Ela achou que vape a faria parar de fumar, mas se viciou: 'R$ 500 por mês'

A estudante Larissa Carvalho, 22, fuma desde os 18 anos e, há três, usa só cigarros eletrônicos —ou vapes e pods, os DEFs (dispositivos eletrônicos para fumar). A jovem acreditou que os produtos a ajudariam a reduzir o vício até parar por completo, mas se viciou. "Todo mundo diz que o vape foi feito para você parar de fumar, e eu caí nessa", conta.

Larissa começou a fumar os vapes quando morava fora do Brasil. Ao voltar para cá, onde os dispositivos são proibidos desde 2009, migrou para o cigarro de palha (o paieiro), mas o gosto a incomodava. Então, voltou para os cigarros eletrônicos com essência. "O sabor do paieiro é um horror, aí falei 'vou fumar esse aqui que é docinho'".

Larissa conta que percebeu o vício aos poucos, mas relutava em admiti-lo. "Sabia que estava dependente, mas negava. Antes de acabar o meu vape, já tinha comprado outro para não ter o risco de ficar sem."

O produto virou o seu companheiro desde as primeiras horas do dia. "Nunca despertei no meio da noite para fumar, mas a primeira coisa que fazia ao acordar era pegar o vape. Fumava todo dia, só ia aumentando, porque tinha mais quantidade de puffs [tragadas], e o preço continuava o mesmo."

Há cigarros eletrônicos recarregáveis e descartáveis —esses últimos são vendidos pelo número de puffs. No auge do vício, Larissa comprava um vape de 5.000 puffs a cada dez dias. "Gastava uns R$ 500 por mês com pod", diz.

Quando se deu conta, os momentos de fissura já eram constantes e encontrava jeito de fumar em qualquer lugar, até mesmo no banheiro da faculdade. "Nessas horas que você vê que a coisa tá feia."

A pior vez foi quando deixei o vape cair na privada, enxuguei com papel higiênico e continuei fumando, porque era o único que eu tinha. Larissa Carvalho

Qualquer venda de cigarros eletrônicos é ilegal no Brasil. A Anvisa abriu uma consulta pública para ouvir opiniões sobre a liberação ou não dos dispositivos. O prazo terminou no dia 12 de fevereiro.

Por que vapes viciam?

Cigarros eletrônicos não foram desenvolvidos para tratar o tabagismo, alerta pneumologista
Cigarros eletrônicos não foram desenvolvidos para tratar o tabagismo, alerta pneumologista Imagem: iStock
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A dependência se desenvolve porque vapes têm nicotina, assim como os cigarros convencionais, e não foram desenvolvidos para controlar o tabagismo. "São produtos comerciais, e não médicos", defende o pneumologista Paulo Corrêa, da SBPT (Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia).

Não tem nenhum tipo de avaliação para dizer que ajudam a parar de fumar. Inclusive, muitos são feitos pelas mesmas indústrias tradicionais do tabaco e alguns com doses de nicotina muito maiores. Paulo Corrêa, pneumologista

Segundo o pneumologista, quem opta pelo vape para parar com os cigarros tradicionais costuma usar os dois juntos, aumentando os riscos à saúde. "Fumantes não têm migração completa, ficam com os dois produtos", afirma Corrêa. Entre os mais jovens, a nova geração de fumantes, os cigarros eletrônicos têm sido a porta de entrada para o vício, com risco de também aderirem aos convencionais.

Um estudo, inclusive, indicou que usar vape equivale a fumar 20 cigarros por dia. A pesquisa, que também indicou maior risco de adicção com o produto, foi feita pelo Programa de Tratamento do Tabagismo do Instituto do Coração (SP) com ex-fumantes de cigarro convencional que migraram para o eletrônico.

Perda de fôlego e dor no peito

Larissa notou dor no peito e falta de fôlego após três anos usando o cigarro eletrônico
Larissa notou dor no peito e falta de fôlego após três anos usando o cigarro eletrônico Imagem: Arquivo pessoal
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Foi quando sentiu prejuízos à saúde que Larissa repensou o uso dos cigarros eletrônicos. Ela notou mudanças no fôlego e dores no peito, mesmo sempre tendo feito exercício, após três anos de uso contínuo.

Decidir parar de fumar por sentir na saúde. Comecei a ter falta de ar e dor no peito quando fazia exercício físico. Nunca fui sedentária e sou muito nova para passar por isso. Larissa Carvalho

"Já tinha falado que ia parar de fumar, mas nunca foi uma coisa instantânea como nesse dia. Estava correndo na esteira e falei 'não tá dando'. Cheguei em casa e joguei todos os vapes na água", conta a jovem.

Larissa recorreu aos adesivos de nicotina para lidar com as crises de abstinência. Famosos contra o tabagismo, eles se baseiam no número de cigarros consumido pela pessoa: quanto mais unidades no dia, maior será a dosagem do produto. A proposta é reduzir a quantidade de nicotina até não sentir mais falta.

A recomendação é sempre buscar ajuda médica, porque escolher uma dose maior do que a necessária pode causar overdose —por esse motivo também é proibido fumar durante o uso do adesivo.

Riscos à saúde

Estudos já identificaram mais de 2 mil substâncias tóxicas em vapes
Estudos já identificaram mais de 2 mil substâncias tóxicas em vapes Imagem: iStock
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Além da nicotina, produtos tóxicos presentes no vape prejudicam a saúde. Como não há controle sobre os produtos, é difícil saber exatamente o que está presente em cada um. Larissa, inclusive, conta já saber quando o produto era falsificado. "Já estava tão experiente que sabia quando era falso, porque ele dá uma ardida na garganta. Sabia, mas continuava fumando, não ia jogar fora depois de pagar."

Estudos já identificaram mais de 2.000 substâncias nos vapes, entre elas:

Benzeno: altamente tóxico e cancerígeno, está presente também em escapamentos de carros e causa lesões neurológicas em casos de intoxicação;

Dietilenoglicol: produto químico associado a problemas pulmonares, neurológicos, no fígado e nos rins;

Níquel, estanho e chumbo: metais pesados que causam doenças respiratórias, cardiovasculares e maior risco de desenvolver câncer.

Riscos pulmonares e cardíacos são as consequências mais relacionadas ao uso do vape. Em 2019, os EUA caracterizaram uma condição diretamente ao uso dos dispositivos. É a Evali, sigla em inglês para lesão pulmonar associada ao uso de produtos de cigarro eletrônico ou vaping. Os pacientes apresentam dificuldades para respirar e dor no peito como sintomas primários.

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Seis meses sem fumar: 'Tenho fôlego para tudo'

A abstinência no começo foi alta, mas Larissa está há mais de seis meses sem fumar.

Para se motivar, pensava no lado ruim dos dispositivos, além das consequências à saúde. "Quando o pod tá no final, vinha um gosto muito ruim na boca, é o líquido da essência queimado. E ficava pensando nessas coisas ruins a que me submetia."

Até que a vontade de ficar sem o cigarro eletrônico superou a tentação de voltar a fumá-lo. Os benefícios também começaram a surgir. "Agora, tenho fôlego para tudo, subir escada, correr. Não fica aquela respiração pesada, com o barulhinho que faz quando a gente tá doente."

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