'Medula salvou minha vida e fui ao casamento da doadora para agradecer'
A aposentada Andreia Soares, 39, soube em 2021 que precisaria de um transplante de medula. Ela entrou na fila em uma corrida contra o tempo, já que seus parentes não eram compatíveis e o quadro dela, de leucemia, não tinha boas perspectivas.
Três meses depois, uma doadora foi encontrada a 650 quilômetros de distância: era Daniela Cervi, de Cascavel (PR). Meses após o transplante, Andreia e Daniela se encontraram —na cerimônia de casamento da doadora— e foi pura emoção. "Todo mundo chorou."
A VivaBem, Andreia conta sua história.
'Possibilidade era baixa'
"Descobri em 2017 que estava com leucemia mieloide crônica, um câncer no sangue. Tomei vários tipos de comprimidos de quimioterapia oral, mas não tive resultado. Em 2021, os médicos falaram que não tinham mais medicamentos para minha doença e a única solução seria um transplante de medula óssea.
Precisava de alguém 100% compatível com a minha medula, mas meus filhos eram apenas 50%. Sou filha única por parte de pai, então meus parentes também não eram compatíveis. Foi quando eu entrei na fila do transplante.
Quando o médico me disse que eu entraria na fila, deixou bem claro que a possibilidade de conseguir um doador era baixa. Fiquei preocupada, apavorada, mas não perdi a esperança. O médico avisou que, para algumas pessoas, não dava tempo —e o meu caso já estava evoluindo para a leucemia mieloide aguda.
Demorou três meses. Foi quando, em uma consulta, ele me informou de uma possível doadora compatível encontrada —era a Daniela, mas eu ainda não sabia seu nome.
Quando a compatibilidade foi confirmada, comecei o tratamento para receber a medula. Ela saiu da cidade dela e ficou uma semana em Curitiba para o procedimento. Fiz o transplante no dia 7 de dezembro.
Sempre quis conhecer a Daniela, mas não podia saber nada sobre ela —nem nome, nem que ela era uma mulher, nem onde morava. Eles não falam, não podem falar por um ano e meio [O Redome, Registro Brasileiro de Doadores Voluntários de Medula Óssea, tem um procedimento de confidencialidade que determina o anonimato entre receptor e doador por pelo menos 18 meses para garantir a privacidade de ambos].
'Sempre quis conhecê-la'
Sempre quis saber quem ela era, quem era a pessoa que teve essa disponibilidade sem ao menos me conhecer, mas, depois do transplante, fiquei bem ruim. Foram 23 dias internada e, depois, fui para uma casa de apoio em outra cidade onde fiquei por três meses.
Ainda voltei ao hospital outras vezes por causa de várias complicações: cistite, infecção no intestino, covid-19, dengue.
Enquanto estava internada, recebia cartas dela. O hospital recebia, tirava as informações que pudessem identificá-la, e repassava para mim. Só que ela achava que eu não queria conhecê-la, porque eu não podia responder.
Quando deu o tempo [de confidencialidade], pediram para assinar alguns termos e fiz isso na hora. Fiquei muito feliz. Assim que ela assinou também, trocaram nossos contatos e começamos a conversar por telefone.
Ela estava na correria porque se casaria em pouco tempo. Estávamos combinando de fazer uma chamada de vídeo com todo mundo, porque ela disse que a família toda ficou torcendo por mim e queria me conhecer. Só que nunca dava tempo.
Então, a mãe dela pegou meu contato com o noivo dela e pediu para conversar comigo. A ideia era que eu gravasse um vídeo para passar no casamento. Eu aceitei, mas disse que queria ir pessoalmente para abraçá-la.
Meu médico me liberou viajar, são 14 horas de distância entra as nossas cidades [Andreia mora em Zacarias (SP)]. A ideia inicial era eu aparecer na festa, mas o noivo dela sugeriu de eu entrar no final da cerimônia na igreja. Fiquei hospedada na casa de uma amiga da mãe da Daniela, escondida, para ela não me ver.
No final do casamento, entrei e ela não acreditou. Todo mundo — até o cerimonialista — chorou. Quase não consegui entrar: ela era a pessoa que estava ali na minha frente, no dia mais feliz da vida dela. E eu podia agradecer tudo o que ela fez pela minha vida.
'Eu poderia não estar aqui'
Se não fosse o transplante, eu poderia não estar aqui hoje com minha família porque meu diagnóstico não era bom. Devo muito à Dani, é muita gratidão.
Aquele momento foi único, muito especial, lindo mesmo. Quando a abracei, foi um sentimento sem explicação. Parecia que a conhecia há muito tempo. Só sabia chorar e agradecer.
Hoje, a gente sempre troca conversa pelo WhatsApp e tenho contato com a mãe dela também. Acabei ficando amiga da família toda. Em fevereiro, estamos combinando de ela vir na minha casa.
Em relação à minha saúde, ainda estou me recuperando. Faço acompanhamento a cada três meses, vários tipos de exames e tomo medicação para não rejeitar a medula. Não foi fácil, sofri muito, mas agora estou bem.
Tanto eu quanto a Daniela recebemos mensagens perguntando como faz para ser doador de medula, e isso é muito legal. Mais vidas podem ser salvas como a minha."
Como ser doador de medula
Cadastro no Redome. Para se tornar um doador voluntário de medula, o interessado deve ir a qualquer hemocentro com um documento oficial com foto e realizar um cadastro no Registro Brasileiro de Doadores Voluntários de Medula. É coletada uma amostra de sangue para exame de tipagem. A lista de hemocentro pode ser vista aqui.
Quem pode se cadastrar? Quem tem entre 18 e 35 anos (permanecendo no banco até os 60 anos, idade limite para doar), com bom estado de saúde e que não tenha doenças impeditivas —que podem ser consultadas aqui.