Cinema, parque, estádio: iniciativas para autistas ainda engatinham no país
É difícil dizer quantas pessoas têm autismo no Brasil. A OMS estima que são 2 milhões, mas há muita gente sem diagnóstico. Dados do Sistema de Informações Ambulatoriais do Ministério da Saúde de 2021 afirmam que, naquele ano, o governo realizou 9,6 milhões de atendimentos ambulatoriais a pessoas com TEA (transtorno do espectro autista), sendo 4,1 milhões ao público infantil com até 9 anos.
Mesmo com esses números altíssimos, é muito difícil encontrar locais que pensam nas necessidades neuroatípicas de pessoas com TEA.
"Ao tornar os espaços mais acessíveis, mostramos para todos, até para quem nunca percebeu, o quão estressante era visitá-los. Até que esses estímulos desnecessários sejam removidos", diz a autora britânica Charlotte Amelia Poe, que escreveu o livro "Como é ser autista" (Oficina Raquel).
Não é frescura. Pessoas com TEA tendem a se apegar a objetos e rotinas específicas e apresentar déficit de comunicação e interação social. Pode haver também hipo ou hipersensibilidade a estímulos sensoriais, como luz, sons e dor.
Segundo Charlotte, todos nós já vivemos em um ritmo acelerado, não precisamos de excesso de estímulo na hora de fazer compras no supermercado ou ir ao shopping. "Ambientes mais relaxados, onde as pessoas possam se acalmar e aproveitar o tempo em um mundo que está cada vez mais agitado, pode ser benéfico a todos", diz.
Uma pesquisa chamada "Retratos do Autismo no Brasil em 2023", realizada pela healthtech Genial Care, uma rede de saúde atípica, entrevistou cerca de 2.000 pessoas, entre autistas, cuidadores e quem não tem contato com a condição.
Para 32% dos cuidadores, gerenciar momentos de crise, onde emoções precisam ser reguladas, é a prioridade quando se tem uma criança autista.
Charlotte diz que, para ela, foram muito difíceis as situações em que precisou se retirar de algum local para regular suas emoções e não ter para onde ir —ou autorização dos responsáveis para sair e se acalmar.
Foi muito traumático não poder sair de um lugar que estava causando ataques de pânico. Me deixou marcas para vida toda ouvir 'não' dos adultos responsáveis. Agora, se eu saio de casa, nunca estou sozinha, só com alguém que sabe que se eu tiver que me retirar, tenho que sair naquela hora. Não é negociável. Charlotte Amelia Poe, escritora
E o que fazer quando não se tem para onde ir? VivaBem pesquisou lugares que estão pensando nas pessoas neuroatípicas e criando ambientes acolhedores para que elas possam existir sem medo.
- Cinema
O IJC (Instituto Jô Clemente) fez uma campanha com direito a sessão de cinema para pessoas com autismo e outras deficiências. Nas chamadas sessões azuis, que acontecem nas redes Cinemark, Kinoplex e Playarte, as salas têm o som mais baixo que o tradicional e o ambiente fica à meia-luz.
"Queremos promover a inclusão plena dessas pessoas. Ter espaços inclusivos é vital", explica Daniela Mendes, superintendente do IJC. Quem quiser participar, é necessário fazer um cadastro junto ao instituto para ser convidado para as ações. Para isso, é necessário entrar em contato com o IJC para uma avaliação.
Em novembro de 2023, o IJC lançou a 1ª Campanha do Brasil de Conscientização sobre o Autismo justamente durante uma sessão de cinema. "Todas as pessoas podem participar de nossas ações, afinal estamos falando de um espaço inclusivo. Queremos gerar apoio e acolhimento para qualquer público", completa Mendes.
- Parques temáticos
Poucos lugares têm tantos estímulos quanto os parques temáticos. No Universal Studios Florida (EUA), por exemplo, existe uma sala silenciosa com piso de borracha, painel de atividades na parede, dimmers (dispositivo de controle de luminosidade de lâmpadas) e dois túneis para esconderijos. Seu uso é gratuito e a recomendação é que o visitante fique 30 minutos no local, para garantir que todos possam ter esse tempo de descanso.
Outra opção para receber os visitantes com autismo disponibilizada pelo parque é o Passe de Assistência às Atrações para Visitantes, para aqueles que não conseguem esperar nas filas tradicionais. Para fazer uso desse benefício é necessário ter um cartão individual de acessibilidade. O documento pode ser solicitado por um registro no site www.accessibilitycard.org em até 30 dias antes da visita ao parque.
Os parques da Disney de Orlando (EUA) também oferecem alguns serviços especiais para visitantes com autismo, que vão desde área de descanso, banheiro com acompanhante e aviso sobre necessidades alimentares especiais (para quem estiver hospedado no complexo).
Os parques temáticos brasileiros oferecem descontos especiais para quem tem TEA. O Beto Carrero World, em Santa Catarina, oferece meia entrada para quem é autista e seu acompanhante. No Hopi Hari, em São Paulo, há opção de gratuidade para quem é autista.
No Parque da Mônica, em São Paulo, além da Sala do Silêncio, para pessoas com TEA descansarem, há também há a Hora do Silêncio. Todos os dias, a primeira hora de funcionamento do parque tem menos estímulos sonoros e visuais para os visitantes.
- Estádios de futebol
É grito de gol, é xingamento para o juiz, é gente pulando, música tocando... Para que pessoas com TEA consigam assistir a jogos ao vivo, muitos estádios estão criando salas silenciosas e sensoriais para os torcedores. É o caso do Corinthians, na Neo Química Arena, pioneiro na iniciativa, e de outros times como São Paulo, Coritiba e Goiás.
No estádio do Corinthians, o Espaço TEA consegue acomodar até 160 pessoas. A torcida Autistas Alvinegros conta com o apoio do goleiro Cássio, que revelou em entrevista que sua filha de 4 anos também foi diagnosticada com autismo.
Inaugurado em abril de 2023, o espaço no estádio do Goiás acomoda 15 pessoas. Já o São Paulo inaugurou a Sala TEA+ em novembro do ano passado após muitos pedidos de seus torcedores.
- Aeroporto
Se viajar já é estressante, imagina para quem lida com dificuldade com as diversidades nos ambientes. O Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, por exemplo, conta com um espaço sensorial.
"A sala multissensorial proporciona mais conforto e tranquilidade durante as viagens. Por meio de iluminação especial e equipamentos lúdicos, a sala proporciona um ambiente mais propício a esses passageiros", afirma Marcelo Bento, diretor de Relações Institucionais e Comunicação da Aena, responsável pela gestão dos aeroportos.