Sol na cabeça: exposição prolongada pode trazer riscos ao cérebro
De VivaBem, em São Paulo
18/01/2024 08h37
A chegada do verão e as ondas de calor extremo são pontos importantíssimos de atenção, mas não apenas pelo risco de câncer de pele, queimaduras, insolações e desidratação. Em todo o mundo, esta época do ano faz com que mais pessoas enfrentem perigos associados à exposição solar prolongada e sem proteção, que pode, inclusive, afetar o cérebro e causar danos neurológicos graves.
Quando realizada de maneira eficiente e saudável, em horários de menor incidência solar (antes das 10h e após as 16h) e com a proteção devida, a exposição solar possibilita uma produção equilibrada de vitamina D, fundamental para a manutenção da saúde óssea, regulação do sistema autoimune, desenvolvimento celular, metabolismo, entre outros.
"A exposição inadequada, que acontece de forma indiscriminada, por longos períodos e sem proteção necessária, pode provocar disfunção do sistema nervoso central, assim como uma resposta inflamatória maciça em todo o organismo, acometendo quase todos os sistemas orgânicos", explica Feres Chaddad, neurocirurgião, professor e chefe de neurocirurgia da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
Efeitos do sol no cérebro
Temperaturas extremas podem causar danos às células, proteínas e até mesmo ao DNA, de forma significativa. Isso porque o corpo humano funciona adequadamente apenas entre 36,7°C e 37,5°C, graças ao sistema nervoso central que trabalha para coordenar o controle térmico dos órgãos para evitar danos.
"Os chamados termorreceptores, presentes em nossa pele e órgãos internos, enviam sinais para o córtex tátil do cérebro, o que nos permite perceber o calor e reagir sobre ele. Temos também um termostato interno, localizado no hipotálamo, que detecta a temperatura corporal central e ativa, caso necessário, sistemas autônomos para resfriar o corpo, como por meio da transpiração ou da dilatação dos vasos sanguíneos", explica Chaddad.
Outro ponto importante, apontado em um artigo da revista Nature, diz respeito a vulnerabilidade da função cerebral humana a alterações no equilíbrio térmico.
Segundo os pesquisadores, a exposição direta da cabeça à radiação solar pode aumentar a temperatura cerebral além da temperatura central do corpo, uma vez que os raios solares podem penetrar alguns milímetros na pele e aquecer o tecido subjacente.
O texto da Nature ainda evidencia que a exposição prolongada da cabeça e do pescoço provoca uma elevação da temperatura central em 1°C, com prejuízos significativos no desempenho cognitivo e na realização de tarefas motoras.
Os efeitos negativos vão desde desconforto e diminuição da capacidade de trabalho físico até ao aumento da morbidade para trabalhadores que sofrem regularmente de hipertermia e maior mortalidade para cidadãos vulneráveis durante ondas de calor.
"É importante ressaltar que os raios solares em alta incidência nos seres humanos podem causar danos neurológicos a longo prazo, como disfunção do cerebelo, região fundamental para a coordenação dos nossos movimentos. Outras estruturas podem ser danificadas, como o hipocampo, o mesencéfalo e o tálamo, comprometendo a memória, os movimentos dos olhos, a integração de informações auditivas, a retransmissão de sistemas sensitivos, o controle da motricidade (extrapiramidal), o comportamento emocional e o grau de ativação do córtex", comenta o neurocirurgião Chaddad.
Aumento do risco de AVC
Conforme apresenta outro estudo, organizado pela Sociedade Europeia de Cardiologia, o clima quente e o sol na região da cabeça, especialmente em idosos, também estão associados a AVCs.
De acordo com o trabalho, que incluiu participantes de 65 anos ou mais e que foram transportados para hospitais de emergência entre 2012 e 2019 com início do AVC nos meses seguintes à estação chuvosa, para cada aumento de 1°C na temperatura, houve um risco 35% maior de visitas hospitalares.
Atenção a sintomas iniciais e preocupantes
A exaustão relacionada a altas temperaturas pode se iniciar com sintomas comuns, como tonturas, fadiga, náuseas ou dor de cabeça, e evoluir para aumento exponencial da temperatura corporal.
"O indicador neurológico mais claro é a confusão e a desorientação, causadas por um tipo de 'pane' do sistema nervoso central. Pode se manifestar como mudanças de humor mais extremas, dificuldade de processamento de informações e até incapacidade de coordenar movimentos", salienta o médico.
Como se prevenir
A forma mais importante de prevenção é evitar o contato com os raios solares em larga escala sem a proteção necessária e fora dos horários seguros, além de manter a ingestão hídrica, pois a desidratação é um causador indireto da hipotensão (pressão baixa) e AVC do tipo isquêmico.
Outro fator é preparar mecanismos para resfriar o corpo em caso de aumento da temperatura, seja com ventiladores, ar-condicionado ou refrescar a pele com água. Em caso de qualquer mal-estar ou alteração neurológica, deve-se procurar atendimento médico de emergência.
"As pesquisas relacionadas sobre os efeitos da exposição ao sol ao longo dos anos ainda são muito recentes, mas o que é fato até aqui, principalmente diante das alterações climáticas que temos vivenciado, é a necessidade de incluir o efeito do aquecimento radiativo da luz solar na cabeça e no pescoço em futuras avaliações científicas dos impactos do estresse térmico ambiental e na proteção específica da cabeça para minimizar os efeitos prejudiciais", finaliza Chaddad.