ChatGPT pode dizer quais doenças teremos daqui 30 anos? Nossa equipe testou
Imagine saber como estará sua saúde daqui 30 anos? Apesar de parecer um sonho impossível e supertecnológico, talvez a inteligência artificial esteja próxima de fazer uma previsão do tipo —ainda que em microescala.
Nos últimos anos, a IA tem ganhado relevância na saúde, ajudando na detecção de câncer e até mesmo "prevendo a morte" de acordo com os hábitos de vida.
Em 2023, o ChatGPT, uma das mais populares IA baseadas em linguagem, até ajudou uma mãe a descobrir a doença rara do filho —ele já tinha se consultado com 17 médicos e ninguém sabia dizer o que ele tinha.
Ao ver casos do tipo, é tentador pedir para que o mais famoso chatbot da internet faça uma projeção de saúde baseada nos hábitos de vida. Mas será que funciona?
Para saber se é possível, fizemos um teste com a equipe do VivaBem. Acompanhe a seguir os resultados, que foram analisados por especialistas, e atente-se também aos riscos da prática, que não tem como intuito substituir uma consulta médica.
O que perguntamos e informamos ao ChatGPT?
Para o teste, a equipe de sete pessoas respondeu perguntas sobre os hábitos de vida, como:
Consumo de álcool;
Consumo de açúcar;
Regularidade de exercícios físicos;
Histórico de doenças familiares, como câncer, diabetes e problemas cardiovasculares;
Tabagismo;
Hábitos alimentares;
Doenças preexistentes;
Uso de medicamentos.
A inteligência artificial recebeu a estrutura de uma anamnese médica básica e foi alimentada com esses dados. Após isso, foi pedido que calculasse a probabilidade do desenvolvimento de doenças dentro do período de 30 anos de cada um dos participantes, de acordo com as informações enviadas. A plataforma usada foi o ChatGPT 3.5, versão de acesso gratuito da IA baseada em linguagem.
O que o ChatGPT previu sobre o futuro da nossa saúde?
Entre os apontamentos, considerando a média de todos os respondentes, as doenças apontadas com maior risco, de acordo com os hábitos de vida foram:
doenças cardiovasculares, principalmente hipertensão;
doenças respiratórias;
doenças autoimunes, como tireoidismo;
Houve um risco de até 20% de essas condições aparecerem. Com até 15% estavam cânceres, depressão, infecção urinária e enfisema pulmonar.
Ao analisar os respondentes de forma individualizada, os índices mais altos marcaram um risco de até 30% de desenvolver doenças cardíacas, problemas na tireoide, gástricos, diabetes, câncer, trombose, depressão e ansiedade.
O maior risco ficou em 40% para um dos respondentes, em relação ao desenvolvimento/agravamento da gastrite e outros problemas gástricos.
Puxões de orelha do ChatGPT
Fatores como ser ex-tabagista, beber álcool três vezes na semana ou mais aumentaram consideravelmente os riscos de desenvolver doenças, mas o fator genético e a falta completa de exercícios físicos também tiveram um papel importante, de acordo com a análise da IA.
As maiores incidências estavam nas combinações de respondentes que não praticavam exercícios e tinham históricos de doenças congênitas e problemas cardiovasculares na família.
Nas recomendações gerais dos respondentes da equipe, o ChatGPT trouxe algumas sugestões de mudança de hábitos e outros fatores para ficar de olho. Entre eles estão:
1. Avaliações médicas regulares
Todos os respondentes devem realizar avaliações médicas regulares para monitorar fatores de risco específicos e detectar precocemente possíveis problemas de saúde.
2. Hábitos de vida saudáveis
Os participantes devem priorizar manutenção e promoção de hábitos de vida saudáveis, incluindo dieta equilibrada, atividade física regular e abstenção do tabagismo.
3. Controle da pressão arterial
Monitorar a pressão arterial regularmente, especialmente aqueles com histórico de pressão alta.
4. Dieta rica em vegetais
Deve ser feita uma dieta rica em vegetais, que é associada a benefícios para a saúde cardiovascular e prevenção de várias doenças.
5. Moderação no consumo de álcool e açúcar
É recomendado o consumo moderado de álcool e açúcar, especialmente para aqueles com histórico de diabetes e pressão alta.
6. Atenção à saúde mental
Os participantes devem reconhecer a importância da saúde mental. Para aqueles com histórico de ansiedade e depressão, é preciso considerar apoio psicológico e psiquiátrico.
7. Exercícios físicos adequados
Prática regular de exercícios físicos, ajustados às necessidades e capacidades individuais, deve ser incenivada.
8. Supervisão médica para suplementação
Aqueles que consomem suplementos devem fazê-lo sob a supervisão de profissionais de saúde, para garantir a segurança e eficácia.
9. Conscientização sobre histórico familiar
Os respondentes devem se conscientizar sobre o histórico familiar de doenças, para ajudar na prevenção e no gerenciamento de condições de saúde.
10. Gestão do estresse
Estratégias de gestão do estresse devem ser incentivadas, pois podem contribuir para a saúde mental e física.
Os resultados da IA são verdadeiros?
Para quem busca previsões exatas sobre a saúde no ChatGPT, é preciso tomar cuidado. Apesar de parecer, a IA não é capaz de tal façanha e a própria ferramenta alertou que a "estimativa é uma simplificação aproximada e não substitui uma avaliação médica detalhada".
Alexandre Chiavegatto Filho, professor de inteligência artificial na Faculdade de Saúde Pública da USP, alerta que as análises feitas pelo ChatGPT não conseguem trazer um escore de risco individualizado com precisão, mas sim apenas se alimentar da literatura médica preexistente, trazendo recomendações gerais e analisando a possibilidade de desenvolver alguma doença.
O que o ChatGPT fala sobre escores de risco está errado, mas existe potencial para que no futuro a área avance para incorporar algoritmos de IA preditiva e melhore sua qualidade. Por hora, ele não consegue fazer essas contas corretamente. Alexandre Chiavegatto Filho, professor de inteligência artificial
Chiavegatto Filho comenta com propriedade. Ele coordena estudos no LABDAPS, laboratório de big data e análise preditiva em saúde da USP, que usa a inteligência artificial aplicada ao machine learning (aprendizado de máquina). Entre as pesquisas, está uma publicada no ano passado, que calculou o risco de mortalidade em pacientes com neoplasia maligna em São Paulo e teve acerto de 87% na predição.
No entanto, o professor explica que para ter esse resultado, é preciso um algoritmo específico, e ensinar a inteligência artificial, além de alimentá-la com uma série de dados —o que não seria o caso do ChatGPT, baseado em linguagem e que pode entregar apenas recomendações gerais sobre a saúde.
"Pensando num cenário fora da inteligência artificial, é possível prever os riscos do desenvolvimento de algumas doenças baseado nos hábitos de vida das pessoas, consumo de embutidos, hormonioterapia. Se há histórico de síndromes genéticas, esses fatores de risco aumentam. Fazemos isso comumente em consultas de gestão de risco", diz Clarissa Mathias, oncologista do Oncoclínicas e do Hospital Santa Isabel e ex-presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica.
Mathias diz que existem estudos em andamento na avaliação de dados da vida real e análise de dados populacionais com esses fatores de risco já conhecidos, relacionando-os com o desenvolvimento de câncer. "Mas ainda estão em desenvolvimento, não é possível confiar cegamente. É preciso tomar cuidado, pois há chance de a IA alucinar e levar a diagnósticos errados", diz.
No caso das doenças psíquicas, Luís Zambom, mestre em psicologia clínica PUCRS e professor da Faculdade Mario Quintana, diz que há uma forte relação dos hábitos de vida com o desenvolvimento dessas condições, mas ele não acredita que a IA possa ser suficiente para predizer isso.
"São necessárias habilidades e competências pessoais irreproduzíveis por uma máquina, como conexão afetiva, escuta empática, capacidade de acolhimento, consideração humanizada e capacidade intelectiva e associativa", defende Zambom.
Inteligência artificial não pode prever, mas é um alerta
Assis Carvalho, especializado em cardiologia pelo Incor - Fortaleza, não usa a inteligência artificial em seu dia a dia, mas enxerga que essa pode ser uma ferramenta promissora no futuro, principalmente se for capaz de reunir dados de saúde em longo prazo sobre pessoas, famílias e grupos, ajudando até mesmo como um alerta para pessoas que não aceitam tão bem o diagnóstico e o tratamento de doenças cardiovasculares, ou remédios para diminuir o colesterol, por exemplo.
Chiavegatto Filho lembra que o Brasil ainda carece de uma rede integrada e digital que agrupe dados de saúde de pacientes de todo o país, dificultando assim uma consolidação de mapeamento e histórico de doenças.
Ainda assim, compartilhar o estilo de vida com a IA, ainda que não ajude a prever com exatidão o futuro das doenças que se terá, pode sim trazer uma espécie de alerta para o que se pode desenvolver mantendo hábitos ruins por longo tempo.
"Pode-se usar o ChatGPT para saber como melhorar os hábitos e entender as incidências de doenças que podem surgir ao se manter um estilo de vida. A tecnologia é útil para brainstorming médico, auxiliando a consulta da literatura, mas não para uma análise preditiva de risco assertiva com porcentagem detalhada para qualquer doença", diz Chiavegatto Filho.