'Me sinto acolhida': como é o 1º centro de saúde para pessoas trans em SP
Yhori Samines, 24, se espantou quando foi atendida por uma pessoa não binária em uma sessão de psicoterapia, em um centro de saúde no bairro do Bom Retiro, em São Paulo. Nos últimos três anos, ela, que também é não binária, passou por muitas frustrações até encontrar um profissional de saúde para atender suas demandas.
"Já tive, por exemplo, meu pronome desrespeitado durante uma coleta de sangue pela equipe de enfermagem. Infelizmente, também tem muito despreparo para atender a população trans, da recepção até médico ou enfermeiro", relata.
Outra dificuldade da jovem foi encontrar atendimento psicológico adequado. "Quando se fala de uma pessoa trans, existem muitas questões que estão envolvidas diretamente com a saúde mental, e às vezes há profissionais que não entendem ou não sabem como lidar", diz.
Há três meses, ela foi encaminhada ao Centro de Referência de Saúde Integral para a População de Travestis e Transexuais Janaína Lima, a primeira unidade de saúde pública especializada em pessoas trans, travestis e não binárias de São Paulo, criada em janeiro de 2023.
A unidade é batizada com o nome da primeira travesti a assumir a presidência do Conselho Municipal de Atenção à Diversidade Sexual paulistano —a militante Janaína Lima morreu em 2021, aos 45 anos, após sofrer um infarto.
Yhori foi encaminhada ao centro especializado por uma médica de família de uma UBS (Unidade Básica de Saúde).
Me encantei quando cheguei aqui porque encontrei muito suporte para minhas questões, desde as mais básicas como consulta, até apoio a questões burocráticas, porque aqui também tem assistentes sociais que fazem contato direto com a nossa UBS de origem. Yhori Samines
Cuidados específicos
A assistente social Tânia Regina Correia de Souza, coordenadora da área de saúde integral da população LGBTQIA+ da Secretaria Municipal de Saúde, explica que o centro de saúde foi criado para complementar o trabalho da Rede Sampa Trans, que reúne 44 unidades básicas de saúde com profissionais capacitados para atendimento a pessoas trans, travestis e não binárias.
Essa rede oferece, nas UBS, o acompanhamento para o uso de hormônios, encaminhamentos para cirurgias, e também estratégias sociais como orientação para retificação de nome social. Para demandas mais especializadas, funcionam como serviço de atenção secundária.
Atualmente, o Centro Janaína Lima acompanha 620 pessoas. Em seu primeiro ano de funcionamento, em 2023, realizou 6.408 atendimentos.
A unidade possui uma rede de profissionais especializados em situação de saúde com o recorte de gênero. Além da hormonização para adolescentes a partir dos 16 anos, está disponível:
pré-natal para homens trans grávidos;
abordagem específica para possíveis complicações causadas após implante de silicone industrial;
acompanhamento de pessoas intersexo;
atendimentos a complicações cirúrgicas de afirmação de gênero;
endocrinopatias de base afetadas pelo uso de hormônios.
A inovação do Centro de Saúde Janaína Lima está na abordagem especializada para complementar o trabalho desenvolvido na rede Sampa Trans, proporcionando uma experiência de cuidado completa e centrada na pessoa. A unidade especializada busca abordar outras demandas, como saúde mental, saúde sexual, saúde reprodutiva e doenças comuns à população brasileira. Tânia Regina Correia de Souza, coordenadora da área de saúde integral da população LGBTQIA+ da SMS
O centro atende pessoas encaminhadas pela rede Sampa Trans, oferecendo suporte com uma equipe de endocrinologistas, psiquiatras, ginecologistas, urologistas, nutricionistas, psicólogos e fonoaudiólogos. Também é possível obter atendimento por chegada, no horário de funcionamento das 9h às 21h.
Atendimento sem julgamentos
Há nove meses, a vendedora Ana Paula Fonseca Guimarães, 49, começou a ser atendida no Centro de Saúde Janaína Lima.
Quando vim para cá, descobri que existem outras abordagens, entendi a dosagem dos remédios, comecei a passar em psicólogo e fonoaudiólogo. Aqui, o acompanhamento me proporcionou um ambiente livre de julgamentos. Fiquei muito à vontade porque me senti acolhida. Ana Paula Fonseca Guimarães
Assim como Yhori, Ana Paula também relata uma jornada de insatisfação por clínicas e ambulatórios antes de chegar na unidade, o que a levou a se automedicar para fazer hormonização.
"Eu comprava o anticoncepcional mais básico e tomava por conta própria", conta. "Pensava que era a única que acreditava que nosso corpo poderia estar em desalinhamento com o nosso interior."
Com o atendimento especializado, ela conseguiu ajustar a dosagem hormonal, além de ter acompanhamento psicológico e fonoaudiológico.
No Centro de Saúde Janaína Lima, todos os profissionais, do atendimento à segurança, passam por treinamento especializado de gênero. Para Yhori, a abordagem integral à saúde da população trans é o principal acerto da unidade. "Nossas demandas vão além do corpo", diz.
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