42 dias até o parto: como é possível manter gestação com morte cerebral?
Halana Santos Souza, 29, teve morte cerebral durante a gravidez e, até que o filho ganhasse peso suficiente na barriga dela, a equipe médica precisou mantê-la em aparelhos por 42 dias no Hospital Infantil Francisco de Assis, em Cachoeiro de Itapemirim (ES). O bebê Rhuan nasceu em junho e teve alta em novembro do ano passado.
Como é possível manter a gestação após morte cerebral?
Halana teve morte cerebral, quadro irreversível, em que há ausência das funções cerebrais. A família precisou autorizar a decisão de mantê-la em aparelhos para seguir com a gestação.
Para uma pessoa ser mantida em aparelhos nessas condições, há uma série de medicamentos e equipamentos utilizados para controlar as funções do corpo —sobretudo quando a família autoriza a doação de órgãos.
No caso de uma gravidez, é preciso continuar com o fluxo sanguíneo para o útero e ainda seguir com a nutrição do bebê. "Isso tudo é feito como uma tentativa para que a gestação consiga chegar em um período suficiente para a criança sobreviver", explica Rossana Francisco, professora da Faculdade de Medicina da USP e diretora da Divisão Obstétrica do HC.
O bebê, prematuro extremo, nasceu quando a mãe completou 26 semanas de gestação. Rhuan pesava 825 gramas. Ele recebeu alta no dia 9 de novembro depois de passar 136 dias (quase 5 meses) internado no hospital.
Especialistas explicam que, mesmo com todo esforço da equipe, o bebê poderia morrer. A criança era acompanhada diariamente: os especialistas analisavam o crescimento e as funções vitais dela.
Nos hospitais de maior porte, o bebê pode "ficar pronto para o nascimento" a partir de 25 e 26 semanas —cerca de 6 meses. Em hospitais com menos estrutura, o período pode ser menor, pois dependem da disponibilidade de equipamentos.
Casos como esse são bastante raros em todo o mundo. Uma publicação científica de 2010 indicou que, para manter a gestação nestas condições, é preciso garantir suporte respiratório e nutricional da gestante, além de manter a temperatura do corpo regulada. Também pode ser preciso administrar anticoagulantes. Há, ainda, risco de infecção —tudo isso deve ser levado em conta pela equipe médica para manejar os casos.
O caso de Halana contou com a ajuda do projeto TeleUTI, iniciativa do Ministério da Saúde com o Hospital das Clínicas, na USP. O TeleUTI surgiu na época da pandemia para atender gestantes e puérperas, mas teve continuidade para reduzir mortes maternas. Assim que Halana teve morte cerebral, a equipe do Hospital Infantil Francisco de Assis entrou em contato com profissionais do HC.
A ideia é compartilhar nossa experiência em casos raros e complicados com outros hospitais. A gente só discute o caso com a equipe que está acompanhando a paciente. Quem toma todas as decisões são eles —e não nós. Rossana Francisco, professora da Faculdade de Medicina da USP e diretora da Divisão Obstétrica do HC