20 profissionais, 18 h de cirurgia: ela teve rosto reconstruído após tumor
Andressa Cordeiro sempre foi uma criança muito alegre e brincalhona. Em Luiziana, interior do Paraná, a infância com atividades ao ar livre, sob o sol, e agitação está nas boas memórias dela. Mas, às vezes, esses momentos intensos eram acompanhados por leves sangramentos no nariz e pequenas manchas vermelhas no rosto.
Essas ocorrências preocuparam e, aos 10 anos, ela foi diagnosticada com hemangioma cavernoso, um tumor vascular benigno.
"Comecei a ir sempre para Curitiba e a fazer várias cirurgias. Por conta das hemorragias, tive que parar de estudar ou brincar, pois já não conseguia mais", conta ela, hoje com 24 anos.
O tumor evoluiu a ponto de Andressa não ter vida social. Na adolescência, o rosto começou a inchar, os sangramentos eram frequentes e as intervenções médicas também. Uma fase que ela considera "bem difícil".
Sentia muita vergonha, odiava tirar fotos, não podia fazer atividades físicas, mal saía de casa e me isolei demais nessa época.
O hemangioma tomou praticamente todo o lado direito do rosto dela, com lesões graves e protuberantes. A visão, inclusive, ficou comprometida.
Entenda o hemangioma
Trata-se de uma condição congênita, ou seja, a criança já nasce com ela. É um tumor benigno comum na infância.
Ocorre por um defeito na formação das células que vão dar origem aos vasos sanguíneos, ainda no período embrionário.
Essa malformação faz com que as veias, mais finas, não suportem a alta pressão do sangue que vem das artérias, que são mais grossas. É como transferir para uma bexiga a água que sai de uma mangueira de bombeiros com alta pressão.
Assim, o sangue se acumula na região, formando um emaranhado de vasos. Como consequência, vêm os sangramentos e o crescimento da região afetada.
Um hemangioma pode ser superficial, quando afeta só a parte superior da pele, ou cavernoso, quando atinge camadas mais profundas.
Em 70% dos casos, a condição desaparece entre 10 e 12 anos. Se não sumir nesse período, dependendo do local e da profundidade, evolui para um quadro mais grave como o de Andressa.
18 horas de cirurgia
Gelson Luis Koppe, neurorradiologista intervencionista do Hospital Universitário Cajuru, em Curitiba, começou a atender Andressa quando ela tinha 14 anos. "Ela estava sangrando pela boca", lembra.
Desde o primeiro atendimento, o intuito era minimizar os sangramentos por meio de embolização, que é o fechamento dos vasos que alimentam o hemangioma, e punções diretas com uma agulha fina para aliviar a região.
Mas a doença evoluía cada vez mais, e o quadro ficou extremamente grave. "Chega uma certa situação em que tem de tomar uma atitude mais agressiva, igual o caso dela, porque ou você toma essa atitude agressiva ou a pessoa morre por sangramentos", diz o médico.
Em 27 de agosto do ano passado, Andressa entrou no centro cirúrgico para um longo e transformador procedimento. Foram 20 profissionais envolvidos e mais de 18 horas seguidas de cirurgia aberta.
Koppe liderou a equipe, e a operação foi dividida em três etapas:
Embolização, que interrompeu o fluxo sanguíneo para o hemangioma e buscou prevenir possíveis hemorragias nas fases seguintes.
Retirada do tumor, ou seja, das veias doentes, feita pela cirurgiã Marja Reksidler, dos hospitais Erasto Gaertner e Pequeno Príncipe.
Plástica reconstrutiva, realizada pelo cirurgião plástico Alfredo Duarte, do Hospital São Marcelino Champagnat.
Pela extensão do hemangioma, todo o lado direito do rosto de Andressa foi ressecado, com perda de pele, músculo, nervos e gordura. Para reconstruir a face dela, Duarte fez um transplante de tecidos com músculos e pele da própria paciente.
Koppe destaca que nem todo hemangioma chega a essa gravidade. Há casos em que apenas punções diretas ou pequenas cirurgias resolvem o problema e evitam a evolução do tumor.
União que fez acontecer
A cirurgia já tinha sido cogitada no passado, mas pela gravidade e risco do caso, o plano foi pausado. "É difícil encontrar equipes dispostas a encarar uma patologia dessas e esse tipo de cirurgia tão grande", diz Koppe.
Quando finalmente o médico conseguiu reunir especialistas para a operação, foi um misto de sentimentos para Andressa. "Estava com medo por saber do risco de morte, mas ao mesmo tempo sentia muita esperança, pois não aguentava mais a vida que eu levava."
Koppe destaca a associação de especialidades médicas necessárias para realizar o procedimento pelo SUS (Sistema Único de Saúde).
Fizemos várias reuniões online para discutir o caso, fizemos uma junta médica. A gente só consegue fazer isso com muito planejamento, equipes entrosadas e boa vontade de todos. Gelson Luis Koppe, neurorradiologista intervencionista
Nas palavras dele: "Demos condições para ela viver".
Andressa se recupera bem, mas ainda passará por novos procedimentos para reconstruir lábio, olho e nariz. Ela ainda não tem uma vida normal, como diz, mas tem muita esperança de ficar bem.
"Ainda estou um pouco sem acreditar que fiz um procedimento tão grande e sobrevivi. Mas só de saber que o pior já passou, sinto um alívio. Agora, não vejo a hora de tudo estar resolvido, poder descansar um pouco disso tudo e ter uma vida sem tanto medo."
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