Gosta de acordar cedo? DNA neandertal pode explicar hábitos matutinos
É natural do ser humano buscar características semelhantes, sejam físicas ou comportamentais, nos pais, irmãos, tios ou avós. Os testes genéticos e de ancestralidade apontam também o interesse em descobrir origens e possíveis genes que indiquem riscos à saúde. Mas já imaginou que o fato de ser uma pessoa que gosta de acordar cedo esteja relacionado a um parentesco bem longínquo ligado aos neandertais?
É o que revelou um estudo publicado em 14 de dezembro de 2023 na revista Genome Biology and Evolution. De acordo com os pesquisadores norte-americanos, o DNA do neandertal —espécie de hominídeo mais próxima da nossa e que desapareceu há cerca de 40 mil anos— permanece nos humanos com possível impacto na propensão em ser uma pessoa matutina.
A pesquisa empregou registros do banco de dados biomédico do Biobank do Reino Unido, que contém informações genéticas e de saúde detalhadas de meio milhão de voluntários não identificados. Os pesquisadores buscaram a presença de variantes circadianas dos neandertais, a partir de um conjunto de 246 genes e com o uso da inteligência artificial.
Nas palavras de Erika Treptow, pneumologista especialista em medicina do sono do Fleury Medicina e Saúde, as descobertas identificaram diferenças na regulação genética circadiana entre os grupos, embora algumas características se mantenham desde os ancestrais. "A tendência de acordar mais cedo foi uma característica mantida ao longo dos anos no presente estudo e pode auxiliar a entender as preferências quanto ao horário de dormir e acordar da população", diz.
Segundo ela, a determinação do cronótipo —predisposição de cada pessoa em relação aos horários de acordar e dormir— tem um importante componente genético. "E como a matutinidade se manteve, conforme demonstrado no estudo, é possível que seja resultado de um processo adaptativo da evolução", enfatiza.
Mas todo mundo deve ser matutino?
Para Claudia Moreno, bióloga, especialista em cronobiologia do departamento de saúde, ciclos de vida e sociedade da USP e membro da ABS (Associação Brasileira do Sono), o chamado cronótipo, ou tipo cronobiológico, é uma característica com uma determinação genética e, ao mesmo tempo, ambiental e social.
Existem os chamados genes relógio, como o P3, o CLOCK e vários outros relacionados à ritmicidade circadiana. No entanto, a exposição à luz e, portanto, o fotoperíodo, que é decorrente das diferentes latitudes, ou seja, quantas horas de claridade e de escuro a pessoa está exposta no lugar onde ela reside, tem um efeito também nessa determinação do cronótipo.
"É o que se chama de plasticidade fenotípica, ou seja, o fenótipo vai variar. Uma pessoa que mora, por exemplo, em São Paulo, na latitude de São Paulo, e vai para uma latitude mais próxima do Equador, por exemplo, em Natal, no Rio Grande do Norte, ela tem uma tendência de, com o tempo, ficar mais matutina do que ela era em São Paulo", diz Moreno.
O estudo analisa os genes dos indivíduos, e mostra que temos essa herança matutina, mas o ambiente pode mudar a expressão do nosso cronótipo. "O fenótipo é também influenciado por questões sociais, hora de trabalhar, de dormir, de acordar. De certa forma, a pessoa sendo vespertina, quando tem uma imposição social que a obriga a acordar e dormir mais cedo, ela tem, sim, uma restrição de sono, mas se torna menos vespertina porque ajusta, de certa forma, fenotipicamente, a expressão do seu cronótipo para a situação em que vive."
Qual a vantagem de um estudo do tipo?
"A presença do DNA do neandertal em populações humanas modernas fornece informações valiosas sobre a interação entre Homo sapiens e os neandertais durante a evolução humana", afirma Ricardo Di Lazzaro, doutor em genética e cofundador da Genera, laboratório de exames de DNA e testes de ancestralidade.
No Brasil, segundo levantamento da Genera, estima-se que cada brasileiro tenha uma média de 2,5% do DNA neandertal em seu genoma. "A descoberta destaca a continuidade da herança genética ao longo do tempo e estimula pesquisas em genética comportamental e evolução humana, desvendando como características complexas, como do sono, podem ser influenciadas por uma combinação de fatores genéticos e ambientais. Essa compreensão colabora com potenciais aplicações no desenvolvimento de intervenções voltadas para o bem-estar", explica Di Lazzaro.
Além disso, alguns estudos sugerem que os genes herdados dos neandertais podem estar associados a condições de saúde, como doenças autoimunes, distúrbios neuropsiquiátricos e risco cardiovascular aumentado, mas também com características como tom de pele, cor do cabelo, altura, entre outras.
No entanto, de acordo com Di Lazzaro, a presença desses genes não implica em risco significativo de problemas de saúde. "Em muitos casos, esses genes teriam desempenhado papéis adaptativos ao longo da evolução humana."
Cronótipo e saúde
Durante a vida, algumas mudanças ocorrem de forma natural na preferência de horários para dormir e acordar, segundo Treptow. As crianças têm um padrão mais matutino, com tendência a acordar mais cedo. Já na adolescência, é frequente alterar para um padrão vespertino, com predisposição a deitar e se levantar mais tarde. À medida que se atinge a idade adulta ocorre uma modificação para um padrão menos vespertino que dos adolescentes.
Em relação ao benefício em ser uma pessoa matutina, Moreno diz que é estar, de certa maneira, ajustada à sociedade, que é mais matutina, reduzindo os riscos de desenvolver determinados problemas, como obesidade e depressão. "Se a sociedade funcionasse mais tarde, digamos que todo mundo começasse a trabalhar depois do almoço, e as pessoas pudessem acordar mais tarde, ficar descansando em casa, dormir mais tarde, por exemplo, muito provavelmente, os vespertinos estariam mais ajustados a essa imposição social e não desenvolveriam algumas doenças."
Treptow explica que as pessoas que trabalham em turnos apresentam elevado risco de problemas de saúde, pois isso leva a uma dessincronização do ritmo circadiano e desregulação hormonal com consequências à saúde. "O trabalho de turno está associado ao aumento da incidência de câncer, obesidade, doenças cardiovasculares, transtornos de humor, distúrbios gastrointestinais e risco de acidentes. Além disso, não são todas as pessoas que conseguem se adaptar ao trabalho noturno. Uma pessoa matutina, por exemplo, pode apresentar muita dificuldade em trabalhar à noite e descansar durante o dia."
Há também evidências que mostram que mulheres em idade fértil, com intenção de engravidar, por exemplo, demoram mais para engravidar quando trabalham à noite, além de aumento do risco de parto prematuro e de baixo peso. Segundo Moreno, existe a recomendação de que gestantes não trabalhem mais do que uma noite por semana, quando têm que trabalhar à noite.
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