'Levamos galo ao shopping': como uma ave ajuda menina a sair de casa
Imagina ir ao cinema e perceber que um galo também está na sala.
A cena pode causar estranhamento em um primeiro momento, mas a presença do galo é o que permite que Aymee Sophie Soares, de 13 anos, faça atividades comuns a qualquer pessoa de sua idade, como assistir a um filme ou ir ao mercado.
Aymee é uma criança com TEA (transtorno do espectro autista) e o galo Paçoca, com a família há dois anos, é um animal de suporte emocional. Ele ajuda a regular as emoções da menina, explica a mãe, Janete Soares, de Cascavel (PR).
Quando a Aymee está desregulando, ela pega o Paçoca e começa a cheirar o pescoço dele.
Janete Soares
'Foi algo que aconteceu'
Aymee foi diagnosticada aos 10 anos, depois que a mãe suspeitou dos sintomas que ela tinha. Antes de completar um ano, a menina tinha crises —e os médicos suspeitavam de epilepsia ou síndrome cardíaca.
Quando Paçoca chegou, Aymee já tinha animais de suporte, como coelho e periquito. Além disso, fazia terapias. A criança faz acompanhamento psicológico, psiquiátrico, neurológico, psicopedagógico, e terapia ABA (abordagem da psicologia para compreensão do comportamento), aula de música, aula de canto, dança, pilates e outras atividades.
Ela conheceu o galo quando ainda era um pintinho na casa de um tio, no interior do Paraná, há dois anos. "Não foi algo escolhido, aconteceu. Uma sinergia, um encontro entre os dois, que realmente mudou muita coisa para ela", diz a mãe.
Dificuldade de sair
Ir ao mercado era complicado. Janete diz que uma simples ida ao mercado era estressante para ela e para a filha, já que o excesso de informação do ambiente fazia Aymee passar mal. "A questão hipersensorial fica muito aflorada. Algumas vezes, cheguei a chamar o Samu para levá-la ao hospital."
Depois que o Paçoca chegou, ela pediu para levá-lo ao mercado. Ela se sentou na cadeira especial para autistas e, quando terminamos as compras, ela falou: 'foi o dia mais feliz da minha vida'. Ela não saía, não gostava de sair. Depois, levamos os dois no shopping e ela não passou mal.
Janete Soares
O objetivo não é criar dependência. Segundo a mãe, o Paçoca funciona como um "treinamento" para Aymee viver em sociedade. "O quadro dela melhorou muito. Diminuíram as idas ao hospital, a ansiedade em público, ela conversa mais com as pessoas. O Paçoca promove a comunicação e a interação social, além da regulação emocional."
O galo não a acompanha na escola, por exemplo. "Quando ele veio, ela já estava treinada em uma rotina de ir para a escola. No pilates, também se habituou e não precisa mais levar ele", explica Janete. "Se tornar dependente já é um problema. O ideal é que a gente use como uma terapia de abordagem, inclusão, manutenção e melhoria de saúde."
É diferente de ir para lugares novos, quando o Paçoca entra como uma promoção de inserção. Quando ela diz: 'mamãe, não preciso levar o Paçoca', a gente não leva. Espero que em algum momento a Aymee não necessite mais de animal de suporte. Mas, enquanto ela necessitar, a gente vai utilizar para que ela possa ser inserida onde precisa ser inserida.
Janete Soares
Comentários maldosos
A família foi à Justiça. Em setembro do ano passado, Janete precisou recorrer à Defensoria Pública do Paraná para garantir que a filha tenha o direito de entrar com o Paçoca em determinados lugares. Aymee foi liberada para ficar no hospital com Paçoca por três semanas, enquanto acompanhava a mãe em um pós-cirúrgico.
O defensor público falou em "diminuição de ansiedade e de colapsos emocionais". "Os animais de apoio emocional são terapeuticamente necessários para as pessoas com TEA. Nem todos têm o conhecimento de que esses animais podem ajudar na diminuição de ansiedade e de colapsos emocionais, como surtos", explicou Matheus Munhoz, defensor público.
Mãe e filha recebem comentários de mau gosto. Janete conta que a família já ouviu vários tipos de comentários em relação ao Paçoca, mas os que mais atingem Aymee são os que tratam o galo como alimento. Ela já ouviu que o galo "daria uma bela canja" e que "a passarinho seria perfeito".
A ignorância está em não saber. Por isso, a gente faz questão de ir a todos os lugares possíveis [com o Paçoca] para que, através da exposição, as pessoas tomem consciência e a gente acabe promovendo mudanças.
Janete Soares
Animais de suporte emocional
A presença do animal é um complemento de outras medidas. "O tratamento das pessoas que convivem com o autismo envolve múltiplas terapias, e a utilização de animais de suporte emocional é uma delas, como complementar às outras diversas medidas já consagradas na literatura", explica o neurologista Matheus Alves da Silva, da BP - A Beneficência Portuguesa de São Paulo.
O suporte pode ter diferentes benefícios. Segundo o neurologista, ainda não é muito claro o tamanho do impacto dos animais para pessoas com autismo, mas estudos apontam benefícios cognitivos, sociais, emocionais e comportamentais. "Mas sempre aliado com as terapêuticas padrões para o paciente e com indicação e monitorização da equipe de saúde que o acompanha."
Não há espécies pré-determinadas para suporte emocional. "Os animais podem ser de diversas espécies, [escolha] que deve ser feita de maneira individualizada a depender do contexto social do paciente e do familiar. E não há uma diferença nítida dos resultados a depender do tipo de animal utilizado", diz o neurologista.
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