Eurofarma investe em inovação para ir além dos medicamentos genéricos
Com receita líquida anual de R$ 8 bilhões, a Eurofarma é uma empresa conhecida por vender medicamentos genéricos a preços mais baixos. Mas o objetivo da farmacêutica é ir além e ter de 20% a 30% do seu faturamento gerado por produtos inovadores.
Em entrevista ao VivaBem, Martha Penna, vice-presidente de Estratégia e Inovação da Eurofarma, contou que a empresa está construindo essa cultura de inovação com disciplina, paciência e criatividade, de forma a chegar a resultados que respondam a necessidades ainda não atendidas de médicos e pacientes.
Leia a seguir os principais trechos da conversa com a executiva.
Como a Eurofarma, uma grande fabricante de medicamentos genéricos, se transformou em uma empresa que investe em inovação?
A Eurofarma tem a ambição de continuar a existir como uma empresa global nos próximos 100 anos. Ela faz diferença na vida dos pacientes e dos médicos ao produzir genéricos mais baratos, mas queremos lançar coisas que respondam a necessidades ainda não atendidas. Investir em inovação é fundamental para uma empresa de R$ 8 bilhões de receita líquida anual conseguir manter seu ritmo de crescimento.
Quais são as dificuldades enfrentadas nessa transformação?
Não se cria uma cultura inovadora da noite para o dia. Estamos construindo a transformação de forma paciente, disciplinada e com criatividade. Trabalhamos fortemente para manter o nosso pilar de genéricos porque, no curto prazo, é ele que gera caixa para podermos investir em novos medicamentos.
Qual parcela dos projetos envolve inovação?
Cerca de 30% do que estamos desenvolvendo tem algum nível de inovação. Ainda não temos nossa própria molécula candidata a estudos clínicos, mas firmamos parcerias com outras empresas com o objetivo de chegar à chamada inovação radical, que é o lançamento de produtos sem paralelo no mercado.
Qual a molécula mais promissora nessa área de inovação radical?
Temos alguns programas caminhando. É como se fosse uma pirâmide. Na base, temos coisas mais exploratórias. Coisas que já estamos começando a sintetizar; outras que estamos testando. A que está caminhando melhor é uma molécula para tratar dor neuropática, problema que aflige muitas pessoas que fazem quimioterapia e pacientes com doenças como diabetes e herpes zoster.
Quando os estudos clínicos devem começar?
Esperamos poder entrar com o pedido de autorização no FDA para testes em humanos no próximo ano. Se tudo correr como previsto, os estudos clínicos devem começar em 2026.
A Eurofarma criou um fundo corporativo de venture capital para investir em negócios inovadores. Quais são as apostas?
Trata-se de um fundo da própria empresa. Ele não é aberto a outros investidores. Vamos investir US$ 100 milhões em cinco anos em empresas de tecnologia que atuam no limite da ciência. Aquelas que daqui a oito ou dez anos vão transformar suas áreas de atuação.
Você poderia detalhar esses investimentos?
Estamos investindo em uma empresa chamada ROME Therapeutics, que trabalha com o chamado "dark genome". Esse genoma escuro são porções repetitivas do DNA que antigamente achavam que não serviam para grande coisa. Atualmente se sabe que ele parece ter um papel importante na geração de algumas doenças.
Essa empresa está investigando uma proposta de medicamento absurdamente inovador para lúpus, uma doença para a qual quase não há tratamentos, exceto os corticoides. A ROME tem uma plataforma que permitiria criar outros medicamentos também. As pesquisas com essa droga para lúpus estão na fase pré-clínica.
Qual é o objetivo da parceria com a Abcuro?
A Abcuro é uma empresa americana dedicada à imunoterapia. Ela desenvolve um medicamento para miosite por corpos de inclusão, uma doença autoimune que provoca fraqueza muscular progressiva. É um problema dramático, extremamente raro e sem tratamento. Estamos investindo também em uma outra empresa interessantíssima, a Walden Biosciences , dedicada a desenvolver terapias para reverter a progressão de formas raras ou prevalentes de doença renal.
Algum desses investimentos foi feito em empresa brasileira?
Sim, a única nacional é a gen-t. Ela está construindo um banco de dados genômico brasileiro. Essa é uma exceção. Quase todos os nossos investimentos estão sendo feitos em empresas de altíssima tecnologia no exterior. A maioria está terminando a fase pré-clínica dos estudos e entrando na fase clínica.
Para saber mais
Quais outros projetos merecem destaque?
Temos projetos em andamento em doenças reumatológicas e drogas para sistema nervoso central e periférico. Estamos explorando também a área de antimicrobianos, um problema brutal no mundo.
Vocês estão olhando para uma área pela qual a indústria farmacêutica deixou de se interessar?
A grande indústria, a chamada Big Pharma, abandonou a pesquisa de antimicrobianos. Ela tem buscado investir mais em oncologia, doenças raras ou autoimunes. Na Eurofarma, achamos que os antimicrobianos são um espaço muito interessante a ser explorado. Estamos olhando para diferentes alvos e bactérias que já apresentam muita resistência.
O que muda na cultura da empresa quando ela se torna inovadora?
Esse processo transforma a empresa em vários aspectos. O nível de risco enfrentado por uma companhia que só faz cópias é muito baixo. Quem se aventura a fazer inovação corre riscos crescentes. A inovação radical envolve tempos e valores muito maiores. A empresa precisa aprender a lidar com isso. A tomada de decisão é feita em bases diferentes. Um projeto de patente radical exige outro nível de envolvimento dos executivos e de conhecimento técnico. Nosso pessoal de patentes normalmente olhava as patentes alheias para ver se havia espaço para fazer um medicamento um pouco diferente ou ficava esperando a patente vencer para entrarmos nesse mercado. Com inovação radical, é outra história. Agora é preciso escrever e defender nossas próprias patentes.
Nesse processo, o que precisa mudar na cabeça dos colaboradores?
O mais importante é o apoio e o suporte do acionista da empresa. Quando ele discute com os colaboradores e defende a ideia da inovação, isso já é uma transformação cultural imensa. Claro que não é a empresa inteira que passa por isso, mas um grupo de pessoas que vai se movendo em várias áreas e se envolvendo em projetos que têm essa necessidade de conhecimento e de habilidades de governança. Não foi uma mudança repentina. Viemos construindo isso à medida que nos envolvemos em projetos progressivamente mais complexos.
Em termos de faturamento, qual é a relevância atual dos genéricos?
Os genéricos representam 90% do faturamento da Eurofarma. Nosso objetivo é chegar nos próximos anos a ter 20% ou 30% do faturamento gerado pelos produtos inovadores. Quanto mais produtos exclusivos tivermos, maior será essa parcela. Não vamos deixar de alimentar os nossos medicamentos genéricos pelo menos nos próximos 50 anos. Isso será fundamental para balancear o risco da companhia.
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