Ele teve burnout: 'Meu erro foi achar que profissão era um hobby'

Com uma carga horária de 12 horas por dia, trabalhar muito era o normal do cabeleireiro e colorista Lucas Possetti, 38, uma realidade de muitos profissionais de beleza. Sem lazer e descanso, ele sofreu um burnout (esgotamento profissional) que afetou diretamente sua saúde física e mental. Em um momento de estresse, chegou a jogar uma lixeira na parede do salão.

Durante e após a pandemia, o embaixador da L'Oréal Professionnel realizou algumas mudanças em busca de qualidade de vida: resgatou um hobby, passou a estabelecer horários de atendimento e participou de um programa focado na saúde mental de cabeleireiros. A seguir, o profissional que atua no MG Hair Design compartilha sua jornada:

"Comecei a ter contato com beleza e cabelo ainda jovem, quando era estudante de teatro. Na época, interpretava o espantalho do Mágico de Oz, fazia o meu cabelo, minha maquiagem e ajudava a produzir os meus colegas. A diretora viu minhas habilidades e me incentivou a fazer um curso de cabeleireiro.

Nunca tinha pensado em atuar na área, morava em uma fazenda no interior de São Paulo com os meus pais e irmãos. Era da roça, dirigia trator, tirava leite de vaca, nosso sustento vinha da agricultura. No fim, acabei me matriculando em um curso.

Durante as aulas, fiz um estágio sem remuneração no salão de uma amiga para ganhar experiência. Após o término, falei para a minha mãe que ia embora para a capital em busca de novas oportunidades. Ela achou que eu era maluco porque tinha passado na faculdade de odontologia, mas decidi ir atrás do meu sonho.

São tantas histórias que o salão se torna um divã

Em mais de 20 anos de carreira, trabalhei em três salões, fiz diversos cursos e especializações e me tornei educador na área. Foquei na profissão e nos estudos. Tinha horário pra começar, mas não para terminar, trabalhava em média 12 horas por dia.

Muitas clientes me ligavam pedindo um horário na agenda, eu não sabia dizer não. Pensava, se eu recusar elas vão fazer o cabelo com outro profissional, se eu deixar de atender vou ganhar menos.

Trabalhar em excesso e viver essa loucura era o meu normal, não sabia o que era sair do salão e ter um lazer ou descanso, como ir ao cinema ou ficar em casa deitado no sofá.

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Meu erro era achar que, por gostar tanto da minha profissão, isso era um hobby, mas não é, são coisas diferentes.

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Imagem: Gustavo Arrais/Divulgação
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Imagem: Arquivo pessoal

Um outro ponto é que todo cabeleireiro é meio terapeuta e um bom ouvinte, a gente mais ouve do que é ouvido. São tantas histórias que o salão se torna um divã.

Para se ter ideia, segundo uma pesquisa, os cabeleireiros passam em média 2.000 horas por ano ouvindo os clientes. Converso com as minhas clientes sobre os mais diversos assuntos, mas aquelas com quem tenho amizade e intimidade falamos sobre questões pessoais.

Algumas histórias mexem muito comigo, como a de uma cliente que teve câncer de mama. Esse é um assunto sensível para mim, faz eu me sentir mal e reativa várias emoções e sentimentos porque minha mãe morreu de câncer. Mesmo assim, ouvia a cliente porque sabia que ela precisava desabafar, queria demonstrar o meu apoio e mostrar que ela não estava sozinha.

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Sentia dormência nas mãos e perdia a paciência com facilidade

O excesso de trabalho me sobrecarregou fisicamente e afetou a minha saúde mental. Sentia dores de cabeça, dormência nas mãos, vivia cansado, me automedicava, tinha insônia, às vezes minha vista escurecia do nada, perdia a paciência com facilidade e explodia por coisas simples.

Teve um dia que estava no final do expediente e fui tirar uma selfie com uma cliente. Pedi várias vezes para alguém da equipe tirar a lixeira atrás de nós, mas ninguém estava prestando atenção. Fiquei tão estressado que peguei a lixeira e joguei na parede. Todo mundo ficou sem reação, minha cliente perguntou se estava tudo bem, disse que estava tudo ótimo, mas a verdade é que não estava.

Fui tentar entender o que estava acontecendo comigo e, ao pesquisar na internet, descobri que os meus sintomas batiam com a síndrome de burnout. Tempos depois, pude aprofundar esse diagnóstico e ter acesso a uma rede de apoio.

Música e guitarra ajudaram a me reconectar comigo

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Imagem: Arquivo pessoal
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Durante a pandemia, desacelerei, passei a me cuidar e resgatei um hobby da adolescência. No período em que os salões e vários estabelecimentos ficaram fechados, intensifiquei os estudos de música, fazia aulas online e ficava horas tocando guitarra. Isso me ajudou a me reconectar comigo.

Uma outra mudança foi aprender a me valorizar, valorizar o meu horário de trabalho e a organizar melhor a minha agenda. Quando os salões voltaram a funcionar, mantive o esquema de estabelecer horários específicos de atendimento, agora tenho hora para entrar e para sair, salvo algumas exceções.

Também aprendi a dizer não para as clientes. Só marco química na parte da manhã porque os procedimentos são demorados e quando fazia à tarde ficava no salão até a noite. Essas mudanças beneficiaram a mim e a minha equipe que passou a ter mais tempo livre também.

Este ano participei de um programa global criado pela L'Oréal Professionnel, o HeadUp, que conscientiza sobre os desafios de saúde mental enfrentados pelos cabeleireiros e oferece um treinamento virtual gratuito com vídeos e orientações sobre o tema.

No Brasil, eles lançaram o Mapa da Saúde Mental, que é muito interessante e dá apoio, acolhimento e disponibiliza locais de atendimento psicológico, gratuitos e pagos, a profissionais?de?beleza.

A iniciativa também fornece materiais informativos que auxiliam no diagnóstico sobre saúde mental e dá dicas sobre como combater estigmas, ter autocuidado, promover um ambiente de trabalho saudável, entre outros assuntos.

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Adoro o meu trabalho, é gratificante poder ajudar na transformação das minhas clientes e deixá-las felizes.

Aos meus colegas cabeleireiros incentivo a buscarem ajuda se estiverem se sentindo sobrecarregados, a terem um estilo de vida mais saudável e a procurarem uma alguma atividade que lhes dê prazer fora do salão."

Como cuidar da saúde mental?

  • Pratique mindfulness

A atenção plena reduz o estresse e a ansiedade, melhora a concentração e aumenta a consciência do momento presente.

  • Pratique a respiração consciente
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Reserve alguns minutos do seu dia para respirar com calma e profundamente, observando sua respiração e ouvindo seu corpo de forma consciente. Isso ajudará a diminuir o estresse. Quando estamos estressados, não percebemos como nossa respiração fica rápida e ofegante.

  • Faça exercícios físicos regularmente

Se exercitar libera endorfina, o hormônio do bem-estar, melhora o humor, aumenta a energia e reduz o estresse.

  • Aprenda a dizer não

Estabelecer limites saudáveis auxilia na diminuição do estresse causado pela sobrecarga de tarefas e compromissos.

  • Estabeleça metas realistas e mensuráveis
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Não adianta querer emagrecer 20 kg em um mês, isso será inviável, vai gerar uma alta carga de estresse e sentimento de frustração.

O indicado é estabelecer uma meta realista, como buscar uma alimentação balanceada, fazer atividade física e emagrecer de 1 a 3 kg até o período desejado. Ao bater a meta realista, a sensação de vitória vai promover sentimentos de realização e aumento da autoestima.

Conheça os sinais que indicam que estamos no limite

Alterações no sono: insônia, pesadelos, dificuldade para pegar no sono, sono inquieto, não reparador.

Alterações no apetite: mudanças significativas nos hábitos alimentares, como comer em excesso ou perder o apetite e ficar muito tempo sem se alimentar.

Fadiga constante: sentir-se cansado além do normal, não ter vontade de fazer nada, rejeitar convites que normalmente aceitaria, por exemplo, ir a eventos sociais ou sair com amigos.

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Isolamento social: evitar atividade sociais e não querer encontrar/ver outras pessoas.

Dificuldades de concentração: problemas para se concentrar em tarefas que antes pareciam simples.

Mudanças drásticas de humor: irritabilidade, tristeza profunda ou explosões emocionais que antes não eram comuns.

Se você perceber algum desses sinais é indicado procurar orientação de um profissional de saúde mental, como um psicólogo. Ele ajudará a identificar as causas subjacentes, fornecer estratégias de enfrentamento e oferecer apoio em períodos desafiadores.

Além disso, conversar com amigos, familiares ou colegas de confiança pode ser um primeiro passo importante para buscar ajuda.

Entenda o que é a síndrome de burnout

Lucas com o marido
Lucas com o marido Imagem: Arquivo pessoal

A síndrome de burnout é um transtorno que se desenvolve gradualmente devido a desajustes entre o trabalho e o indivíduo e decorre da exposição crônica a agentes estressores em que a pessoa não dispõe de mecanismos para confrontá-los.

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A síndrome se apresenta em três dimensões: exaustão emocional, despersonalização e redução da realização pessoal.

A exaustão emocional é caracterizada pelos sentimentos de sobrecarga dos recursos físicos e emocionais, levando a um esgotamento de energia nas situações envolvendo o trabalho.

A despersonalização é um sintoma de natureza psicológica em que a pessoa se sente desconectada ou separada de si. Pode incluir sentimentos de estranheza em relação ao próprio corpo, pensamentos ou percepções.

A redução da realização pessoal refere-se a uma diminuição no senso de satisfação. Pode estar relacionada à falta de cumprimento de metas pessoais, insatisfação profissional e sensação de vazio. Pode contribuir ainda para sentimentos de desânimo, apatia e falta de motivação.

Os principais sintomas da síndrome de burnout são:

  • cansaço excessivo físico e mental
  • dor de cabeça frequente
  • alterações de apetite
  • insônia
  • dificuldades de concentração
  • alterações de humor
  • ansiedade
  • depressão
  • alteração dos batimentos cardíacos
  • dormência em partes do corpo
  • baixa autoestima
  • falta de motivação
  • desejo de abandonar o trabalho
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Por ter sintomas parecidos com os de depressão e ansiedade, muitas vezes a síndrome não é identificada corretamente.

Algumas condutas reduzem o risco, como negociar limites e jornada de trabalho com o empregador e dedicar-se a outras atividades. O tratamento é feito com psicoterapia, mas podem ser prescritos medicamentos, como antidepressivos e/ou ansiolíticos.

Fonte: Elaine Di Sarno, psicóloga e neuropsicóloga, mestre em ciências pela USP, especialista em terapia cognitivo comportamental. Atende em consultório particular e no Hospital das Clínicas de São Paulo

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