Os 60+ na sala de aula: por que idosos resolvem cursar uma faculdade?
Rone Carvalho
Colaboração para VivaBem
04/03/2024 04h05
Foi a necessidade de ajudar financeiramente em casa que afastou Janete Francisca Mendonça, 63, do sonho de cursar uma faculdade na adolescência. Trinta anos depois, a técnica em contabilidade resolveu satisfazer a vontade de voltar para uma sala de aula, em busca do diploma universitário. Mas mais uma vez não conseguiu.
"Ao tentar entrar na faculdade, em 2006, descobri que estava com câncer", lembra. Janete conta que durante o tratamento da doença, entre 2006 e 2019, tentou por mais duas vezes ingressar no ensino superior, mas a doença não deixava.
A saga em busca de ingressar no ensino superior só terminou em 2019 ao receber a notícia de cura do câncer. Enfim chegava a hora dela tentar mais uma vez prestar o vestibular da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco).
"Lembro que me preparei muito para a prova. Nesse meio tempo teve o início da pandemia, mas para minha felicidade deu tudo certo e, enfim, consegui ingressar na faculdade em 2021", recorda. Aluna do curso de música da UFPE, Janete enfrenta diariamente quatro horas de ônibus —duas na ida e duas na volta— para chegar ao campus da faculdade. Porém, engana-se quem pensa que isso lhe faz desanimar.
Meu pai me dizia: ruim com estudo, muito pior sem ele. Por isso sempre digo que a melhor coisa que pode acontecer na vida de uma pessoa é estudar. Quando você estuda passa a ter uma visão diferente do mundo. Janete Francisca Mendonça, 63, aluna do curso de música da UFPE
Os 60+ na sala de aula
Assim como Janete, 51,3 mil idosos estão matriculados em cursos superiores no Brasil, de acordo com dados do Censo da Educação Superior, do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira). Desse total, 26,6 mil são mulheres e 24,7 mil são homens.
São idosos que não tiveram a oportunidade de fazer um curso superior na juventude e aproveitaram a terceira idade para estudar; ou em busca de ocupar a mente após a aposentadoria resolveram ir para faculdade, como Wolfgang Schulze, 70, aluno do curso de filosofia da USP.
"Desde criança eu gosto de estudar. Quando me aposentei pela dificuldade em voltar ao mercado de trabalho por conta da minha idade, resolvi voltar aos estudos e comecei a me preparar para o vestibular da USP", explica.
Por ter trabalhado durante toda a vida com mecânica, Wolfgang escolheu cursar uma graduação no Instituto de Física da USP: "Foi uma frustração. Tinha dificuldade em acompanhar o conteúdo, me senti limitado e como um jovem perdido na hora de escolher o curso", lembra.
Ao não conseguir concluir a graduação em física, Wolfgang resolveu tentar novamente o vestibular da Fuvest. Dessa vez, para o curso de Letras. E, mais uma vez foi aprovado. "Foi quando me encontrei e me apaixonei pela área. Depois de ter concluído o bacharelado, em 2016, fiz licenciatura. Agora, estou na minha terceira graduação, em filosofia também na USP", conta feliz.
Ao ser questionado, sobre o contato com os demais estudantes, Wolfgang confessa que fora da aula sempre existem barreiras geracionais. "Os mais jovens gostam mais de festa, eu já sou mais na minha", brinca. No entanto, ele ressalta que dentro da sala de aula toda a diferença geracional é diluída e todos conversam de igual para igual.
Por estar convivendo com jovens, todo aquele preconceito que muitas vezes nós idosos temos que jovem não sabe nada, desaparece. Convivo com jovens brilhantes e me surpreendo com a forma que alguns de 18 e 19 anos se comportam e apresentam questões. Imagino que isso também aconteça de forma inversa. É um amadurecimento para ambas as partes. Wolfgang Schulze, 70, aluno do curso de filosofia da USP
Por que essa inclusão é benéfica?
Celso Niskier, diretor presidente da Abmes (Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior), ressalta que o crescimento do número de idosos no ensino superior brasileiro traz inúmeros benefícios para a própria sociedade.
"Trazer para os bancos universitários um segmento da população que hoje é minoritário é sempre importante para atingir metas do plano nacional de educação. Mas mais do que é isso, é importante porque torna mais diverso o ambiente da faculdade e combate o etarismo que, infelizmente, ainda existe na sociedade e, principalmente, no mercado de trabalho", aponta.
Opinião parecida com a de Carolina Rebellato, especialista em gerontologia pela SBGG (Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia), que aponta uma melhora na qualidade de vida dos idosos que cursam o ensino superior.
"Estudar na terceira idade colabora com a manutenção das funções cognitivas, melhora da saúde e bem-estar, a partir da criação de novas redes sociais e até de propósito de vida", argumenta.
É o que sente na pele Antônio Papa Filho, aluno do curso de ciências ambientais da UnB (Universidade de Brasília). Aos 73 anos, "vozão", como é carinhosamente chamado pelos alunos do curso, resolveu ocupar a mente com estudos ao se aposentar.
Tenho uma convivência excepcional com todos e agradeço muito a professora Monica por ter sido uma grande incentivadora na UnB. Minha vida foi feita de conhecimento, para mim o conhecimento é a alma da vida. Quando aposentamos, tendemos a ficar ociosos. Para evitar doenças e ter um maior contato com a sociedade, resolvi ir para faculdade e não me arrependo. Antônio Papa Filho, 73, aluno do curso de ciências ambientais da UnB
Com uma vasta formação, Antônio possui cinco cursos de graduação no currículo, sendo três feitos antes de se aposentar —filosofia, teologia, sociologia— e dois depois —biologia e ciências ambientais, esta último em andamento. O que orgulha o filho Carlos Eduardo da Silva Papa, 24, matemático e estudante de engenharia civil da UnB.
"Claro que é motivo de orgulho ter um pai que vai junto contigo estudar na faculdade. Mas o que mais me deixa feliz é ver a própria personalidade dele evoluindo depois que entrou na faculdade. Antes, em casa, após se aposentar, ele ficava ansioso e irritado com facilidade. Agora não, vejo meu pai realizado e feliz", conta.
Quem também resolveu iniciar um curso superior após os 60 anos foi Humberto da Costa Ferreira, 72. Após ter trabalhado durante boa parte da vida como jornalista sem diploma, há dois anos ele resolveu ir para faculdade para conseguir a obtenção do título.
"Confesso que no início tinha receio de entrar na faculdade com uma turma formada majoritariamente por jovens. Mas fui de cabeça erguida e com o tempo eles passaram até me ver como referência", conta o estudante da Unemat (Universidade do Estado de Mato Grosso).
Projeto pioneiro
Em busca de aumentar a participação de idosos nos cursos de graduação, recentemente a UnB lançou um projeto pioneiro no Brasil: um vestibular exclusivo para pessoas idosas. O processo seletivo seleciona vagas dos cursos de graduação da instituição de ensino superior e as oferta por meio de um vestibular próprio para idosos.
"Foram 3.013 idosos inscritos, para 136 vagas, em 37 cursos presenciais, nos quatro campi da instituição. A graduação com maior número de inscritos foi psicologia, com 566 candidatos, que concorrem a duas vagas", conta Márcia Abrahão, reitora da universidade.
Segundo ela, o projeto quer aumentar a pluralidade no ambiente acadêmico, reconhecer e valorizar a presença das pessoas idosas no ensino, pesquisa e extensão, propor o convívio intergeracional e enfrentar o etarismo.
"Desejamos que outras universidades se inspirem nesta experiência. Atualmente, dos aproximadamente 40 mil estudantes de graduação da UnB, temos 132 com 60 anos ou mais ativos e estamos muito felizes em dobrar esse número, ao receber mais 136 neste ano", afirma.