'Redes sociais viraram minha alegria', conta influenciadora de 94 anos

Estelinha Bezerra tem 94 anos, e aos 93 iniciou algo que jamais poderia um dia pensar em fazer: virou influenciadora, produtora de conteúdo, tiktoker, ou como quiser chamá-la. Se divertir como celebridade da internet passou a ser parte da sua rotina diária diante de mais de meio milhão de seguidores alcançados em menos de seis meses no TikTok e no Instagram.

Política, família, relacionamento e outros tantos temas são abordados de forma leve e descontraída em suas publicações. A fórmula desse sucesso? Humor e amor, segundo o filho Josafá, criador e administrador das contas da mãe.

Esse feito veio por acaso, de modo despretensioso como meio que o rapaz encontrou de tentar tirar a mãe de uma segunda depressão severa. A primeira veio após a morte de seu esposo, em 2003, com quem viveu por 53 anos.

Sempre gostei muito de passear e andar de carro. Mas quando veio a primeira depressão, não queria mais sair de casa. Você vai sentindo aquela tristeza e uma vontade chorar sem ter de quê. Meus filhos tentavam me animar, mas não tinha energia pra nada. Mesmo assim, lutava internamente porque não me conformava com tudo que eu estava sentindo. Minha família me ajudou demais. Me tratei e agora voltei a ser quem eu era. Estelinha Bezerra

Mãe de 17 filhos, 28 netos, 18 bisnetos e uma tataraneta, Estelinha passou por alguns infortúnios ao longo de sua vida, entre eles a perda de 5 filhos, um na gestação, dois ainda bebês e dois adultos.

A covid e a depressão

Em 2019, sofreu seu primeiro AVC. No ano seguinte, no auge da pandemia de covid, contraiu a doença e ficou entre a vida e a morte em uma UTI.

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Imagem: Arquivo pessoal

O isolamento causou em Estelinha uma tristeza profunda. "Aquela doença foi a pior que já tive na vida e não desejo o que passei pra ninguém. Só chorava e passei por uma depressão muito forte. Fiz tratamento por quase dois anos com a psicóloga, mas não resolveu", relembra.

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Em maio de 2023 teve um segundo AVC. Perdeu a fala e precisou passar por uma cirurgia de alto risco. O procedimento foi bem-sucedido e a partir daí o filho resolveu gravar as histórias da mãe para que seus conselhos, sua alegria e sua vontade de viver ficassem guardados para sempre.

Ainda no hospital, no dia em que ela foi da UTI para o quarto, Josafá decidiu que daria voz à mãe, dando início ao primeiro vídeo, em julho de 2023. "Saiu tão natural quanto os partos que ela teve na vida".

O primeiro deles foi uma pergunta do filho: agora que recuperou a fala e está viva, o que a senhora nunca viveu e gostaria de viver? "Viajar e comer filé mignon e lagosta", respondeu a mãe.

Era para ser um registro modesto para a família, mas a frase cheia de energia da nonagenária ecoou mais alto. E assim nasceu o canal da Estelinha Bezerra.

Quando a gente está com depressão, qualquer coisa vira motivo de tristeza. Agora estou alegre e satisfeita. Voltei a ter vontade de sair, de ver as pessoas, de conversar e acho que a internet que me ajudou. As redes sociais se tornaram uma alegria pra mim. Estelinha Bezerra

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"Ver os vídeos publicados era uma celebração da vida dela. Me senti tão feliz que ela tinha sobrevivido que me vi quase que obrigado a registrar essa felicidade. Ao longo do tempo, percebi que as redes sociais devolveram a ela a vontade de viver", conta o filho.

"Eu sem batom não sou ninguém"

Estelinha é vaidosa
Estelinha é vaidosa Imagem: Arquivo pessoal

O primeiro vídeo que viralizou foi com a citação "eu sem batom não sou ninguém". A publicação rendeu mais de um milhão de visualização no TikTok em um só dia. Desde então, esse item passou a ser indispensável nas gravações. "Ganhei a fama de rainha do batom, adoro batom e uso todo dia. E tem que ser vermelho", destaca a influenciadora.

"Pelos comentários das seguidoras, vi que não era o batom em si que fazia sucesso, mas o fato de uma mulher com mais de 90 anos falar sobre autoestima, autoconfiança e autoconhecimento. Minha mãe se tornou uma referência. Com tantas cicatrizes, mostrou ser uma pessoa forte, carismática, de opinião, que se comunica de forma direta, leve e sincera", observa o filho.

Fico contente de ter meus seguidores acompanhando a minha vida. É um sentimento maravilhoso para a minha mente, de ser querida, de todo mundo gostar de mim. Queria trazer todos para a minha casa, mas acho que não caberia aqui. Estelinha Bezerra

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Estelinha faz questão de falar sobre igualdade de direitos e exaltar a beleza da mulher. Frases como "quem manda em mim sou eu", "homem nenhum me governa", "mulher pra ser elegante precisa gostar dela mesma" e "vaidade não é pecado" ganharam destaque em suas publicações.

@estelinhabezerra Nenhuma mulher deve depender de marido. Não está bem no casamento? Dê uma volta, esfrie a cabeça e diga ao marido: "vai viver tua vida!". É assim que pensa #estelinha Casamento abusivo ou tóxico nunca foi uma opção para essa mulher que, aos 93 anos, teve 17 filhos e criou 14 (três morreram ainda bebês). Em sua casa, o respeito sempre foi estrada de duas vias: vai e volta. Neste vídeo, #estelinha também define o conceito de beleza. O que faz uma mulher ser bonita e elegante? #familia #casamento #mulher #beleza #empoderamentofeminino #viral #tiktok #trending ? som original - Estelinha Bezerra

E quando o assunto é envelhecer, a influencer também não deixa para menos e dá o recado. Uma de suas postagens já rendeu mais de quatro milhões de visualizações no TikTok.

Envelhecer é bom, não precisa ter medo. Tem pessoas que passam a vida e não vivem. Essas, que passam a vida, ficam velhas. Estelinha Bezerra

Nem mesmo uma infecção urinária recente, que a fez ficar internada no período de Carnaval, tirou o ânimo da influenciadora, que manteve sua rotina de gravações e até hit da Bahia cantou. "É a 'Vevé' que tá no comando", imitando a cantora Ivete Sangalo.

Adepta da tecnologia, Estelinha também usa o celular para acessar aplicativo de banco, pagar suas contas e conversar com a família nos grupos de WhatsApp. E sobre as redes sociais, agora ela quer chegar aos dois milhões de seguidores. "Em cada conta", brinca.

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Depressão entre idosos

A depressão é quatro vezes mais comum entre idosos que relatam se sentirem sempre sozinhos —e o risco de desenvolver a doença dobra pelo simples fato de morar só. As informações são de uma pesquisa da Unicamp.

Enquanto 16,8% relataram sempre se sentir sozinhos, 31,7% dos respondentes indicaram sempre sentir solidão. Os pesquisadores cruzaram esses dados com condições de saúde, como depressão, e indicadores sociodemográficos como nível de escolaridade, sexo, e de comportamento, como morar só e qualidade do sono.

Na solidão, o indivíduo sente que seus relacionamentos não são suficientes para satisfazer suas necessidades emocionais. Segundo os pesquisadores, a relação entre solidão e depressão já é bem documentada, com sentimentos comuns a ambos, a exemplo da percepção negativa das interações sociais e do senso antecipado de rejeição.

Já a idade pode refletir experiências de vida como viuvez e aposentadoria. Segundo outras pesquisas, em mulheres, a maior expectativa de vida e a presença de doenças mentais associa-se à maior probabilidade de solidão.

Se você convive com um idoso que não tem vontade de sair de casa, fique atento. Sem se relacionar, contemplar a natureza, se expor à luz natural, o risco de se predispor e reforçar um quadro de depressão também aumenta. O idoso tende a não reconhecer mais sua utilidade, os prazeres da vida, e deixa de fazer planos, se cuidar, se exercitar, o que gera, além de frustração e impotência, tédio, impaciência, mau humor, insegurança e ideias pessimistas.

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