'Tomei remédios fortíssimos': ela tratou doença que não tinha por 10 anos

Uma fraqueza súbita em uma festa em 2011 levou Gabriela Trevenzolli, 32, a ser diagnosticada com esclerose múltipla, uma doença degenerativa. Dez anos depois, uma ida de rotina ao médico trouxe uma notícia inesperada: na verdade, ela tinha tido um AVC (acidente vascular cerebral). A VivaBem, ela conta sua história:

Fraqueza repentina

"Estava na balada com meus amigos, sentei e não conseguia mais levantar ou firmar o pé —foi do nada, não tive formigamento ou outro sintoma.

Todo mundo ficou assustado, não sabíamos se poderia ser alguma coisa na minha bebida. Minha boca ficou estranha e foi piorando: mão, braço, perna, pé. Todo o meu lado direito ficou comprometido.

Fui levada ao pronto-socorro e, em vez de me internar, me mandaram para casa achando que eu estava bêbada. Acredito que foram imprudentes, porque era nitidamente uma situação bem grave.

Não melhorei em casa e, na verdade, fiquei cada vez pior: até conseguia andar, mas tinha muita dificuldade. Voltei ao hospital dois dias depois e, desta vez, fui internada para fazer exames e fui diagnosticada com esclerose múltipla.

Fiz pulsoterapia (administração de altas doses de remédio por curtos períodos), fiquei internada duas semanas tomando corticoide e fazendo fisioterapia. Alguns movimentos voltaram com bastante dificuldade e não conseguia levantar o dedinho da mão.

Readaptação

Acabei voltando para a faculdade [ela era estudante de engenharia], mas, como tinha dificuldade para andar, usava cadeira de rodas. Fazia pelo computador as provas em que precisava escrever muito porque era cansativo.

Fiquei com tremor e espasmos para fazer movimento finos: escrever ou tomar água com a mão direita eu não consigo. Me maquiar, então, jamais. Meu tornozelo também é bem instável e já cai e quebrei o punho.

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Por 10 anos, fiz tratamento para esclerose múltipla e tomei diferentes medicações. Achava que a melhora era por causa dos remédios e, como não tive mais nenhum surto ao longo dos anos, era considerada uma 'esclerose múltipla branda'.

Até esquecia que tinha a doença, mas fazia acompanhamento anual com ressonância magnética.

'Um ano sem saber o que tinha'

Há dois anos, comecei a desconfiar que poderia não ser esclerose, depois que um dos exames apresentou uma lesão diferente. Levei um susto, porque pensei que poderia ser algo pior.

Eu falava: 'quero que seja esclerose, porque dá para tratar e é algo conhecido'. Não saber era terrível. Mas descobri que tenho trombofilia, o que facilita a formação de coágulos —e que o que eu tive em 2011 na verdade foi um AVC. Como era muito jovem, ninguém desconfiou na época.

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Tomei remédios fortíssimos, tarja preta, de infusão direta na veia, por muito tempo de forma desnecessária. Eu pensava: será que isso piorou o que tive? Se eu tivesse descoberto antes, será que seria diferente?

'Só tomo um comprimido'

Quando descobri que não tinha esclerose, fiquei aflita. Como ia dividir essa notícia? Tinha muitas seguidoras nas redes sociais com esclerose múltipla que se inspiravam na minha história, senti como se estivesse decepcionando.

Depois, encarei isso de maneira melhor: era uma notícia incrível e só tinha a agradecer porque é algo mais fácil de cuidar. Hoje, só tomo um comprimido por dia.

Claro que, quando descobri que foi um AVC, fiquei com medo de ter outros, mas qualquer pessoa está sujeita a isso. Já me acostumei e estou mais tranquila.

'Não tenho como apontar culpado'

Não tenho quem cobrar por esse erro. Minha primeira médica me deu o diagnóstico, mas depois fui em pelo menos outros 10 profissionais que concordaram com ela. Ninguém chegou a falar que poderia ser outra coisa.

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Meu atual neurologista me explicou que são diagnósticos parecidos, e que o cérebro é muito complexo e engana. Pode acontecer o contrário: a pessoa ser diagnosticada com AVC e ser esclerose múltipla —o que seria pior.

É ruim? É. Dá raiva? Dá. Mas não tenho como apontar uma pessoa culpada. E o que mais me chateia não é nem o diagnóstico errado, mas a atitude do médico plantonista que me mandou para casa no dia em que fiquei mal na festa.

Se fosse esclerose múltipla ou AVC, eu não poderia ter ido para casa naquele momento. Se tivesse sido medicada na primeira hora, talvez meu sintoma fosse mais leve hoje. Foram 48 horas em que fiquei ali, sem ser medicada e, quando falamos de cérebro, isso é muito tempo."

Confusão pode acontecer

Sintomas parecidos. Tanto esclerose múltipla quanto AVC podem ter como sintomas a fraqueza, dormência nos membros ou alteração na visão. No exame de ressonância magnética, as duas situações podem mostrar lesões parecidas.

Perfil do paciente é diferente. A esclerose múltipla é mais rara que o AVC, mas atinge pessoas mais novas: no geral, se manifesta entre 20 e 25 anos, mais próximo da idade que Gabriela tinha em 2011. Já o AVC costuma acontecer com pessoas entre 60 e 65 anos.

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Embora as duas doenças tenham sintomas parecidos, quando você começa a destrinchar, vê a diferença. No AVC isquêmico, que é o que pode ser confundido, a fraqueza tende a ser súbita e de um lado. Na fraqueza da esclerose, o processo é outro e pode ser nos dois lados simultaneamente.
Guilherme Diogo, neurologista e especialista em esclerose múltipla do Hospital São Luiz Itaim

Tratamentos são completamente diferentes. No caso do AVC, nas primeiras horas, é importante liberar o vaso que foi fechado — o que pode ser feito por remédios que "afinam" o sangue ou por um procedimento chamado trombectomia. No caso da esclerose, o primeiro atendimento deve ser a aplicação de corticoide para baixar a inflamação. Em ambas as condições, a ação reduz o risco de sequelas.

Erro poderia trazer consequências para Gabriela. Como o tratamento da esclerose múltipla mexe no sistema de defesa, o corpo do paciente pode ficar mais suscetível a infecções graves —além do risco de possíveis alergias.

Ideal é procurar especialista. Guilherme Diogo reforça a importância de procurar um especialista na doença identificada para que exames mais detalhados sejam feitos, minimizando a possiblidade de diagnóstico errado.

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