Não se engane: exames médicos demais podem fazer mal à saúde

Alguma vez você já saiu de uma consulta de rotina sem o pedido de, pelo menos, um hemograma? Apesar da realização de diversos exames nos dar uma sensação de cuidado com a saúde, a verdade é que estamos passando por mais procedimentos do que precisamos.

A empresária e influencer americana Kim Kardashian chamou a atenção ao fazer um post em seu Instagram sobre uma ressonância magnética que faz uso de uma nova tecnologia. Sem radiação, a máquina seria capaz de detectar câncer e aneurismas antes de qualquer sintoma. A atitude, no entanto, acende um alerta vermelho para os médicos.

"Quando fazemos exames indiscriminadamente passamos uma falsa ideia de proteção", explica Roberto Gil, diretor do Inca (Instituto Nacional de Câncer). Segundo ele, a melhor forma de evitar doenças é, na verdade, mudar os hábitos de vida: fazer exercícios, se alimentar bem e não fumar.

Luiz Paulo Rosa, médico de família e comunidade e mestrando em saúde coletiva pela UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte), dá nome a esse fenômeno de excessos: cascata iatrogênica.

"Quando pedimos um exame desnecessário ele pode vir alterado. Aí é necessária a realização de intervenções maiores para saber se o resultado de um exame simples estava certo ou não", explica.

Indicação é fundamental

Chris Hemsworth, ator que interpreta o personagem Thor na série de filmes de super-heróis da Marvel, decidiu dar uma pausa na carreira após fazer um exame que mostrou que ele tem alto risco de desenvolver Alzheimer.

A descoberta aconteceu quando o australiano estava gravando a série "Limitless", da Disney+, que fala sobre combater o envelhecimento.

Exames têm que complementar uma hipótese clínica. Exageros podem trazer consequências negativas e criar o medo de uma doença que não existe. José Alencar, cardiologista e especialista em medicina baseada em evidência

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Esse é o cenário que Chris Hemsworth vive hoje: ele não tem a doença, só o conhecimento de que, quem sabe, um dia ele possa ter.

A endocrinologista Fernanda Victor, que já foi colunista de VivaBem, falou sobre o excesso de pedidos de ultrassons de tireoide: "Os aparelhos atuais de ultrassom, com alta resolução, conseguem detectar nódulos muito pequenos (de cerca de 2 mm). O problema é que esses achados são interpretados como doença potencialmente grave, mesmo sem qualquer repercussão negativa na saúde, e ainda podem gerar muito transtorno e custos ao paciente".

Mesmo um simples ultrassom precisa ser solicitado após cuidadosa avaliação médica, não havendo necessidade de incluí-lo nos seus exames de check-up sem que haja uma indicação clara. Fernanda Victor, endocrinologista

Desigualdade no acesso

Luiz Paulo Rosa reforça que excesso de exames também está relacionado à classe social. Nem sempre, quem depende do SUS, consegue fazer o básico, mesmo com necessidade.

"Quem tem mais poder aquisitivo pode fazer exames sem indicação. Enquanto isso, há pessoas sem acesso a uma boa assistência médica que não conseguem realizar nem aqueles que, de fato, precisam", diz Rosa.

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Para Gil, do Inca, é importante também destacar que a sobrecarga no sistema de pedidos de exames faz com que a fila de espera só aumente porque a demanda é muito maior do que a capacidade de realização dos laboratórios.

"Quanto mais pessoas fazem procedimentos sem necessidade, mais quem precisa se prejudica. Isso funciona tanto no sistema público quanto no privado", explica o diretor do Inca. O que impacta também a qualidade de análise.

"Quando a demanda é grande, não são todos os locais que mantêm um bom padrão para verificar os resultados. Foge do controle, mas os pacientes não sabem disso", finaliza.

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