'Precisam evoluir', diz mulher que teve DIU negado por motivos religiosos
A produtora de conteúdo Leonor Macedo, 41, conta que não conseguiu realizar o procedimento de inserção de DIU (dispositivo intrauterino) no hospital São Camilo porque a intervenção seria "contra os valores religiosos da instituição".
O corpo diretivo do hospital me ligou para explicar que realmente eles seguem os preceitos da Igreja Católica e não realizam nem procedimento de DIU e nem vasectomia. Eles disseram que só fazem DIU em caso de prescrição médica, como endometriose grave, mas quando é para método contraceptivo eles não fazem. Fiquei bastante chocada. É uma maneira muito ruim de pensar e as coisas precisam evoluir.
Leonor Macedo
O que aconteceu
Impossibilidade de colocar o DIU foi primeiro comunicada por uma médica do hospital. O caso ocorreu na segunda-feira (22) na unidade da Pompeia, na zona oeste de São Paulo.
A médica me informou que eles não fazem esse procedimento no São Camilo porque vai contra os valores religiosos da instituição, que o hospital se recusa a fazer esse procedimento. Ela disse que poderia fazer no particular, que veria a questão do reembolso, ou que eu poderia procurar outro médico do meu convênio que seja fora da rede São Camilo. Fiquei bem indignada, em choque.
Leonor Macedo
Vasectomia também é negada pelo hospital, segundo relato. Leonor compartilhou a situação no X (antigo Twitter) e, nos comentários, uma mulher relatou que o marido passou pela mesma situação quando tentou fazer uma vasectomia em uma unidade da rede. Em uma resposta na rede social, o hospital confirmou que não faz o procedimento.
Oi, Jana, tudo bem?
-- Hospital São Camilo SP (@HospSaoCamiloSP) January 23, 2024
É de nosso interesse prestar as informações necessárias. Por diretriz institucional de uma instituição católica, não há a realização de procedimentos contraceptivos, seja em homens e mulheres. (1/2)
Justificativa contra o DIU seria de que o método "agiria contra um feto". Leonor contou que, na consulta, a médica disse que poderia receitar pílulas anticoncepcionais, mas não o DIU. Mais tarde, quando o hospital telefonou para ela, a justificativa para a recusa da colocação do DIU seria a de que "tecnicamente, o DIU é comparado a um aborto" por "agir contra algo fecundado".
Como contraceptivo, o DIU não pode ser considerado abortivo, segundo especialista. A VivaBem, a ginecologista e obstetra Larissa Cassiano explicou que, se utilizado corretamente e como contracepção, o DIU, evita que a fecundação ocorra.
Qualquer DIU inserido, funcionando, vai mudar a cavidade do útero, a secreção e o jeito que as tubas se movem. Isso não permite que a fecundação aconteça. Então ele vai bloquear a gestação antes de a fecundação acontecer.
Ginecologista Larissa Cassiano
Prática pode ser considerada ilegal?
Se a decisão foi informada previamente ao plano de saúde, não, diz o advogado Rogério Scarabel, ex-diretor da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) e especialista em gestão hospitalar e organização da saúde. Ele não vê infrações cometidas pelo hospital, desde que a instituição informe os serviços que são contratualizados com o plano de saúde. Hospitais filantrópicos também têm contratos com o setor público, então a lista de serviços que serão prestados deve ser transparente.
O relacionamento com o consumidor se dá primeiro com a operadora de saúde. Ela coloca à disposição do consumidor sua rede para a realização de procedimentos que devem ser cobertos, segundo as regras da ANS. O que não pode é o beneficiário sem uma cobertura obrigatória e no prazo previsto --a vasectomia e a inserção do DIU estão na lista destes procedimentos e devem ter cobertura dos planos de saúde.
Advogado Rogério Scarabel, ex-diretor da ANS
"Há um credenciamento, e a instituição contratualiza uma lista de serviços que serão prestados. Além disso, o código de ética do CRM também entende que você não é obrigado a fazer nenhum procedimento contra sua consciência, desde que esteja contratualizado", explica o advogado. "Não existe uma limitação, a não ser que você seja o único prestador ou não informou o paciente beneficiário adequadamente."
Scarabel avalia que a instituição só seria obrigada a prestar o atendimento em casos de emergência ou urgência. "Um procedimento ou cirurgia eletiva não seria um caso urgente ou emergencial", diz. Em casos de emergência em que a instituição tenha alguma objeção de consciência, afirma o advogado, pode acontecer uma transferência a outra instituição, caso o quadro do paciente esteja estabilizado.
Mas conduta pode ser considerada uma violação aos diretos humanos. A advogada Ana Lucia Dias, especialista em direito processual civil e especializada em direitos das mães, acredita que a conduta do hospital fere os direitos sexuais e reprodutivos —um direito fundamental, lembra ela, previsto e garantido em tratados internacionais, como a Conferência de População e Desenvolvimento da ONU (Organização das Nações Unidas).
Quando o São Camilo se nega a atender direitos sexuais e contraceptivos, o hospital está ferindo direitos humanos e os direitos reprodutivos da pessoa garantidos na Constituição Federal. Se o hospital não aceita realizar o procedimento, ele está cometendo um ato de violência, também nos termos da Convenção de Belém do Pará, que dispõe sobre os direitos das mulheres.
Advogada Ana Lucia Dias
Para ela, a objeção de consciência, prevista no Código de Ética Médica, é uma prerrogativa de médicos e não institucional. "Entendo que a objeção de consciência, ou seja, rejeitar fazer algo que não concordo ou por premissas religiosas, é um direito do profissional. Isso não poderia ser institucionalizado, é uma prática discriminatória muito grave."
O que diz o hospital
Diretriz é em respeito ao fato de a instituição ser católica. "A Rede de Hospitais São Camilo - SP informa que, por ser uma instituição confessional católica, tem como diretriz não realizar procedimentos contraceptivos, em homens ou mulheres. Tais procedimentos são realizados apenas em casos que envolvam riscos à manutenção da vida", explicou a instituição em nota.
Orientação é buscar outras unidades de saúde para esses procedimentos. "Os pacientes que procuram pela Rede de Hospitais São Camilo - SP, e que não apresentam riscos à saúde, são orientados a buscar na rede referenciada do seu plano de saúde hospitais que tenham esse procedimento contratualizado."
Deixe seu comentário
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.