'Rompi pulmão no leg press': jovem com fibrose cística levanta 200 kg
Em Dois Córregos, interior de São Paulo, a rotina de Lucas Vinicius Lopes, 22, é levantar altas cargas na academia, algumas com mais que o dobro do seu peso. Com 50 kg e oito por cento de gordura corporal, ele é capaz de levantar até 200 kg em seu treino de pernas no aparelho conhecido como leg press.
As cargas são de praticantes de musculação de níveis avançados e o jovem ainda faz tudo com o uso de oxigênio. Ele convive com fibrose cística, doença que acomete seus pulmões, pâncreas e intestino e faz com que a sua oxigenação sanguínea seja baixa. Ele precisa usar oxigênio 24 horas por dia, até mesmo em atividades diárias ou em repouso, e tem indicação de transplante pulmonar.
Comecei a usar oxigênio ano passado, quando não conseguia mais fazer coisas habituais como tomar banho e lavar louça. Meus batimentos cardíacos ficavam muito altos e a minha saturação sanguínea caía. Quando vou treinar, preciso aumentar a litragem dele na válvula. Lucas Vinicius Lopes, que trata fibrose cística
A doença foi diagnosticada quando Lucas tinha apenas três meses de vida. "Descobri bem rápido, e isso fez muita diferença, porque quanto mais cedo tratar, melhor a qualidade de vida que se tem. Caso contrário, existe o risco de desenvolver diabetes, perder o baço ou o fígado", diz.
Além da fibrose pulmonar, digestiva e pancreática, há uma quarta ainda não descoberta pelos seus médicos, de acordo com Lopes.
"Fibrose cística é uma doença genética crônica, que tende a afetar principalmente o pulmão, pâncreas e o trato digestório. É mais comum começar na infância e o principal sintoma se dá pelo acúmulo de muco, que aumenta cerca de 30 a 60 vezes mais que o normal e usual", explica Vinícius Anacleto, médico pneumologista da Santa Casa de São José dos Campos.
Anacleto esclarece que, no pulmão, o muco prejudica o órgão, proliferando bactérias e fungos que levam a infecções respiratórias. A digestão também é afetada, pela doença prejudicar as enzimas ao afetar pâncreas e intestino.
Recruta do exército e vida de treinos
Lucas pratica musculação há seis anos. Quando mais jovem, na idade militar [18], serviu no exército, e foi nesse período que a sua doença se agravou e ele teve o primeiro rompimento pulmonar espontâneo —condição conhecida como pneumotórax, que ocorre devido à ruptura de uma pequena área enfraquecida do pulmão, também conhecida como bolha.
Aos 18, a doença começou a progredir. Eu queria ser oficial, comecei a estudar para passar no curso, mas pedi meu desligamento quando aconteceu meu primeiro pneumotórax, e pedi para me desligarem. Lucas Vinicius Lopes
"Fazei-me forte de corpo e alma", cita Lucas durante a entrevista. O verso integra uma das "canções de guerra" da infantaria e, segundo ele, o inspira até hoje a continuar sua rotina de treinamentos.
São seis anos de internações frequentes devido a quadros infecciosos causados pela fibrose cística —em uma delas, ele teve o segundo rompimento pulmonar.
"Nos últimos anos, tive bastantes internações, no ano passado foram cinco. Todas com mais de 30 dias e com muito antibiótico, muita injeção. Logo que retorno, não consigo dar início de imediato aos treinos", conta Lucas.
Ele faz tratamento em um hospital público vinculado ao SUS próximo da região onde reside, e afirma ter indicação da equipe médica para praticar musculação.
Anacleto afirma que atividade física é essencial a pacientes nessa condição, e inclusive pode tornar o seu pós-operatório de transplante pulmonar melhor e diminuir riscos durante e depois da cirurgia. Mas alerta que é preciso usar carga de esforço reduzida e ter acompanhamento profissional.
Em minha academia, faz apenas poucos meses que ele treina, mas o Lucas já frequentava outras aqui na cidade. Ele é um aluno que tem seu treino próprio, que ele mesmo desenvolveu, simples e muito eficaz. O meu único trabalho é ajudar ele a fazer uma série mais pesada. Luiz Alfredo Togni, 31, proprietário da Academia Funcional Fight, onde o jovem treina
"Ajudamos ele com a mensalidade, creatina e com um hipercalórico, que são os únicos suplementos que ele pode tomar", diz Togni.
Cinco mil calorias
Se o peso que Lucas levanta no ginásio é pesado, no prato não é diferente. A fibrose cística dificulta sua absorção nutricional e faz com que tenha que comer dobrado para ter força e alcançar a hipertrofia muscular.
"Hoje, eu consumo de quatro a cinco mil calorias diariamente. Como a cada três horas no dia, sendo 1 kg e meio só de arroz, fora o resto", diz.
O jovem faz uso de suplementos alimentares recomendados pelos seus médicos e precisa ter uma dieta rica em gorduras. "Eu tenho que saber controlar, não posso fazer uma dieta de atleta, tenho que comer algumas coisas gordurosas, porque nossa absorção de lipídios é baixa, preciso ter uma alimentação calórica", afirma.
Pulmão rompido no leg press
Foi na academia que Lucas rompeu seu pulmão pela terceira vez, mas foi a primeira que isso aconteceu durante o esforço, em um treino com cargas pesadas.
Estava levantando 200 kg no leg press e senti o pulmão estourando. Sou uma pessoa calma e me mantive tranquilo. Na hora, senti um desconforto como se tomasse um soco nas costas e fiquei sem ar. Liguei para os meus pais e fomos ao médico. A tomografia constatou a pneumotórax. Lucas Vinicius Lopes
A recuperação da lesão pulmonar requer repouso extremo. "Depois não pode nem carregar uma sacola. Quando volto, vou pegando bem leve e gradativamente aumentando e voltando ao normal. O médico que me trata fala que eu mesmo sei meus limites e que devo respeitá-los", diz Lucas.
Apesar de ainda aguentar 200 kg, depois do susto, Lucas afirma ter diminuído algumas cargas, mas ainda consegue fazer o mesmo exercício com até 160 kg.
Anacleto afirma que a pneumotórax pode acontecer nesses pacientes depois de puxarem uma alta carga no exercício físico. "É como se ele tivesse um acúmulo de cistos nos pulmões, e por conta da pressão intratorácica ele pode romper", explica
Luta por medicamento negado e transplante pulmonar
Apesar de indicado ao transplante, Lucas ainda está em processo de exames pré-operatórios, mas o jovem ainda tenta uma alternativa menos invasiva e arriscada do que a cirurgia.
"Estamos na questão se entro na fila do transplante ou espero o modulador [medicamento para tratar fibrose cística]. Hoje em dia, estou em processo judicial com o governo para conseguir essa medicação que promete a melhora da função pulmonar. Com ela, os usuários de oxigênio conseguiriam ganhar peso e deixar de usar o oxigênio", diz Lucas.
O modulador citado em questão é o Trikafta e foi incorporado ao SUS para tratamento da fibrose cística pulmonar no ano passado. De acordo com o jovem, testes genéticos indicam que ele seria elegível ao uso do medicamento, que tem alto custo —pode ter o valor do tratamento superior a R$ 100 mil por mês.
Nathalie Martins Salvalagio, advogada de Lucas, explica que o município de Jaú alega que o processo para importação é burocrático. "Porém o juiz já descartou as alegações, tanto que já penhorou os cofres públicos. No momento, o recurso entendeu que a sentença deve permanecer como está, obrigando a entrega do remédio por tempo indeterminado. Mas o município recorreu", comenta Salvalagio.
"O ideal seria de fato eles entregarem continuamente, senão a gente consegue penhora por três meses, presta contas, aí o remédio acaba e eles não entregam, e o mesmo procedimento começa de novo. É um medicamento importado, com apenas uma importadora no país. Então não justifica a morosidade da justiça", continua a advogada.
Até o momento da publicação desta reportagem, a pasta responsável pela saúde do município de Jaú não se pronunciou sobre o processo.
Com uma doença grave, o jovem ainda mantém sonhos no esporte. "Sempre fico com medo, mas digo a mim mesmo que não posso parar. Quero ser o primeiro fisiculturista a ter fibrose cística, inovar no esporte", diz.
Hoje em dia, a musculação é tudo para mim. Nunca parei de treinar e ela me ajudou muito a chegar onde estou. Fazei-me forte de corpo e alma. Lucas Vinicius Lopes
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