LPF: técnica da 'barriga negativa' reduz mesmo a circunferência abdominal?
Yara Guerra
Colaboração para VivaBem
09/02/2024 04h03
No universo fitness das redes sociais, é comum ver uma cena curiosa. Em jejum e em busca de uma "barriga negativa", influenciadoras controlam a respiração contraindo os músculos abdominais, "sugando" a barriga para dentro do corpo e formando uma espécie de vácuo no centro do tronco. E assim se inicia o dia...
A prática faz parte do método de treinamento chamado de Low Pressure Fitness (LPF), que se inspira na técnica hipopressiva dos anos 1980 e combina reeducação postural e respiratória com mobilização neurodinâmica e miofascial.
Com princípios e exercícios baseados em outras atividades —como a ioga, o pilates e a fisioterapia pélvica—, o LPF também é conhecido como "técnica da barriga negativa". Isso porque a redução da circunferência abdominal em poucas semanas é uma das promessas do método —ou pelo menos das influenciadoras que divulgam a prática.
Manuela Cit é uma delas. Em um vídeo com mais de 469 mil curtidas no TikTok em que explica como afinou a cintura e emagreceu, ela cita o LPF como uma das razões. Dieta, treino, hidratação e boas noites de sono estão entre os demais motivos, que sabemos que é comprovado que ajudam a diminuir a circunferência abdominal.
"Eu fiquei sabendo que o LPF serviria para reduzir a circunferência abdominal, mas hoje as pessoas falam que é um mito. Não tenho certeza, pois sinto que a minha cintura diminuiu e acho que o LPF contribuiu para isso", conta a estudante de medicina.
'Parece mágica', mas não existe milagre
Instrutores e demais adeptos citam outras vantagens do LPF, como redução de inchaço abdominal e nas pernas; fortalecimento muscular da região do core; melhora da postura e da diástase abdominal; aumento da capacidade respiratória; redução das dores de coluna e cabeça; combate à incontinência urinária e constipação; e auxílio na prevenção de hérnias abdominais e até hemorroidas.
O controle da ansiedade, redução dos sintomas da síndrome de intestino irritável e melhora da função sexual também estão na vasta lista.
"Parece mágica", pontua o profissional de educação física Leonardo Carvalho, mestre em biodinâmica do movimento pela Unicamp.
Mas não acredite em milagres. Carvalho explica que muitos dos benefícios apontados não tem comprovação científica e o termo "low pressure fitness" nem mesmo existe na literatura científica.
Nos poucos estudos realmente conduzidos sobre a técnica hipopressiva do abdome, na qual o LPF se inspira, os resultados são contraditórios. Além disso, há ausência de padronização nas condutas, o que limita a análise dos efeitos.
LPF emagrece? Não é bem assim...
A redução de medidas é, de longe, o principal apelo para a popularidade do método. Mas Carvalho diz que essa também é uma ideia contraditória.
Ao praticar o LPF, o indivíduo causa um estresse no músculo, o que leva a uma adaptação de crescimento [da musculatura abdominal], se houver aporte nutricional. Então, como a prática poderia induzir a uma diminuição de tamanho da circunferência?
Leonardo Carvalho, profissional de educação física
Mas como a técnica trabalha o reajuste postural e melhora do tônus muscular, o praticante pode ter a sensação de que o abdome está mais para dentro e a cintura mais fina.
Não se trata, assim, de uma perda de gordura —o que é, de fato, insignificante durante as sessões de LPF. "Uma musculatura mais forte 'segura' melhor o abdome, impedindo a ptose abdominal, que seria a projeção dos órgãos internos para a frente", explica Leonardo Vidal Andreato, profissional de educação física, doutor em ciências do movimento humano e professor da Universidade do Estado do Amazonas.
A correção postural também ajuda a "empurrar" o abdome para dentro, o que leva à aparência de uma menor circunferência abdominal. Essa estratégia de perspectiva visual é usada, inclusive, por atletas de fisiculturismo em suas provas, a fim de criar a ilusão de uma cintura mais fina e alcançar uma melhor performance.
Emagrecer exige mais
É importante ressaltar que a LPF, por si só, não reduz ou define a barriga. Talvez o caminho para quem deseja praticar a técnica e reduzir a circunferência abdominal seja associar a ginástica hipopressiva a outras atividades —como a estudante de medicina Manuela Cit contou que fez no TikTok.
A ciência mostra e também é consenso entre os especialistas que uma dieta saudável que promova o déficit calórico, a prática regular de atividade física, dormir bem e controlar o estresse são eficientes para reduzir a gordura corporal e, consequentemente, afinar a barriga.
Aliada a tudo isso, a LPF seria a "cereja do bolo", não a principal responsável pelo emagrecimento —que geralmente é a dieta.
"A recomendação de déficit calórico para quem está em processo de emagrecimento é por volta de 500 kcal por dia em relação ao seu gasto energético diário", diz Vinicius Concon, profissional de educação física especialista em fisiologia do exercício e treinamento esportivo e mestre em biodinâmica do movimento pela Unicamp.
Ele acrescenta que é importante que a adoção da dieta seja acompanhada por um nutricionista, pois a orientação deve ser individualizada para cada caso. "Se a reduçã calórica for maior de 500 kcal por dia, a pessoa corre o risco de perder massa muscular e o efeito será inverso a longo prazo", explica.
Controvérsias
Em relação aos demais benefícios do LPF defendidos por instrutores, influenciadores e sites que se dizem especializados na prática, alguns deles não chegaram a ser endereçados em estudos.
Já outros foram combatidos por cientistas, e alguns se provaram mais bem alcançados a partir de outras estratégias.
A fisioterapeuta Kari Bo, por exemplo, contribuiu para um estudo que comparou a eficácia de exercícios hipopressivos e do treinamento muscular do assoalho pélvico para prevenir e tratar incontinência urinária de esforço em mulheres e prolapso de órgãos pélvicos.
No artigo, publicado pela British Journal of Sports Medicine em 2017, o treinamento muscular do assoalho pélvico mostrou-se mais eficiente e a autora sugere que a estratégia de marketing da técnica hipopressiva é maior do que suas evidências.
Os poucos ensaios randomizados e controlados mostraram que treinar o assoalho pélvico é mais eficaz para prevenir e tratar as condições.
Kari Bo, fisioterapeuta
Kari, que é PhD em ciência do exercício e professora convidada da Faculdade de Medicina da USP Ribeirão Preto, acrescenta que o efeito imediato de uma manobra hipopressiva é menos eficaz para a ativação dos músculos do assoalho pélvico do que uma contração real dessa musculatura.
Na pesquisa, o exercício hipopressivo também não demonstrou benefícios significativos para a melhora da capacidade respiratória,
Em resumo, faltam estudos para atestar a eficácia da técnica para muitos dos objetivos apontados por quem a orienta, pratica ou a divulga na internet.
No entanto, a ausência de evidência não significa a ausência de resultados positivos. É possível que haja benefícios, mas a indicação aos pacientes deve ser feita com cautela pelos profissionais da área da saúde.
Leonardo Vidal, profissional de educação física
Hollowing, vacuum, bracing
É comum que o LPF seja confundido com outras atividades que têm como ponto em comum o reajuste postural, como o hollowing, o vacuum e o bracing. Mas o que são cada um desses métodos?
"O hollowing é basicamente a contração hipopressiva do transverso abdominal, especificamente, e pode se tornar perigosa quando o praticante realiza a pressão deixando outras musculaturas suscetíveis ao relaxamento durante a atividade física", explica Taise Spolti, profissional de educação física e colunista de VivaBem.
O vacuum, por sua vez, é uma atividade que combina respiração, postura e hipopressão diafragmática, e que pode ser realizada deitado, em quatro apoios ou em pé.
Spolti explica que, por abrir a região do gradil costal, a prática aumenta a pressão nas partes superiores do tórax, tornando-se perigosa para hipertensos ou pessoas com capacidade respiratória diminuída. "É como se a pessoa estivesse encolhendo a barriga, mas estufando o peito", diz.
Já o bracing, segundo Vinicius Concon, é a ativação isométrica dos músculos abdominais —ou seja, a contração sem o movimento de flexão do tronco—, associada ou não a outros exercícios.
Na prática, o bracing seria você contrair os músculos abdominais enquanto faz uma rosca direta ou um agachamento, por exemplo —ou até mesmo quando está descansando entre uma série e outra da musculação ou esperando o ônibus para ir trabalhar.
Trabalhar essa musculatura pode ajudar a reduzir os riscos de lesão e diminuir as dores na lombar, o que torna o bracing uma preciosa estratégia, principalmente frente ao suporte bem consolidado de seus benefícios.
Como praticar LPF
De acordo com Kelly Madrona, profissional de educação física especializada em LPF, a técnica engloba várias posturas que podem ser adotadas com a evolução do aluno.
"Geralmente, começamos com posturas em pé e vamos evoluindo até chegar nas posturas deitadas, utilizando trabalhos de baixa e alta pressão", diz.
Para quem quer começar a praticar o LPF, Madrona sugere uma postura tranquila conhecida como "Deméter": o alundo deve iniciar deitado com os pés em dorsiflexão, joelhos semiflexionados, pelve neutra e braços na linha média.
Realize três ciclos respiratórios (inspiração pelo nariz e expiração pela boca). Após a terceira exalação, realize uma pausa respiratória e abertura costal, sem permitir que aconteça a entrada de ar no abdome e facilitando a abertura das costelas (vacuum abdominal).
Kelly Madrona, profissional de educação física
Ela sugere manter o vácuo por três segundos e depois retornar com a inspiração pelo nariz. "Esse ciclo pode ser repetido totalizando cinco minutos por dia", diz.
Segundo a profissional de educação física, as sessões de LPF podem ser realizadas de acordo com o objetivo do aluno ou paciente e têm duração de 45 a 50 minutos, mais cinco minutos de exercícios diários realizados pelo praticante em casa.
"O treinamento diário faz toda a diferença no tratamento, garantindo a manutenção da série, dificultando o retorno da pressão abdominal", afirma.
Em relação às contraindicações, não há um consenso devido à ausência de diretrizes suportadas por estudos científicos. Mas Kelly Madrona explica que existem casos em que o praticante deve ser acompanhado por um profissional certificado.
"Precisamos ter atenção com gestantes e alunos com hipertensão, síndrome vasovagal e síndrome de Crohn", diz.