Os micróbios escondidos (e compartilhados) em um beijo

O contato boca a boca é observado em peixes, aves e primatas, mas o beijo íntimo, com contato entre as línguas e troca de saliva, parece ser exclusivamente humano, e é comum em mais de 90% das culturas. Por quê?

Alguns autores sugeriram que o beijo íntimo pode ajudar a avaliar e selecionar afetivamente seu futuro parceiro com base na sensação química produzida pela saliva.

Outros postularam que o beijo íntimo evoluiu para proteger as mulheres grávidas contra infecções uterinas perigosas causadas por vírus transmitidos pela saliva: a exposição ao vírus antes da gravidez poderia imunizar a mãe e proteger o feto.

Trocamos 80 milhões de bactérias em um beijo

Na realidade, essas são meras hipóteses, e não sabemos o motivo pelo qual os seres humanos se beijam. Seja para selecionar nosso parceiro ou para imunizar a mãe, não há dúvida de que os micróbios que residem na boca são numerosos e desempenham um papel importante.

Em um estudo publicado em 2014, cientistas analisaram os micróbios presentes na boca de 21 casais após um beijo íntimo controlado experimentalmente.

Eles descobriram que, ao se beijar, os parceiros trocam parte da microbiota em suas línguas, e as bactérias de cada um permanecem por horas na saliva de seu novo inquilino.

O cientistas também observaram que quanto mais beijamos nosso parceiro, mais a composição dos micróbios em nossa saliva se assemelha.

Parece óbvio, mas é algo que tinha que ser comprovado. Eles até calcularam exatamente quantos beijos são necessários para que o efeito sobre a microbiota da saliva seja mantido: pelo menos nove beijos por dia.

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Mas o mais interessante é que os autores do estudo calcularam o número de bactérias que trocamos em um beijo. Para fazer isso, eles prepararam um iogurte com lactobacilos e bifidobactérias pré-marcadas, e o deram para um dos parceiros beber.

Depois de um beijo apaixonado que durou apenas dez segundos, eles coletaram amostras do ?receptor? e calcularam o número de bactérias no iogurte que havia passado de um para o outro.

A conclusão foi que, em um beijo íntimo de apenas dez segundos, podemos trocar cerca de 80 milhões de bactérias. Com um beijo, não apenas trocamos todo o nosso amor, mas também algo tão íntimo quanto vários milhões de bactérias.

O microbioma oral

O microbioma oral refere-se à comunidade de microrganismos que habita a cavidade oral (boca, língua, gengivas e garganta). Ela inclui milhares de espécies diferentes de bactérias, vírus, fungos e outros organismos unicelulares que formam um ecossistema complexo e dinâmico.

Mais de 700 espécies diferentes de bactérias foram identificadas. A maioria delas tem efeitos benéficos, como a digestão de determinados nutrientes, a proteção contra patógenos invasores ou a regulação do sistema imunológico local.

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Apenas algumas são responsáveis por doenças orais —cárie dentária, doença periodontal, halitose (mau hálito), candidíase oral, etc.— e doenças não orais —doenças cardiovasculares, diabetes e doenças respiratórias.

Até mesmo a presença de alguns patógenos orais, como a bactéria Porphyromonas gingivalis, que causa a periodontite crônica, tem sido associada como fator de risco para a formação de placas amiloides, comprometimento cognitivo e demência característica da doença de Alzheimer.

O beijo pode transmitir herpes

Os microrganismos trocados durante um beijo não são necessariamente prejudiciais. Na maioria dos casos, essa troca não representa um risco significativo para a saúde, desde que as pessoas tenham uma boa saúde geral e bucal. Mas há várias doenças infecciosas que podem ser transmitidas pelo beijo.

  • O herpes é um tipo de vírus que pode ser facilmente transmitido pela saliva.
  • Por exemplo, a mononucleose infecciosa (conhecida como a doença do beijo) é causada pelo vírus Epstein-Barr e é uma doença muito comum entre adolescentes e adultos jovens. Os sintomas incluem febre, dor de garganta, fadiga extrema e aumento dos gânglios linfáticos.
  • O herpes labial ou herpes simples é transmitido por contato direto, inclusive pelo beijo. Os sintomas incluem bolhas dolorosas ao redor dos lábios ou na boca.
  • E o herpes genital, embora seja mais comumente transmitido pelo contato sexual, também pode ser transmitido pelo beijo se houver lesões ativas na boca ou ao redor dos lábios.
  • O citomegalovírus é outro vírus herpético que pode ser transmitido pela saliva. Embora na maioria dos casos não cause sintomas graves, ele pode representar um risco para pessoas imunocomprometidas ou mulheres grávidas, pois pode causar complicações muito graves durante a gravidez.

Essa forma de transmissão explica por que o número de pessoas que tem anticorpos contra esse tipo de herpes (prevalência) é tão alto: por exemplo, mais de 70% da população já teve contato com o vírus Epstein-Barr durante a vida.

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Cárie, faringite e gripe

No entanto, há muitos outros agentes patogênicos que podem ser transmitidos pelo beijo se houver troca de saliva. Isso inclui bactérias como Streptococcus mutans ou Streptococcus pyogenes, que causam cáries ou infecções na garganta e faringite.

Mas também bactérias associadas à doença periodontal, como a Porphyromonas gingivalis. E, é claro, os vírus que causam infecções respiratórias, como o vírus da gripe, o vírus sincicial respiratório ou outros vírus do resfriado comum.

Alguns tipos de papilomavírus também podem ser transmitidos em um beijo. E até mesmo fungos, como a levedura Candida albicans, que causa a candidíase.

Higiene bucal para um beijo saudável

A dieta, a higiene bucal, o tabagismo e o consumo de álcool, o uso de antibióticos e outros medicamentos, a genética e outras condições médicas subjacentes influenciam a composição e a saúde da microbiota bucal.

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A manutenção de um equilíbrio saudável na microbiota bucal é essencial para evitar doenças e sua transmissão por meio do beijo. Isso inclui a escovação frequente e adequada dos dentes e da língua, juntamente com o uso de fio dental e enxaguante bucal, este último com moderação.

Além disso, visitas regulares ao dentista, limitar o consumo excessivo de açúcar e evitar o fumo são as melhores maneiras de manter uma boca saudável.

E, se estivermos saudáveis, não teremos que nos preocupar com o compartilhamento de nossos micróbios.The Conversation

*Ignacio López-Goñi é membro da SEM (Sociedade Espanhola de Microbiologia) e catedrático de microbiologia na Universidade de Navarra

Este artigo foi republicado do The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original.

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