Detectar câncer, prever morte: o que IA fez para saúde e o que vem por aí
Nos Estados Unidos, durante a pandemia de covid-19, um garoto sofre de dores crônicas; a família então recorre a médicos de várias áreas, mas nenhum dos 17 profissionais de saúde visitados chega a um diagnóstico que conseguisse aliviar o incômodo do jovem.
Sem alternativas, a mãe recorre ao ChatGPT, inteligência artificial (IA) baseada em algoritmos de linguagem. Ao apresentar os sintomas do filho, a IA crava: o menino sofre de uma doença rara conhecida como espinha bífida, que acontece quando a formação e o fechamento normais da espinha dorsal, que protege a medula espinhal, não ocorrem.
Apesar de parecer roteiro de um filme, a história é real e foi noticiada em setembro deste ano no site do programa Today, da rede NBC.
Ainda longe de substituir médicos ou chegar ao ponto de identificar doenças apenas com uma leitura de biometria, é justo dizer que este ano foi marcado pelo "boom" da IA. A tecnologia ficou mais acessível ao público geral e o uso de algoritmos deu passos consideráveis dentro da área da saúde, ajudando no acompanhamento de doenças, prognósticos, diagnósticos e tratamentos.
Mas o que a IA realmente fez e ainda poderá fazer nos próximos anos? Acompanhe a seguir os feitos da inteligência artificial e as suas projeções para os próximos anos.
Como a IA pode ajudar na saúde?
Há mais de 200 algoritmos de inteligência artificial aprovados pela FDA (Food and Drug Administration), a agência que regula medicamentos e alimentos nos Estados Unidos. Além de impulsionar descobertas científicas, a IA monitora sinais vitais, simplifica fluxos clínicos e permite diagnósticos interativos.
Na prática, IA como o ChatGPT já estão ajudando médicos a revisar a literatura médica e ainda há o uso de algoritmos que atuam em funções que demandam um caráter de planejamento, poupando tempo e recursos no dia a dia.
Mas é preciso ir com calma. "Por mais que não pareça, estamos falando de uma área que está só no começo, em sua pré-história. São pouquíssimas aplicações na saúde de fato. Entre elas, a gestão de fila de pacientes, quanto tempo será preciso de consulta, e uma triagem, em termos de gravidade, para o especialista atender", diz Alexandre Chiavegatto Filho, professor de inteligência artificial na Faculdade de Saúde Pública da USP.
De câncer a 'prever' morte: o que IA já fez e está fazendo pela saúde?
O uso da IA na saúde está diretamente ligado ao acesso e gerenciamento de dados. É como se o profissional de saúde pudesse contar com uma "mãozinha" da IA para compreender e identificar resultados, que antes poderiam passar despercebidos.
É o que revela, por exemplo, um estudo realizado na Suécia, publicado na revista Lancet, que mostra que o uso da inteligência artificial na análise de mamografias não apresenta riscos, conforme dados iniciais.
Com uma amostra de 80 mil mulheres, divididas em dois grupos, o estudo comparou a detecção de cânceres entre radiologistas tradicionais e um programa de IA em conjunto com um radiologista.
A IA identificou 20% mais casos de câncer, sem aumentar a taxa de falsos positivos. Esses resultados indicam a possibilidade de reduzir a necessidade de radiologistas no rastreio do câncer de mama, embora a confirmação ao longo do tempo seja crucial.
Para além do rastreio de câncer, cientistas dinamarqueses desenvolveram o algoritmo de inteligência artificial life2vec, capaz de prever, entre outras coisas, a probabilidade de morte com base em dados da vida de uma pessoa.
O life2vec mapeia diversos fatores da vida, incluindo profissão, lesões e gravidez, para fazer previsões sobre diversos aspectos da vida, incluindo a possibilidade de morte nos próximos anos.
Utilizando informações de mais de 6 milhões de pessoas entre 2008 e 2016, o modelo acertou em 78% das vezes.
Embora promissor, questões de privacidade e regulamentações podem restringir sua utilização prática. O estudo foi publicado na revista Nature Computational Science.
A inteligência artificial na saúde do Brasil
No Brasil, Chiavegatto Filho compartilha resultados promissores nas pesquisas que coordena e trabalha feitas no LABDAPS. O laboratório de big data e análise preditiva em saúde da USP desenvolve algoritmos de IA usando machine learning (aprendizado de máquina), para melhorar decisões em saúde.
Nosso laboratório está descobrindo coisas novas, desenvolvendo algoritmos para predizer qual a chance de pacientes com câncer virem a óbito nos próximos anos, sobre o risco de óbito por covid-19 e do paciente ir para UTI. Alexandre Chiavegatto Filho, professor de inteligência artificial na Faculdade de Saúde Pública da USP
Um dos estudos referidos pelo professor foi publicado em dezembro deste ano no periódico Artificial Intelligence in the Life Sciences. A pesquisa usa a inteligência artificial aplicada ao machine learning para calcular o risco de mortalidade em pacientes com neoplasia maligna em São Paulo.
A pesquisa sobre uso de IA para identificar risco de mortalidade por covid-19 foi publicada em janeiro na revista Scientific Reports.
"O acerto da predição de óbito entre pacientes com câncer foi de 87%. No caso de cânceres específicos, como o de próstata, chegou a 92%. Ter esses dados pode mudar a escolha de tratamento, mais ou menos agressivo, de acordo com as projeções do algoritmo usado pela IA", diz o professor.
Qual o futuro da IA na saúde?
Para Chiavegatto Filho, a inteligência artificial vai ser a maior transformação da história da saúde. "Temos que garantir que os algoritmos aprendam de acordo com o passar do tempo. Esse aprendizado contínuo vai mudar o desfecho de pacientes", acredita.
Pensando no cenário brasileiro, o professor afirma que a desigualdade e dificuldade de compilação de dados são desafios a serem enfrentados no país, quando se fala no uso de inteligência artificial.
"Temos desafios técnicos, um deles é garantir que os algoritmos não perpetuem a desigualdade e tomem decisões justas em todas as regiões do Brasil. É preciso implementar o prontuário eletrônico, unificando dados de pacientes de todo o país, mas essa ainda não é uma realidade, existem lugares em que isso ainda é feito no papel", aponta.
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