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O que acontece no seu corpo quando você está de ressaca

Imagem: Arte UOL

Cristina Almeida

Colaboração para VivaBem

02/01/2024 04h05

Para poder beber até cair sem se preocupar com a ressaca, vale qualquer coisa —até acreditar no efeito de receitas populares que indicam tomar café, banho e até uma colher de azeite para forrar o estômago.

Como essas receitas não funcionam, a única forma de evitar uma ressaca é abster-se de bebidas alcoólicas ou ingeri-las em quantidade mínima. Caso contrário, o resultado é previsível: uma intoxicação decorrente de alterações bioquímicas e inflamatórias.

Aí é só uma questão de tempo até que os sintomas apareçam: dor de cabeça, cansaço, fraqueza, náuseas, vômitos, dor muscular, tontura, sensibilidade à luz e ao som, sudorese, irritação, etc.

Quanto maior for o consumo de álcool, maior é possibilidade de ter uma ressaca e sintomas mais intensos.

75% das pessoas tiveram um episódio dela, ao menos parte das vezes em que se excederam.

Existe relação entre aumento de doses na semana e a frequência do problema.

Cerca de 45% das pessoas que bebem mais que 8 (mulheres) e 15 (homens) doses por semana (beber pesado) têm ressaca 1 ou mais vezes a cada mês.

Como seu organismo reage?

Os efeitos de uma ressaca variam de pessoa a pessoa —de acordo com a sensibilidade individual ao álcool. E eles também não são exatamente iguais em todas as ocasiões em que se abusa da bebida.

Apesar disso, a intoxicação pelo álcool pode levar aos seguintes quadros:

  • Dor de cabeça
  • Desidratação e desequilíbrio eletrolítico
  • Problemas gastrointestinais
  • Hipoglicemia
  • Alteração do sono e do ritmo circadiano
  • Sintomas de abstinência

A cabeça parece que vai explodir

A cefaleia decorrente de uma ressaca é a queixa mais comum de quem bebeu demais. Até o momento não foi totalmente esclarecido porque isso acontece. No entanto, sabe-se que o álcool promove o alargamento dos vasos sanguíneos (vasodilatação), fator que colabora para o aparecimento desse sintoma.

Outra hipótese é que o excesso de álcool tem efeito sobre variados neurotransmissores e hormônios associados à dor, como a histamina, serotonina e a prostaglandina.

O corpo seca rapidamente

Como o álcool tem efeito diurético, as idas ao banheiro aumentam.

Cerca de 4 doses podem levar à eliminação de 600 ml a 1.000 ml de água.

Esse efeito decorre da inibição —pelo álcool— de um hormônio antidiurético chamado vasopressina. Isso impede que os rins retenham água, o que aumenta a quantidade de urina.

O processo de desidratação também se dá por meio da sudorese e da perda de outros fluídos e minerais (desequilíbrio eletrolítico), o que pode ocorrer por meio do vômito e da diarreia —geralmente presentes nesse quadro.

Boca seca, tontura e fraqueza são outros sintomas comuns.

O sistema digestivo é bombardeado

Para metabolizar o álcool, o fígado produz uma enzima chamada álcool desidrogenase, que transforma a substância em acetaldeído. Este, um componente tóxico que contribui para a inflamação do órgão, além do pâncreas, cérebro, entre outros, como o intestino e estômago.

Os danos podem ser ainda mais potentes quando o teor alcoólico da bebida ingerida é maior que 15%.

Atraso do esvaziamento gástrico, dor e náusea sinalizam esse processo.

Ao longo do tempo, a repetição desse comportamento promove o aumento da gordura no fígado, estimula a produção de ácido gástrico, além de outras secreções pancreáticas e intestinais, alterando o funcionamento dos respectivos órgãos.

A reserva de açúcar no sangue despenca

Isso explica ouvirmos falar que alguém bebeu tanto que precisou tomar glicose na veia. Durante uma bebedeira, as pessoas geralmente comem pouco. Além disso, a presença de álcool no organismo promove variadas alterações no fígado e outros órgãos, que resultam em redução das taxas de açúcar, a chamada hipoglicemia.

Quando o consumo é frequente e a dieta é pobre, não somente há queda da glicemia, como da sua reserva orgânica.

Como a glicose é a fonte primária de energia para o cérebro, sua ausência leva a sintomas como cansaço, fraqueza, tonturas e mudanças de humor.

O sono vem, mas não há descanso

A princípio, o álcool possui efeito sedativo. Então, ele até pode facilitar o início do sono só para, em seguida, promover distúrbios na sua duração e qualidade.

Isso significa que a substância altera o padrão normal do repouso, reduzindo o período de sono mais profundo (REM - caracterizado pelo movimento rápido dos olhos) e alongando o período de sono de ondas lentas, que é menos profundo e reparador.

O álcool também relaxa os músculos da garganta, facilitando o ronco e até a apneia obstrutiva do sono.

Com o poder de alterar os ritmos biológicos do corpo, o álcool também altera a temperatura, a secreção de hormônios como o cortisol, que tem papel no metabolismo de carboidratos e resposta ao estresse.

O conjunto dos sintomas provocados nesse quadro é semelhante ao de um jet lag: dor no corpo, cansaço, sonolência, problemas gastrointestinais, etc.

O cérebro sente a "falta que o álcool faz"

Exceder-se com o álcool pode trazer, inicialmente, a sensação de relaxamento e euforia. Tendo de lidar com uma substância depressiva do SNC (sistema nervoso central), o cérebro pode tentar equilibrar a situação quando seus níveis começam a baixar provocando sintomas de abstinência.

Os especialistas se referem a esse quadro como mudança compensatória. Tremores, sudorese e taquicardia podem aparecer, simulando uma síndrome de abstinência.

O álcool não é o único vilão

Imagem: iStock

Embora a substância seja a principal responsável pelo desconforto decorrente do abuso de seu consumo, outros componentes das bebidas alcoólicas podem colaborar para o aparecimento da ressaca e até agravá-la.

Sulfitos são substâncias adicionadas ao vinho para sua conservação: pessoas com maior sensibilidade podem ter dor de cabeça.

Outras substâncias que são produto da fermentação (são chamados de congêneres) também colaboram para a ressaca. Acetonas, acetaldeídos, taninos, substâncias que alteram a coloração e o sabor das bebidas são exemplos.

A uva fermentada também pode ser um ingrediente irritativo da mucosa digestiva, portanto pode provocar incômodo estomacal e induzir gastrite e esofagite.

O metanol também pode estar presente. Ao contrário do "etanol" (ou álcool etílico), ele não é metabolizado adequadamente pelo organismo e gera substâncias tóxicas e potencialmente fatais.

Estava ruim, parece que piorou

De modo geral, a ressaca começa quando a concentração de álcool no sangue alcança determinado volume (0,11% a 0,12%).

Os sintomas, porém, só aparecem quando essa quantidade começa a se reduzir —cerca de 6 a 8 horas depois da bebedeira. A duração do mal estar pode ser de aproximadamente 24 horas.

Mais idade, mais ressaca?

Os cientistas dizem que não. Eles observaram a relação entre idade, intensidade e frequência da ressaca. A pesquisa avaliou 761 consumidores de álcool com idades entre 18 e 94 anos, a maioria mulheres.

A conclusão a que chegaram: a ressaca reduz com o passar dos anos, mesmo após terem considerado o número de doses consumidas e a concentração de álcool no sangue.

Diferenças entre homens e mulheres apareceram somente no grupo mais jovem.

Ter mais ou menos ressaca tem a ver com a sensibilidade individual ao álcool.

A hipótese que explica a redução dos episódios é o declínio da sensibilidade à dor durante o envelhecimento. Dados publicados pelo jornal acadêmico Alcohol & Alcoholism.

E se eu mudar de drinque?

Para algumas pessoas, os ingredientes de alguns tipos de bebidas alcoólicas podem agravar a ressaca. Em teoria, escolher bebidas pobres neles reduziria o risco de ser derrubado no dia seguinte.

As bebidas que mais possuem congêneres [substâncias não-alcóolicas produzidas durante a fermentação, como acetona, acetaldeído e taninos] são bebidas escuras, como o bourbon (um tipo de uísque) e o conhaque, quando comparadas às mais claras, como o gim ou a vodca.

Confira o ranking das bebidas que mais causam ressaca, de acordo com o jornal The New York Times:

  • Conhaque
  • Vinho tinto
  • Rum
  • Uísque
  • Vinho branco
  • Gim
  • Vodca

Apesar de esses dados terem se baseado em um relatório da revista científica British Medical Journal, exagerar em qualquer tipo de bebida alcoólica facilita —e muito— a ressaca.

Saiba como lidar

Os especialistas consultados afirmam que a melhor forma de prevenir uma ressaca é evitar exageros. Sim, porque o único jeito de o típico mal-estar passar é esperar até que as substâncias tóxicas do álcool sejam completamente eliminadas do organismo.

Apesar disso, algumas medidas ajudam a aliviar os sintomas relacionados. Confira:

Procure repousar e até dormir.

Capriche na hidratação (você pode incluir bebidas isotônicas, sucos de frutas naturais) e retome a dieta normal. Essas medidas combatem a hipoglicemia (níveis baixos de açúcar no sangue) causada pelo excesso de álcool e ainda repõem os minerais perdidos.

Converse com seu farmacêutico de confiança para que ele possa indicar medicamentos isentos de prescrição que aliviam a dor de cabeça, dores musculares e enjoo (analgésicos, antiácidos e antieméticos, por exemplo).

Evite a automedicação, especialmente com o paracetamol, porque ele não combina com álcool e pode sobrecarregar ainda mais o seu fígado, prejudicando-o.

Fontes: Edmundo Lopes, coordenador da Área Assistencial de Gastroenterologia do HC-UFPE (Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco), que integra a rede Ebserh (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares) e professor titular da disciplina de gastroenterologia da Faculdade de Medicina do Recife/Centro de Ciências Médicas da UFPE; Leonardo Fazzio Marchetti, médico do Programa de Ações Integradas para a Prevenção e Atenção ao Uso de Álcool e Drogas na Comunidade, responsável técnico pelo Caps-AD de Sertãozinho (SP), e diretor clínico do Hospital Santa Tereza (Ribeirão Preto); Rafael Mendonça Rey dos Santos, médico de família e comunidade e professor da disciplina de medicina de família da Escola de Medicina e Ciências da Vida da PUC-PR. Revisão médica: Edmundo Lopes.

Referências:

Verster JC, Severeijns NR, Sips ASM, Saeed HM, Benson S, Scholey A, Bruce G. Alcohol Hangover Across the Lifespan: Impact Of Sex and Age. Alcohol Alcohol. 2021 Aug 30;56(5):589-598. doi: 10.1093/alcalc/agab027. Erratum in: Alcohol Alcohol. 2021 May 07;: PMID: 33822860; PMCID: PMC8406052. Disponível em https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC8406052/

Swift R, Davidson D. Alcohol hangover: mechanisms and mediators. Alcohol Health Res World. 1998;22(1):54-60. PMID: 15706734; PMCID: PMC6761819. Disponível em https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/15706734/

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