Cultura da dieta x adolescentes: como abordar o assunto dentro de casa?
Gabriele Maciel
Colaboração para VivaBem
16/01/2024 04h00
O corpo ganha novos contornos, os pelos dão às caras, a voz fica mais grave. Imersos nas transformações físicas, emocionais e sociais, os adolescentes buscam estabelecer sua própria identidade enquanto a autoimagem se consolida. E é justamente nessa fase, que a cultura da dieta, que exalta o corpo magro e atlético, torna-se mais impactante, influenciando não apenas as escolhas alimentares, mas também a saúde mental e física.
Não é à toa, a prevalência de transtornos alimentares chega a 10% na faixa de 10 a 19 anos, enquanto é de 4,7% no restante da população. Estudo publicado em abril de 2023 também revelou que 22% das crianças e adolescentes (de 6 a 18 anos) apresentam um comer transtornado, ou seja, utilizam a comida para atingir um padrão estético ou como fator compensatório.
Nessa cultura, os alimentos são tidos como algo a ser temido e controlado. Há a valorização daqueles que seguem uma dieta e a desmoralização daqueles que não têm hábitos que levem a esse corpo que é sinônimo de beleza e sucesso. Ana Luiza Sobral, psicóloga especialista em transtornos alimentares e obesidade pela USP
E não tem como se desvencilhar porque, imbuídos nessa cultura, todos nós acabamos contribuindo para que ela se perpetue. Basta pensar quantas vezes você já comentou sobre o aumento de peso de alguém ou o quanto já se autodepreciou por ter comido duas fatias daquele bolo maravilhoso.
Por isso, não é difícil imaginar o quanto essa cultura pode oprimir os adolescentes. Ainda mais por eles serem o grupo que mais consome conteúdo das redes sociais, onde edições e filtros subvertem rostos e corpos. Como indica uma pesquisa publicada em fevereiro de 2023 no periódico Internacional Journal of Environmental Research and Public Health, a quantidade de tempo gasto nas redes sociais é fator de risco para uma alimentação desordenada.
Especialistas ouvidas por VivaBem afirmam ser importante conversar com os adolescentes sobre o assunto e deram dicas de como abordar a cultura da dieta em casa. Veja a seguir.
Desconstrua padrões de beleza
Fortaleça a noção de pertencimento com as características corporais da família. Também peça para os adolescentes fazerem "follow positivo" e "unfollow terapêutico", ou seja, que eles possam seguir em suas redes sociais pessoas com corpos diversos.
Também é importante assistir a filmes com essa temática ou com protagonistas que não tenham um corpo dito padrão.
Além disso, valorize a subjetividade e a individualidade dos corpos dos adolescentes, sem fazer comentários comparativos ou depreciativos.
"É comum que adolescentes, especialmente as meninas, ganhem peso nessa fase devido à ação de hormônios. E isso não deve ser motivo de comentário, pois pode ser gatilho para que elas entendam seu corpo como errado e fora do padrão, aumentando a insatisfação corporal e a autoimagem", pondera a psiquiatra Ana Raquel Santiago de Lima, docente do curso de medicina da UFS (Universidade Federal de Sergipe) e coordenadora do programa Physis de Comportamento Alimentar.
Eduque sobre nutrição
Forneça informações educativas sobre nutrição e capacite os adolescentes a fazerem escolhas alimentares informadas. Fale sobre comida de forma neutra e mantenha uma variedade de opções em casa. Além disso, a alimentação saudável deve ser incentivada como forma de aumentar o desempenho em algo que o adolescente goste, como esportes.
"É importante que eles compreendam que alimentos não são inimigos, mas fontes de energia e nutrientes essenciais para o desenvolvimento saudável", diz a nutricionista Ana Carolini Orsini, que tem aprimoramento em transtornos alimentares pelo Instituto de Psiquiatria da USP e é autora do livro "A Cultura da Dieta é Tóxica: Desmistificando Crenças Sobre Alimentação e Peso Com Base Em Evidências Científicas".
A psicanalista Luciana Saddi, mestre em psicologia pela PUC-SP e membro efetivo e docente da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, defende ainda que não se deve limitar ou esconder certos tipos de alimentos, porque isso pode levar a uma compulsão. "Cada família tem a sua dinâmica, mas deixem as coisas mais livres e os alimentos gostosos disponíveis, e ensinem os filhos a se guiarem pela saciedade", diz.
Promova a atividade física como fonte de saúde
Em vez de se concentrar em quantas calorias determinado exercício consome, fale sobre como a prática de esportes traz benefícios como maior disposição e longevidade, menos estresse etc. O incentivo deve ser para que o jovem encontre uma modalidade de esporte que lhe dê prazer.
Comunicação aberta e apoio emocional
Crie um ambiente em que os adolescentes se sintam à vontade para discutir suas preocupações sobre corpo e alimentação. Mas essas conversas não devem ser invasivas.
"É muito melhor escutar o que o adolescente já sabe sobre o assunto e como ele se sente ao ver determinados padrões corporais nas mídias. A escuta deve ser livre de julgamentos", indica a nutricionista Pabyle Flauzino, doutoranda em saúde coletiva na UEC (Universidade Estadual do Ceará).
Ação pelo exemplo
Adultos influenciam significativamente os adolescentes. Portanto, é essencial que pais e cuidadores demonstrem uma relação saudável com a alimentação e o corpo. Evite comentários negativos sobre a própria aparência e adote uma linguagem positiva ao discutir alimentos e corpos.
Faça refeições em família
A alimentação é o momento de pôr a conversa em dia, falar sobre a escola, sobre amigos e novidades. Não fale coisas do tipo: "Vai comer isso tudo?" ou "Deveria comer mais um pouco".
Não caia em modismos
Ensine adolescentes a serem céticos quanto às informações sobre alimentação e nutrição que recebem pelas redes sociais.
De acordo com Orsini, há muito conteúdo desinformativo e sem evidência científica sendo divulgado nas redes, inclusive por profissionais de saúde. "Desconfie de soluções milagrosas e que focam na nutrição como única fonte de cura ou prevenção para doenças", ressalta.
Fique atento a mudanças de comportamento
Se o adolescente começa a esconder o corpo em demasia, faz uso de roupas mais largas e não se alimenta mais com a família, isso pode ser sinal de transtorno alimentar.
Ganho ou perda excessiva de peso em curto espaço de tempo também deve chamar a atenção dos responsáveis. Nesse caso, não hesite em procurar ajuda de profissional qualificado neste tipo de atendimento.