'Tropa do tadala': o que está por trás do aumento das vendas do remédio?
"O citrato é passado, na farmácia formou fila, todo mundo quer comprar o tal da tadalafila", canta, em ritmo de pagodão baiano, o locutor e animador Valmar Cruz, 42. Ele trabalha com divulgação de promoções em farmácias no interior da Bahia e viralizou nas redes sociais com um vídeo em que faz publicidade da tadalafila, princípio ativo de um medicamento para disfunção erétil.
Hoje, com 46,9 mil seguidores no Instagram e 25,2 mil no TikTok, ele virou influenciador e é conhecido como "O rei do tadala". O baiano começou a divulgar o remédio na pandemia e foi chamado para fazer propagandas sobre o item até mesmo em outros estados.
"Faço a divulgação, através da locução, de paródias, vídeos e músicas, não só em farmácias, mas em todo tipo de comércio", conta.
Valmar afirma que também alerta os seguidores para possíveis efeitos adversos do remédio —entre eles, dor de cabeça, de estômago, tontura e dependência psicológica (a pessoa não consegue mais ter ereção sem o medicamento). "Faço vídeos e mando mensagem alertando o público para ter cuidado com o uso indevido e seus riscos. Inclusive, no final da música que gravei, deixo um alerta", disse.
Mas não é só na música do animador da farmácia que a tadalafila é o tema central. Com roupagem moderna e apelo para os jovens, o medicamento virou referência em músicas do piseiro ao funk. O clipe da música "Tadalafila", do grupo Piseiro do Barão, tem mais de 470 mil visualizações no YouTube. "Sabe qual o segredo para aguentar a noite todinha? Tadalafila, tadalafila. Só assim para apagar o fogaréu dessas novinhas", diz o refrão.
Além do uso sem orientação médica para facilitar e prolongar a ereção, o remédio virou tendência como pré-treino, para melhorar o desempenho no exercício e turbinar os resultados na academia —algo sem comprovação científica. Até MC Bin Laden disse, no BBB 24, que toma o medicamento para treinar.
Da academia ao sexo
É possível encontrar a versão genérica do medicamento por até R$ 15,90, preço de uma caixa com 30 comprimidos. A maior acessibilidade —a caixa com dois comprimidos do medicamento referência, Cialis, custa mais de R$ 120—, juntamente com um reforço de influenciadores e da cultura pop, pode explicar o "boom" da tadalafila no mercado farmacêutico.
Desde 2022, o remédio está na seleta lista dos medicamentos que venderam mais de R$ 1 bilhão no prazo de um ano no Brasil. No ano passado, somente 5 remédios atingiram a marca e a tadalafila ficou em segundo lugar, atrás apenas do Ozempic.
Foram comercializadas 43,1 milhões de unidades de tadalafila em farmácias em 2023, indicando um crescimento de 38,9% em relação a 2022, segundo dados da Close-UP International;
O interesse por medicamentos para disfunção erétil aumentou 10% no mesmo período, passando de 81,1 milhões de unidades para 89,2 milhões. Somente a tadalafila representa 46,62% da demanda por esses medicamentos.
No marketplace da plataforma Consulta Remédios, segundo maior site de farmácias do país, o medicamento foi o terceiro mais comprado no ano passado.
Se antes usar drogas para disfunção erétil poderia ser algo vergonhoso, hoje esse "sucesso" tem chegado a jovens, que experimentam o medicamento sem orientação médica até mesmo para usos que não fazem parte da sua indicação, como o motorista paulistano Felipe Fabricio*, 29.
"Usei para treinar musculação uma vez, senti uma diferença, um pump [aumento da musculatura pela maior irrigação de sangue no músculo]. Eu já conhecia a substância e vi que estava modinha e decidi tomar como suplemento, mesmo sabendo não ser", afirmou, citando um benefício que, repetimos, não tem comprovação científica e os especialistas dizem não passar de placebo.
"Tomei pensando que, se bem não fizesse, mal também não faria. Sei que não tenho nenhum problema de coração ou qualquer outra comorbidade. Mas fiquei com dor de cabeça e com a cabeça do pênis [glande] dolorida."
O segurança Leandro Tano*, 44, faz uso regular da tadalafila. Ele toma principalmente para relação sexual, mas contou que já usou para treinar também. Questionado se tinha recomendação médica, ele ironiza. "Sim, do Dr. Leandro [no caso, ele mesmo]."
"Uso com uma certa frequência, geralmente quando saio. Se eu vou ter uma noitada boa, tomo o de 20 mg", diz. "A primeira vez que eu ouvi falar sobre foi há 15 anos, um colega da academia me disse que usou. Mas, nessa época, o Viagra era mais famoso", contou.
Tadalafila vira presente em conversa de bar
Em dezembro de 2023, o paulistano Cleberson Santana, 33, ganhou o medicamento de presente de um amigo. "Estávamos em uma conversa de bar, falamos sobre relações sexuais e ele contou que já tinha utilizado tadalafila. Ele me deu uma cartela com três comprimidos e falou que ficou sob efeito do remédio por 36 horas."
"Nunca tinha pensado em usar antes, nem fui em um médico para receber orientações mais específicas sobre o remédio." Por isso, Cleberson afirma que não tomou a medicação, por receio dos efeitos adversos. "Já conhecia por fazer pesquisa na internet e sabia dos efeitos do remédio."
O cardiologista Brivaldo Markman Filho, professor titular de cardiologia da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), alerta para esses efeitos colaterais.
Por ser uma substância vasodilatadora, pode existir queda acentuada da pressão arterial, principalmente após atividade física (seja um treino na academia, seja o sexo vigoroso), e haver consequências desagradáveis. Uma das reações comuns mais comuns são palpitações.
O médico explica que a tadalafila é uma medicação que entra na categoria de inibidoras da enzima fosfodiesterase e tem função vasodilatadora, o que auxilia na dilatação do pênis e, consequentemente, é um facilitador da ereção.
Riscos do medicamento, ineficácia de uso na academia e dependência
Brivaldo Markman Filho também alerta para interações medicamentosas proibitivas. "Existe contraindicação para pacientes que têm obstruções coronarianas e fazem uso de nitratos, que são vasodilatadores. A soma dos efeitos do nitrato, que causa a dilatação coronariana, e a tadalafila pode gerar uma queda acentuada de pressão, isquemia cardiológica ou cerebral. Em pessoas jovens, esse tipo de problema é muito minimizado, mas pode ocorrer."
O docente afirma que não existe estudo científico que comprove uso para atividade física. "Do ponto de vista físico-patológico, não faz sentido usar inibidores de fosfodiesterase para ganho de massa muscular", afirma.
O que pode ocorrer, diz o médico, é o chamado efeito placebo. "Existe a autossugestão: a pessoa toma e acredita que vai ficar melhor, mesmo que seja uma pílula de farinha. O efeito placebo, este, sim, está cientificamente comprovado que existe", afirma.
Não temos estudos de longo prazo mostrando o que pode acontecer com o uso precoce desses inibidores de fosfodiesterase, em termos de impotência sexual. Mas, seguramente, nas pessoas que começam a usar sem necessidade, o organismo começa a se acostumar, começa a haver mais tolerância e não ter o efeito desejável, caso ele precise usar mais tarde. Brivaldo Markman Filho, cardiologista
É o que também afirma o urologista Fernando Facio, coordenador do Departamento de Andrologia, Reprodução e Sexualidade da Sociedade Brasileira de Urologia. "Existe uma dependência de que o paciente tome e se sinta seguro para não falhar. Essa falha é muito danosa e dolorosa, e por vezes o paciente evita a atividade se não tomar", diz.
Para pacientes com disfunção erétil, geralmemente o uso recomendado da tadalafila é de 5 mg por dia —mas ele também pode ser indicado sob demanda, ou seja, consumido somente quando o paciente pretende ter relação sexual. "Toda vez que se excede o uso de tadalafila, os efeitos colaterais seriam hipotensão (baixa da pressão arterial) e tontura", diz Facio.
Não existe nenhum estudo com evidência que tenha usado tadalafila para melhorar rendimento físico, a tadalafila melhora o corpo cavernoso do pênis, não tem outra ação para melhorar a vasodilatação em outra área do corpo. Essa é uma opinião divulgada por leigos. Ela só serve para tratar disfunção erétil e hiperplasia da próstata benigna. Fernando Facio, urologista
Tadalafila e o homem "imbrochável"
A pesquisadora de masculinidades Helen Barbosa dos Santos, pós-doutoranda em psicologia no Grupo de Pesquisa em Preconceito, Vulnerabilidade e Processos Psicossociais da PUC-RS, enxerga o "boom" do medicamento para disfunção erétil como reflexo de um ideal de masculinidade.
"Há muito tempo existe uma medicalização do corpo masculino em relação à sua sexualidade, que o homem seja sempre viril, forte e potente sexualmente. Então, qualquer falha em sua sexualidade corresponde a algo que é feminizado, que não é forte —e, portanto, não é homem de verdade", afirma.
A popularização do Viagra na década de 1990, diz a pesquisadora, representou uma armadura de poder dos homens. "É tendência que se estende muito além dos consultórios médicos e ela vai para o cenário social, que é realizado a partir de grupos de pertencimento."
Santos enxerga que esses medicamentos são usados como um dispositivo de potência. "Não é a ideia de que em algum momento possa brochar, é o contrário: a busca por nunca brochar e ser um sujeito que se expande para qualquer falha, ser um super-homem", diz. "Essa relação mira um homem que é para além do humano, sem conseguir um cuidado com si mesmo e nem com o outro, sendo quase que indissociável com uma masculinidade tóxica, que objetifica mulheres e o próprio desejo", continua.
*Nomes alterados a pedido das fontes entrevistadas
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