Está pesado viver? Que tal abraçar a mediocridade e ser mais feliz?
Teve um meme que apareceu muito no fim de 2023, era a cantora Simone perguntando: "Então é Natal, e o que você fez?". E muita gente respondia: "Fiz o que pude e tá bom demais". Claro que me identifiquei já que esse assunto vem pipocando aqui e ali seja lá com quem eu converse. Em uníssono, colegas de trabalho, amigos de infância, parentes, desconhecidos que encontro em qualquer lugar dizem: tá pesado viver.
Raro encontrar quem esteja satisfeito e tranquilo com o momento atual de vida. E isso pode ter a ver com falta de dinheiro, insatisfação profissional, infelicidade no relacionamento, cuidado com os filhos... Nossa cabeça está cansada.
E só de abrir as redes sociais, principalmente Instagram e LinkedIn, já ficamos mais cansados ainda. Porque nossos amigos estão viajando e você está trabalhando. Porque o outro fez mais uma declaração de amor pro companheiro pra todo mundo ver. Porque fulano vociferou aos quatro ventos a nova proeza profissional dele.
Parece que a gente é sempre o cachorro correndo atrás do rabo. Acontece com todo mundo. Espero, de verdade, que você não sinta contemplado pela descrição acima, mas se estiver, como eu muitas vezes estou, te convido a refletir sobre o conceito de mediocridade.
Não torça o nariz antes de entender a origem da palavra. Talvez você defina medíocre como inferior, mas se esqueça de que, na verdade, é mediano, que está na média. E, cá pra nós, a maioria das coisas e das pessoas está na média.
Quando me deparei com esses pensamentos e o livro "Viver É Melhor sem Ter que Ser o Melhor" (Daniel Martins de Barros, Editora Sextante) tudo fez um pouco mais de sentido na minha cabeça.
Barros escreve: "Quando foi que estar na média passou a ser um defeito? (...) A única explicação que encontro para aceitarmos esse contorcionismo mental que desafia a lógica é acreditarmos que só existe valor no topo - só tem importância o que está acima da média; nada abaixo do máximo tem serventia". Percebem como é doloroso viver assim?
No livro, o psiquiatra descreve quatro lemas do Arcadismo, um antigo movimento artístico e literário que exaltava a simplicidade, a moderação e a reflexão. O mais famoso é o carpe diem, que nos ensina a aproveitar o presente. Mas o que mais me fez pensar foi o aurea mediocritas, a "mediocridade de ouro" que valoriza o meio-termo.
Há ainda o inutilia truncat, "livrar-se do que é inútil", importante em tempos que somos inundados o tempo todo com novas oportunidades de consumo —seja de objetos, experiências ou informações. E o fugere urbem, "fugir da cidade", que fala sobre a importância do contato com a natureza.
Talvez pudéssemos juntar todos os lemas numa única sentença. 'Sabendo que a vida é finita, devemos dar atenção a cada momento e assim desfrutá-la, tranquilos e sem pressa, não distraídos pelos excessos - dos quais só nos livramos ao abraçarmos a moderação.' Trecho do livro "Viver é melhor sem ter que ser o melhor"
"Sempre dá para ser melhor, só que uma hora chega, uma hora você fala: 'Tá bom, dá pra ser melhor, mas a que custo, né?' Isso sempre foi colocado pra nós [buscar ser o melhor], mas estamos no momento de reação. Chamo de 'fenômeno Simone Biles', entendo que é uma mudança do tempo, ela não inventou, mas ela é um símbolo. Tem coisas que não valem a pena, a gente sempre deu valor, beleza, legal, é valioso, é bonito, mas resolvi fazer a conta e acho que essa conta não vale para mim", fala Daniel Martins de Barros, psiquiatra e autor do livro, em conversa com VivaBem.
É fácil abraçar a mediocridade?
Claro que não. Quem é que não ambiciona ganhar mais, crescer na carreira, ser promovido, ter uma linda família, um amor de filme, viajar o mundo? Se não todas essas coisas, pelo menos uma delas.
Do jeito que o mundo caminha é muito difícil não nos sentirmos instigados a procurar o topo, mas também nos sentimos cansados física e emocionalmente o tempo todo por essa busca.
Podemos traçar um paralelo com a sociedade: se só valorizarmos o melhor possível, seremos celeiro de frustração e infelicidade. Mas se compreendermos que a média é muitas vezes boa o bastante - e sempre mais realista -, podemos aumentar em muito a qualidade de vida das pessoas. Trecho do livro "Viver é melhor sem ter que ser o melhor"
Faça um exercício e pense ao seu redor: quantas vagas de alto escalão têm na sua empresa? Poucas, né? Não dá pra todo mundo virar gerente ou diretor. Quantos amigos seus têm um casamento ou relacionamento completamente estável e feliz? Poucos, né? Quantos conhecidos seus fazem viagens incríveis em todos os feriados e férias? Menos ainda. Quantos têm zero problemas com os filhos? Nenhum?!
Se você ficar só navegando no Instagram ou LinkedIn vai entrar em depressão porque lá a vida de todo mundo é boa demais pra ser verdade. Não perturbe a sua sanidade mental com isso.
É quase matemático. "Não tem outra solução, se você vai se dedicar menos ao trabalho para se dedicar mais à família, se você vai se dedicar menos à busca da medalha para se dedicar mais aos amigos, não tem outra maneira, você tem que se contentar com menor resultado", comenta Barros.
Já apontamos o problema, mas a solução é desafiadora de ser colocada em prática: tire o pé e se contente com menos. Você pode perder uma eventual promoção no trabalho por ter colocado limites? Sim, pode, mas não é um problema se você fez as contas e viu que o preço a se pagar era alto demais pessoalmente.
"O foco está na promoção que ele perdeu ou naquilo que ele ganhou, de mais tempo com os amigos e a família? De prevenir um burnout?", provoca o autor. E ele ainda acrescenta que a gente tem que medir o sucesso não só pelas coisas que conseguimos, mas também por aquilo que deixamos de abrir mão.
O bom suficiente?
Não tem fórmula mágica para conseguir abraçar essa mediocridade. Para o psiquiatra, o principal é trazer o assunto à tona.
"Tá todo mundo falando que medíocre é feio, calma, vamos pensar se faz sentido? Porque você pode chegar à conclusão de que 'entendi, mas, pra mim, o pódio é tão importante, deixar um legado é tão importante que não quero nem saber, se tiver que me estrepar para fazer isso daqui, vou fazer'. Escolha sua. Quem não adora ver alta performance? Eu adoro. Mas é você escolher. Porque a maioria das pessoas não faz as contas, vai sendo levado, e não chega lá? Porque é uma minoria que chega lá por definição. O abrir de olhos já é um grande passo", diz Barros.
Ser bom o suficiente, para você, e não para mais ninguém, pode ser um dos caminhos para viver mais leve. Pensar sobre o assunto o fará aumentar a consciência sobre as questões. "É o quanto você consegue aproveitar o que a vida te traz", afirma o autor.
Se você se interessou pelo livro, saiba que é uma leitura fácil e curta, mas é óbvio que você não consegue colocar tudo em prática, 100%, mas conforme disse Daniel Barros, "você consegue mais do que se não estivesse tentando".
Embora não seja fácil, alcançar uma boa vida não é um mistério. Nós falamos sobre encontrar o sentido da vida como se fosse algo oculto a ser desvendado, mas fato é que já sabemos bastante bem qual é esse sentido. Promover a paz; servir o próximo, desapegar-se do que é passageiro; evitar excessos; conectar-se; amar - você pode continuar a lista por conta própria. Não é segredo; só não é fácil. (...) Talvez pôr tudo isso em prática não seja tão comum porque é trabalhoso, afinal. Trecho do livro "Viver é melhor sem ter que ser o melhor"
Aproveite que ainda estamos em janeiro, repense e ajuste suas metas, readeque a rota e entenda que o bom suficiente pode fazer muito sentido pra você. De repente, dá até pra ser mais feliz.
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