: the intimate interplay between nutrition, metabolism, and the circadian clock. Cell. 2015 Mar 26;161(1):84-92. doi: 10.1016/j.cell.2015.03.015. PMID: 25815987. Disponível em https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/25815987/

Garaulet M, Lopez-Minguez J, Dashti HS, Vetter C, Hernández-Martínez AM, Pérez-Ayala M, Baraza JC, Wang W, Florez JC, Scheer FAJL, Saxena R. Interplay of Dinner Timing and MTNR1B Type 2 Diabetes Risk Variant on Glucose Tolerance and Insulin Secretion: A Randomized Crossover Trial. Diabetes Care. 2022 Mar 1;45(3):512-519. doi: 10.2337/dc21-1314. PMID: 35015083; PMCID: PMC8918262. Disponível em https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/35015083/

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St-Onge MP, Ard J, Baskin ML, Chiuve SE, Johnson HM, Kris-Etherton P, Varady K; American Heart Association Obesity Committee of the Council on Lifestyle and Cardiometabolic Health; Council on Cardiovascular Disease in the Young; Council on Clinical Cardiology; and Stroke Council. Meal Timing and Frequency: Implications for Cardiovascular Disease Prevention: A Scientific Statement From the American Heart Association. Circulation. 2017 Feb 28;135(9):e96-e121. doi: 10.1161/CIR.0000000000000476. Epub 2017 Jan 30. PMID: 28137935; PMCID: PMC8532518. Disponível em https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/28137935/.

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